Pesquisadores durante estudo de campo em poça temporária; há espécies ainda pouco conhecidas
Ecossistemas que secam completamente por dias, semanas ou até meses, as poças temporárias são ambientes extremos que, surpreendentemente, abrigam uma grande diversidade de peixes. Para sobreviver, esses animais desenvolveram adaptações únicas. Alguns, como os bagres, conseguem literalmente andar e respirar o ar fora d’água pelo intestino; outros pulam entre poças e respiram pela pele.
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O grupo mais famoso é o dos killifishes, com algumas espécies conhecidas popularmente como peixes-das-nuvens. O apelido surgiu porque, após as chuvas, eles parecem “nascer do nada” em poças secas. O segredo está na diapausa: eles morrem na seca, mas deixam ovos que pausam o desenvolvimento embrionário. Esses ovos são tão resistentes que aguentam o sol, a exposição ao ar e podem até sobreviver após serem comidos por uma ave, eclodindo apenas com a pista ambiental da próxima chuva.
Apesar dessas características fascinantes, um novo estudo de revisão da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e a Universidade Santa Cecília, mostra que a ciência tem negligenciado esses ecossistemas. A pesquisa, que analisou 115 artigos de 1981 a 2024, revela que os estudos são tendenciosos: focam nos killifishes, mas ignoram cerca de 100 outras espécies, como piabas, que também usam as poças para fugir de predadores, se alimentar ou se reproduzir.
Segundo os pesquisadores, essa lacuna de conhecimento é perigosa, pois as poças enfrentam ameaças severas. As principais são a expansão urbana, o desmatamento e o tráfico de espécies.
“Como muitas dessas espécies são conhecidas em uma única poça, se você construir um shopping ou um condomínio em cima dessa poça, a espécie está fadada ao fracasso”, alerta o autor principal, João Henrique Alliprandini da Costa.
O artigo aponta a urgência de mais estudos em áreas como ecologia trófica (para entender como se alimentam e do quê) e comportamento (como os motivos de espécies que não são tradicionalmente de poças usarem esses ambientes). Para os pesquisadores, preservar essas poças é crucial, pois elas regulam a população de insetos e são o topo da cadeia alimentar em seu micromundo.
“Se você é um ácaro, o peixe de poça é sua onça”, compara Costa. “Quando esse bicho é extinto, perdemos milhares de anos de informação. Nós perdemos um livro inteiro”.
A revisão enfatiza a urgência de direcionar novas pesquisas para essas lacunas. Entender a fisiologia, o comportamento e a ecologia das espécies negligenciadas é o próximo passo para criar estratégias de conservação eficazes, protegendo esses ecossistemas únicos antes que desapareçam.
