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Nascido da luta contra a violência de gênero na Zona da Mata, maracatu formado totalmente por mulheres abre o Coquetel Molotov neste sábado (6)

by admin

Os que decidirem chegar cedo ao festival No Ar Coquetel Molotov, neste sábado (6), no Recife, poderão acompanhar os batuques e loas que carregam uma história de luta por emancipação feminina através da cultura popular. Fundado em Nazaré da Mata e bebendo nas tradições do maracatu rural, o Maracatu Feminino de Baque Solto Coração Nazareno inaugura o palco principal do Molotov, a partir das 17 horas, no campus da UFPE, abrindo caminho para a rapper baiana Duquesa, que sobe ao palco logo em seguida, às 18h10.

Abrir caminhos já é uma especialidade deste que é o primeiro maracatu rural criado e composto inteiramente por mulheres, já consolidado dentro da tradição do brinquedo popular da Zona da Mata pernambucana e que agora vem ocupando novos espaços. O Coração Nazareno foi fundado em 2004 como um dos braços de atuação da Associação de Mulheres de Nazaré da Mata (Amunam), entidade com quase 40 anos de trabalhos na luta pelo protagonismo feminino e enfrentamento da violência de gênero.

Até então, a participação de mulheres no maracatu rural era restrita às atividades de cozinha e confecção de indumentárias. Crendices carregadas de preconceito, como a de que a menstruação seria capaz de amaldiçoar a brincadeira, tinham força para afastar integrantes femininas dos cortejos e apresentações. Na busca pelo protagonismo negado, o Coração Nazareno fez o enfrentamento, possibilitando às mulheres irem além da cozinha e costura, trocando as colheres de pau e agulhas por lanças, apitos, instrumentos musicais e outros itens do folguedo.

Lucicleide Silva está envolvida nas atividades da Amunam desde os 14 anos, atribuindo à associação os seus primeiros empregos. Musicista e coordenadora do Coração Nazareno, ela recorda as dificuldades para conquistar respeito e espaço entre os demais grupos de maracatu. “No Encontro de Maracatus de Nazaré nós não conseguimos marcar nosso lugar na fila de saída. Os homens passavam a madrugada jogando dominó e tomando cachaça lá [guardando o lugar], mas tínhamos afazeres domésticos e crianças para cuidar. Hoje, após muita luta, é decretado que o primeiro lugar na fila é nosso”, relata Lucicleide.

A musicista passou a integrar o brinquedo popular já nos primeiros anos de existência do grupo, movida pela vontade de participar ativamente da mais tradicional manifestação cultural de sua cidade. Duas décadas depois, Lucicleide assiste as sementes plantadas brotarem não só entre as mulheres do maracatu, mas na cena cultural da região. Dois frutos do Coração Nazareno são os grupos femininos de cultura popular Ciranda das Flores e as Flores do Coco, ambos também formados no seio da Amunam.

Hoje, o maracatu é composto por 65 mulheres, não só de Nazaré da Mata, mas de municípios vizinhos e mesmo de outros estados. Nazaré fica a uma hora de distância da Paraíba. Ao longo do ano elas ensaiam e trabalham na confecção de indumentárias, preparando apresentações – como a deste sábado (6) – que já não se restringem ao ciclo carnavalesco. O Coração Nazareno vem também ocupando espaços em festas públicas e grandes festivais privados, além de apresentações em escolas e aulas-espetáculos.

Eliane Rodrigues, fundadora da Amunam, destaca que o momento do Coração Nazareno é de expandir sua força e seguir empenhadas em levar a mensagem de protagonismo feminino por onde passam. “As loas cantadas por nossas mestras não são aquelas que todos estão acostumados a ouvir. São loas que falam sobre violência contra a mulher, violência contra crianças, questões ambientais, empoderamento e protagonismo feminino, levando sempre uma reflexão”, pontua Eliane, que comemora a participação no Coquetel Molotov. “É muito importante. Somos valorizadas e a cultura popular pernambucana é valorizada”, avalia.

Agora os planos são de expansão. O grupo quer chegar em 100 integrantes e continuar sendo uma grande força da tradição da cultura popular – tradição essa que o Coração Nazareno já chegou a ser acusado de quebrá-la. Um dos pilares do grupo é a valorização justa e equânime para as artistas, garantindo a sustentabilidade do coletivo. Os caminhos foram abertos e o estandarte, as golas, lanças e os batuques seguem em cortejo para transformar as vidas de ainda mais mulheres por meio da cultura popular.

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