Freepik / Site do PT
Embora o feminicídio integre o rol de crimes hediondos, com penas que podem chegar a 40 anos de reclusão, o número de assassinatos de mulheres não diminui. Pelo contrário: quatro mulheres são assassinadas por dia no Brasil
Em meio à campanha dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Meninas e Mulheres, o país testemunhou três episódios de grande repercussão envolvendo assassinatos e outras formas de violência contra mulheres. A misoginia está cada vez mais entranhada na sociedade brasileira.
Os feminicídios da professora Allane de Souza Pedrotti Matos e da psicóloga Layse Costa Pinheiro, ocorridos no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), no Rio de Janeiro, chocaram o país. As primeiras notícias indicaram que o feminicida João Antônio Miranda Tello Gonçalves tirou a vida das duas servidoras públicas pelo simples fato de não admitir ser chefiado por mulheres.
O segundo caso foi o do influenciador Thiago Schutz, conhecido como “Calvo do Campari”, acusado de agressão física e tentativa de estupro contra sua então namorada. Schutz ganhou notoriedade ao defender ideais de movimentos masculinistas que pregam a violência contra mulheres a partir de discursos de ódio.
O terceiro episódio foi o de Taynara Souza Santos, de 31 anos, atropelada e arrastada por mais de um quilômetro por um carro dirigido por Douglas Alves da Silva, ex-namorado da vítima, até a Marginal Tietê, em São Paulo. A violência foi tão brutal que Taynara teve as duas pernas amputadas. Ela é mãe de duas crianças.
Estudos comprovam ecossistema misógino na internet
Os três fatos evidenciam a urgência em criminalizar a misoginia e em punir penalmente movimentos extremistas — como o chamado Redpill — que propagam livremente discursos de ódio contra mulheres. Também são chamados de Incels, ou até mesmo de Legendários, aquele famoso grupo de homens que, vestidos de macacões laranja, se unem para reafirmar entre si a própria masculinidade. Esses movimentos defendem a volta da “energia feminina” e que as mulheres retornem ao lugar de inferioridade e submissão.
Muitos adeptos desses comportamentos extremistas acreditam que os homens são oprimidos pelas mulheres, que elas detêm mais poder social do que eles, sendo mais privilegiadas. Ou seja: para eles, as mulheres terem independência financeira ou autonomia sobre seus próprios corpos significa uma ameaça à manutenção das estruturas do patriarcado.
Nos ambientes digitais, o discurso de ódio contra mulheres e meninas tem se normalizado, autorizando e legitimando práticas violentas. O discurso de ódio nas redes sociais tem sido cada vez mais amplificado nas ruas, nos lares e nos ambientes de trabalho. A ausência de controle ou regulação das plataformas digitais contribui para que jovens tenham seus comportamentos moldados à luz da violência extremista e do discurso de ódio. Meninos e jovens têm crescido acreditando que a violência contra meninas e mulheres é normal e aceitável.
Em dezembro de 2024, o Observatório da Indústria da Desinformação e Violência de Gênero nas Plataformas Digitais, uma parceria entre o Ministério das Mulheres e o NetLab/UFRJ, apresentou o relatório “Aprenda a evitar ‘este tipo’ de mulher: estratégias discursivas e monetização da misoginia no YouTube”.
De acordo com o Ministério das Mulheres, foram analisados computacionalmente 76,3 mil vídeos para traçar um panorama da chamada “machosfera”, rede de influenciadores e comunidades digitais masculinistas. Os vídeos somam mais de 4 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários. A análise do conteúdo misógino revela discursos nocivos que contribuem para naturalizar comportamentos de ódio, desprezo, aversão e controle sobre as mulheres.
Outra pesquisa encomendada pelo Ministério (2024) mostrou que mais de 98% dos anúncios problemáticos e ameaçadores às mulheres não foram classificados como sensíveis pelo sistema de anúncios da Meta.
Além disso, foram mapeados perfis, páginas e sites envolvidos na divulgação de produtos, serviços ou tratamentos suspeitos, enganosos ou fraudulentos, com potencial de causar danos à saúde das mulheres. Também foram identificados perfis e páginas que promovem a desigualdade de gênero, pregam a inferioridade feminina e disseminam ódio contra mulheres e meninas. Os anúncios foram categorizados em quatro eixos: corpo da mulher; misoginia e combate à igualdade de gênero; autonomia feminina; e mulher de fé.
A pesquisa reforça a necessidade de uma regulação da internet, indicando que o ambiente digital não pode ser uma terra sem lei, na qual anúncios pagos continuam promovendo a violência contra mulheres e meninas. “A lógica algorítmica e o modelo de negócio das plataformas digitais, ao privilegiarem conteúdos que prendem a atenção dos usuários, reforçam estereótipos de gênero e auxiliam na proliferação de narrativas nocivas”, aponta o estudo.
ONU defende combate à violência digital contra a mulher
Diante do agravamento do cenário, a ONU Mulheres definiu como tema da campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres” a mensagem “UNA-se para Acabar com a Violência Digital contra Todas as Mulheres e Meninas”. A iniciativa busca alertar governos, sociedade, movimentos sociais e empresas para uma das formas de assédio que mais cresce contra mulheres: a violência digital.
Segundo a ONU Mulheres, o assédio digital tem sido cada vez mais utilizado para perseguir, assediar e abusar de mulheres e meninas. Contribuem para o avanço das agressões digitais a falta de regulamentação do setor de tecnologia, a ausência de reconhecimento legal da violência digital, a falta de responsabilização das plataformas, a normalização da violência em espaços da machosfera, a criação de novas formas de assédio por Inteligência Artificial, o anonimato dos agressores, o assédio transfronteiriço e os sistemas de apoio insuficientes às vítimas.
Criminalizar a misoginia é urgente
Em 2023, a deputada federal Dandara (PT-MG) apresentou o Projeto de Lei 872/23, que busca criminalizar a misoginia, definida como “a manifestação que inferiorize, degrade ou desumanize a mulher, baseada em preconceito contra pessoas do sexo feminino ou argumentos de supremacia masculina”.
A proposta prevê pena de um a três anos de reclusão e multa para quem praticar, induzir ou incitar a misoginia. Atenta ao avanço do discurso misógino na internet, a deputada também propôs que, caso o crime seja cometido por meio dos veículos de comunicação, redes sociais, internet ou qualquer publicação, ou ainda com intuito de lucro, a pena seja aumentada para dois a cinco anos, além de multa.
Da Redação do Elas por Elas
