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CRISE NA ASSISTÊNCIA SOCIAL EM SÃO LUÍS EXPÕE FALHAS NA GESTÃO BRAIDE

BRAIDE E A CRISE NA ASSISTÊNCIA SOCIAL DE SÃO LUÍS

by admin

 

A decisão recente da Justiça obrigando a Prefeitura de São Luís a regularizar os cargos da Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social (SEMCAS) não é um fato isolado. Ela é, na prática, o retrato de uma crise prolongada na assistência social do município, marcada por atrasos de pagamentos, serviços suspensos e uma sensação generalizada de abandono entre usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e organizações parceiras. 

Decisão judicial expõe o “apagão” na SEMCAS

A Vara de Interesses Difusos e Coletivos determinou que a Prefeitura apresente, em até 30 dias, um cronograma completo de nomeações para os cargos em comissão da SEMCAS e de seus órgãos vinculados. Em caso de descumprimento, a decisão prevê multa diária e obriga ainda que a titular da pasta, Tamara Araújo, publique no portal da Prefeitura um aviso informando que assumirá, ou indicará quem assume, as atribuições dos cargos vagos, com contatos para atendimento ao público.

Essa decisão atende à Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Maranhão (MPMA) e pela Defensoria Pública do Estado (DPE), que desde 2022 cobram a recomposição do quadro da secretaria. O problema começou com uma exoneração em massa de servidores comissionados da SEMCAS, publicada em edição extra do Diário Oficial em 6 de dezembro de 2022, sem a imediata nomeação de substitutos, o que, segundo os órgãos de controle, gerou um verdadeiro “apagão” na política de assistência social da capital.

Na ocasião, foi firmado um acordo judicial: o município se comprometeu a apresentar até 23 de janeiro de 2023 um calendário de nomeações e, enquanto isso não ocorresse, o titular da SEMCAS assumiria provisoriamente as atribuições dos cargos vagos. O compromisso, porém, não foi cumprido, mesmo após sucessivas prorrogações. Em abril de 2024, pelo menos 42 cargos continuavam desocupados na estrutura da secretaria.

No pedido de cumprimento de sentença, MP e DPE também solicitaram multa pessoal ao prefeito Eduardo Braide por ato atentatório à dignidade da Justiça, o envio do processo à Câmara Municipal para apuração de possível infração político-administrativa e o compartilhamento das informações com o Ministério Público de Contas e órgãos estaduais do Suas, para avaliar impactos na continuidade dos repasses ao município. Essas medidas serão analisadas após a manifestação da Prefeitura sobre o cronograma exigido.

Atrasos em cadeia estrangulam organizações sociais

Paralelamente ao impasse jurídico, a rede socioassistencial vive sob o peso de constantes atrasos de pagamentos a fornecedores e organizações da sociedade civil contratadas pela SEMCAS. Entidades que administram serviços de acolhimento institucional relatam parcelas de termos de colaboração em atraso há meses, o que compromete diretamente o funcionamento das unidades, o pagamento de salários e a manutenção mínima de condições de dignidade para crianças, adolescentes, jovens e pessoas idosas acolhidas.

Fornecedores de itens essenciais, como cestas básicas e urnas funerárias, também apontam atrasos sucessivos, gerando risco concreto de desabastecimento, justamente em serviços voltados à população mais vulnerável. Na prática, quem paga a conta dessa desorganização financeira são as famílias com insegurança alimentar, pessoas em situação de extrema pobreza e núcleos familiares que dependem da assistência social para enfrentar luto, violência e violações de direitos.

Em reportagens recentes, entidades de atendimento à infância em vulnerabilidade vêm alertando o Ministério Público para o risco de fechamento de projetos por falta de repasses municipais. 

Serviços de convivência parados e milhares de usuários prejudicados

Outro ponto sensível é a situação dos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos (SCFV), que atendem crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade social. Segundo entidades e concelhos municipais, os pagamentos desses serviços foram suspensos ou postergados para o próximo ano, interrompendo atividades socioeducativas, culturais e esportivas que funcionam como rede protetiva nos territórios.

Esses serviços são considerados estratégicos pelo Suas justamente porque previnem violações, rompem ciclos de violência e isolamento e fortalecem vínculos familiares e comunitários. Quando o financiamento atrasa ou é suspenso, milhares de usuários ficam sem acompanhamento regular e sem o apoio das equipes técnicas, abrindo espaço para o aumento da evasão escolar, do trabalho infantil, da violência doméstica e da negligência com a população idosa e com deficiência. 

Na prática, a interrupção e a incerteza sobre os repasses colocam em risco toda a lógica da proteção social básica e especial no município, pois organizações que atuam há anos com a Prefeitura ficam sem qualquer previsibilidade de fluxo financeiro para manter suas equipes.

Fundos municipais travados e projetos paralisados

A crise na assistência social de São Luís também tem um capítulo específico nos fundos municipais. O Ministério Público já pediu auditoria no Tribunal de Contas do Estado para investigar a falta de repasses ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA), apontando um prejuízo histórico superior a R$ 68 milhões entre 2012 e 2023, por não transferência dos 10% do Imposto de Renda Retido na Fonte que deveriam alimentar o fundo. 

Resoluções do próprio Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) já registraram sucessivos atrasos nos repasses a projetos financiados pelo FMDCA, obrigando instituições a pedirem prorrogação de prazo apenas para conseguir executar aquilo que já estava contratado, em razão da demora do município em liberar os recursos. 

Situação semelhante é relatada por representantes do Fundo Municipal do Idoso e do Fundo Municipal de Assistência Social, que convivem com repasses retidos e sem calendário claro de pagamento. A consequência direta é a paralisia de projetos de atendimento a pessoas idosas, de qualificação de cuidadores, de fortalecimento de redes comunitárias e de ações estruturantes na política de assistência. Em vez de ser motor de políticas inovadoras, os fundos vêm sendo lembrados como sinônimo de atraso, insegurança e judicialização. 

 

Foto: redes sociais

 

Acolhimento feminino e para mulheres sob descontinuidade

Se a situação financeira já é grave, ela se torna ainda mais dramática quando se olha para os serviços de acolhimento. Segundo relatos de trabalhadores e organizações que atuam na área, serviços de acolhimento para adolescentes do sexo feminino e de acolhimento para mulheres em situação de rua ou violência estão paralisados e sem funcionamento há quase um ano, sem qualquer sinal público de retomada plena.

Esses serviços são peças centrais da proteção especial de alta complexidade, pois garantem abrigo seguro para meninas em situação de risco e para mulheres que fogem de contextos de violência e extrema vulnerabilidade.

Enquanto contratos atrasam, termos são reordenados e cronogramas são revistas nos bastidores, meninas e mulheres ficam no meio do caminho, dependendo da boa vontade de entidades que continuam operando mesmo sem receber em dia.

Troca de comando e instabilidade política na SEMCAS

Desde 2022, a SEMCAS vive uma sequência de trocas no comando, com sucessivos secretários assumindo e deixando a pasta em um curto intervalo de tempo. De acordo com relatos de conselheiros e entidades, incluindo nomes como Andréia Lauande, Lúcia Marque, Valdecy Vieira Júnior e, mais recentemente, Tamara Araújo.

Essa instabilidade política, somada à exoneração em massa de cerca de 96 comissionados em dezembro de 2022, foi duramente criticada por entidades de classe, que chegaram a divulgar notas públicas denunciando um “desmonte” da política de assistência social em São Luís. Para trabalhadores do Suas, não se trata apenas de troca de nomes no gabinete, mas de perda de memória institucional, paralisação de fluxos de trabalho e enfraquecimento da capacidade de gestão justamente em uma área que exige continuidade, planejamento e presença cotidiana nos territórios. 

Entre obras visíveis e direitos invisíveis

É fato que a gestão de Eduardo Braide coleciona obras e intervenções visíveis na cidade, pavimentação de vias, intervenções em mobilidade, investimento em iluminação pública, ações pontuais em saúde e educação. Esses resultados são percebidos por parte da população e não podem ser simplesmente ignorados no debate público. 

Mas, ao mesmo tempo, é cada vez mais evidente que, na assistência social, a gestão está ficando muito aquém do esperado. Atrasos crônicos de pagamentos, serviços suspensos, fundos travados, ações civis públicas, pedidos de auditoria e decisões judiciais para forçar o cumprimento de obrigações básicas compõem um quadro de insatisfação crescente entre usuários do Suas, trabalhadores da rede e organizações da sociedade civil. 

Em uma cidade marcada por profundas desigualdades, não basta inaugurar obras e anunciar programas. A população mais vulnerável, crianças, adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, famílias em extrema pobreza, mulheres em situação de violência, precisa, antes de tudo, de uma assistência social forte, estável, financiada e respeitada como política de Estado.

Enquanto a crise na SEMCAS seguir sendo tratada apenas na base da judicialização, da remediação e das respostas tardias, a distância entre o discurso de cuidado e a realidade dos territórios de São Luís só tende a aumentar. E, nesse vácuo, quem perde são justamente aqueles que mais precisam que o Estado funcione.

 

 

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