A Ambev colocou na mesa R$ 67 milhões para financiar projetos culturais e esportivos por meio do edital Ambev Brasilidades 2026. O dinheiro será investido em iniciativas aprovadas nas leis estaduais de incentivo à cultura e ao esporte espalhadas pelo país. Porém, em meio a tantos estados contemplados, um sumiço chama atenção: o Maranhão ficou de fora da lista.
Enquanto Bahia, Ceará, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e tantos outros aparecem nominalmente entre as leis aceitas pelo programa, o Maranhão simplesmente não é citado na plataforma oficial do edital, nem na comunicação de divulgação baseada no regulamento. E isso acontece apesar de o estado possuir, desde 2011, a sua própria Lei Estadual de Incentivo à Cultura (Lei nº 9.437/2011), que autoriza empresas contribuintes de ICMS a destinarem parte do imposto para projetos culturais aprovados pela Secretaria de Estado da Cultura.
Em outras palavras: existe lei, existe potencial de renúncia fiscal, existe uma gigante disposta a investir milhões… mas o Maranhão não aparece no jogo.
Maranhão tem lei de incentivo, mas some no radar da Ambev
A Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão prevê que até 0,4% do ICMS arrecadado possa ser destinado ao financiamento de projetos culturais. Esse mecanismo coloca o estado no mesmo patamar jurídico de várias unidades da federação que hoje estão contempladas no edital Ambev Brasilidades 2026.
Mesmo assim, quando olhamos a relação de leis estaduais aceitas pela empresa, vemos referência às leis de cultura e de esporte de estados como Bahia, Ceará, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo, além do Distrito Federal e outros — mas não encontramos o Maranhão na lista.
Então, se a lei existe e o mecanismo está formalmente implantado, por que o estado não aparece entre as possibilidades de investimento da Ambev? Onde foi que a cadeia se quebrou: na Ambev, que ignorou o mercado maranhense, ou na articulação institucional do próprio governo estadual, especialmente da Secretaria de Cultura?
Falta de articulação política ou desinteresse pela economia da cultura?
Quando uma empresa do porte da Ambev estrutura um edital nacional baseado em leis estaduais de incentivo, nada ali é por acaso. Há negociação, troca de informações, alinhamento tributário, conversa com secretarias estaduais e com equipes técnicas.
Por isso, a ausência do Maranhão não pode ser tratada como um simples “detalhe burocrático”. Ela sinaliza, no mínimo, falha de articulação. E quem, dentro do governo, deveria estar permanentemente brigando para que o estado entre nesse tipo de rota de investimento? Justamente a Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (SECMA), hoje dirigida pelo secretário Yuri Arruda.
Enquanto outros estados negociam, se fazem presentes em editais estratégicos e conectam seus produtores culturais às grandes empresas, o Maranhão parece assistir da plateia. E isso não é um problema abstrato: é dinheiro real, emprego real, renda real que deixam de chegar a grupos de teatro, blocos tradicionais, produtores independentes, festivais, coletivos periféricos, projetos de formação, ações de esporte comunitário e toda uma cadeia criativa que já enfrenta dificuldades históricas para sobreviver.
Prejuízo direto para artistas, produtores e para a imagem do estado
Quando um edital como o Ambev Brasilidades 2026 exclui, na prática, a lei de incentivo de um estado inteiro, o recado para o mercado cultural é claro: investir ali é mais difícil, menos interessante ou simplesmente não está no radar estratégico do patrocinador.
Isso afeta diretamente:
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Artistas e produtores, que deixam de ter acesso a uma fonte robusta de patrocínio;
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Empresas locais, que poderiam usar o mecanismo de renúncia fiscal alinhado a uma marca forte, mas não encontram o caminho aberto;
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A imagem do próprio Maranhão, que vai ficando para trás em um cenário em que cultura também é negócio, turismo, branding e desenvolvimento econômico.
Enquanto isso, a SECMA gasta energia — e dinheiro público — organizando grandes eventos de calendário, como Carnaval, São João, Natal e festivais pontuais, mas não consegue garantir ao setor cultural uma política estratégica de captação junto a grandes players privados.
Não é uma questão estética. É de prioridade.

É dever da Secretaria cobrar explicações e agir imediatamente
Diante da existência da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, e do fato de que a Ambev estruturou um edital baseado exatamente nesse tipo de legislação, é legítimo — e necessário — perguntar:
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A Secretaria de Cultura do Maranhão procurou formalmente a Ambev para incluir a lei estadual no escopo do edital?
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Houve algum impedimento técnico, fiscal ou jurídico apresentado pela empresa ou pela própria Sefaz/MA?
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O governo do estado tem dados públicos de execução da Lei de Incentivo que demonstrem eficiência e transparência suficientes para atrair grandes patrocinadores?
Se essas respostas existem, elas não estão claras para a sociedade. E, se não existem, estamos diante de um vácuo de gestão que precisa ser exposto.
A Secretaria de Cultura não pode se comportar apenas como organizadora de festas oficiais. Ela precisa atuar também como articuladora de oportunidades, conectando a lei estadual às grandes empresas que, hoje, estão injetando milhões em outros estados.
Não é “mimimi”: é disputa por recursos e protagonismo
Alguns podem argumentar que “sempre dá para tentar outros editais”, ou que “o Maranhão tem seus próprios programas de fomento”. Sim, tem. Mas, enquanto isso, R$ 67 milhões de um único edital privado circulam pelo país, e o estado segue ausente do mapa.
Em um cenário de crise fiscal, cortes orçamentários e dificuldade de manutenção de equipamentos culturais, deixar passar uma oportunidade dessa magnitude é, no mínimo, irresponsável. E, quando essa ausência se repete em diferentes chamadas de incentivo privado, deixa de ser acidente e passa a parecer padrão.
A cultura maranhense já provou, inúmeras vezes, sua potência: do bumba meu boi ao reggae, das manifestações tradicionais às novas cenas urbanas. Falta, então, uma gestão que trate essa potência como ativo estratégico e não apenas como cenário bonito para fotos oficiais.
Hora de virar o jogo
Ainda há tempo para reação política. A SECMA pode — e deveria — procurar publicamente a Ambev, exigir explicações técnicas sobre a não inclusão da lei maranhense e, se for o caso, corrigir eventuais entraves normativos junto à Secretaria da Fazenda.
Além disso, a pasta deve prestar contas à sociedade cultural:
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Quais articulações vem fazendo com empresas de grande porte que operam no Maranhão?
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Qual o volume efetivo de recursos captados via Lei Estadual de Incentivo à Cultura nos últimos anos?
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Quais medidas concretas serão tomadas para que o estado não continue de fora de editais nacionais que envolvem leis de incentivo?
Se a cultura é tratada apenas como gasto, ela continuará vulnerável. Mas, se for encarada como vetor de desenvolvimento, editais como o Ambev Brasilidades 2026 deixam de ser “boa notícia dos outros” e passam a ser oportunidade real para o Maranhão.
Até lá, a pergunta incômoda permanece: por que, mais uma vez, o estado que exporta cultura para o Brasil inteiro não consegue garantir sequer o seu lugar à mesa na hora em que o dinheiro está sendo servido?

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Positivos os questionamentos e pede-se respostas.