A Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão manteve o recebimento da denúncia contra o prefeito de Santa Inês, Luís Felipe Oliveira de Carvalho, conhecido como Felipe dos Pneus (PP), e outras 13 pessoas acusadas de integrar um esquema de fraudes em licitações e desvio de recursos públicos destinados para a compra de medicamentos e insumos hospitalares. O esquema movimentou cerca de R$ 74,8 milhões em contratos em três anos.
A confirmação foi tomada em 24 de novembro último, quando o colegiado rejeitou a maior parte dos chamados embargos de declaração (recurso contra supostas omissões, obscuridades ou contradições da decisão) relativos à aceitação da denúncia. O caso está no tribunal porque Felipe dos Pneus tem direito a foro especial por ser prefeito e os demais envolvidos têm conexão com os crimes apurados.
“Denúncia que descreve com clareza e individualização as condutas dos acusados, acompanhada de elementos mínimos de autoria e materialidade, atende aos requisitos legais e deve ser recebida”, diz trecho do acórdão unânime dos desembargadores José Nilo Ribeiro (relator), Graça Amorim e Nelson Ferreira.
Felipe dos Pneus é acusado pela PGJ (Procuradoria-Geral de Justiça) de comandar uma organização criminosa estruturada para fraudar licitações, desviar recursos públicos e lavar o dinheiro obtido. O procurador-geral Justiça Danilo de Castro Ferreira sustenta que, logo no início do primeiro mandato à frente do Executivo municipal, em janeiro de 2021, o prefeito de Santa Inês centralizou e direcionou certames a empresas que repassavam valores de contratos superfaturados à organização.
Também são réus sob a acusação dos mesmos crimes Antônio José de Magalhães Neto e Samuel Martins Costa Filho, apontados pelo Gaeco como integrantes do núcleo central do esquema. Talihina Rodrigues de Carvalho (irmã do prefeito e ex-secretária de Administração), Janete de Macedo Moreira e Talita Abreu de Almeida, segundo a acusação, integrantes do núcleo operacional, são rés por organização criminosa, fraude em licitação e peculato (apropriação ou desvio de bem público ou privado em razão do cargo).
Os demais réus, apenas por lavagem de dinheiro, são Antônio Barbosa de Carvalho (pai do prefeito), Lya Fernanda Costa Alves, Thais Abreu Melo Martins Costa, Antônio Francisco Rocha de Abreu, Welker Carlos Rolim, Renato Serra Trinta Abreu e João Gilberto do Carmo Dias Filho. O rol é completado por Liliane Gatinho Viana, ré pelo crime de peculato.
A PGJ pede que, ao final do processo, os réus sejam condenados. Entre as medidas solicitadas estão a perda do mandato do prefeito, o perdimento dos bens bloqueados, a reparação de R$ 10,3 milhões pelo dano comprovado aos cofres públicos e o pagamento de R$ 20,6 milhões por danos morais coletivos, em razão da “grave violação ao direito à saúde pública” da população de Santa Inês.
Nessa nova fase da ação penal 0821614-38.2024.8.10.0000, os réus poderão apresentar provas, pedir perícias e arrolar testemunhas em sua defesa. A PGJ, do lado da acusação, terá o papel de comprovar a participação dos 14 acusados no esquema criminoso.
A reportagem enviou pedido de posicionamento à defesa do prefeito de Santa Inês desde o dia 27 de novembro, por e-mail, mas não recebeu resposta até a publicação. O advogado Murilo Duailibe Salem, que representa Samuel Martins Costa Filho, Lya Fernanda Costa Alves e Thais Abreu Melo Martins Costa, afirmou que “a instrução processual demonstrará a improcedência das acusações” e que “a total inocência” de seus clientes será provada. As defesas dos demais réus não retornaram o contato ou não foram localizadas.
As investigações se baseiam em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), análises do Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro do Ministério Público maranhense e o material apreendido pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-MA na Operação Tríade e pela Polícia Federal na Operação Free Rider, incluindo mensagens de celular.
“Com base nas medidas [investigativas], foi possível confirmar os vínculos e a constituição de uma organização criminosa pelos investigados, os quais, com a utilização de empresas utilizadas para a fraude em procedimentos licitatórios no âmbito da Prefeitura de Santa Inês/MA, conseguiram promover o desvio de recursos públicos por meio da prática de manobras de lavagem de capitais após as referidas contratações”, conclui o Gaeco na denúncia.
Conforme revelou o Atual7, mensagens trocadas entre 2021 e 2023 por Felipe dos Pneus e outros réus mostram diálogos com indícios de desvio de dinheiro público até na contratação emergencial de carros-pipa para a cidade, que estava enfrentando problemas de abastecimento de água para a população.
Na época da Operação Tríade, o prefeito de Santa Inês chegou a ser afastado do cargo, mas reassumiu o mandato antes da PGJ apresentar a denúncia. Em 2024, ele foi reeleito para a prefeitura.
