Todos os limites criados pelo arcabouço viraram enganação. A lista de gastos classificados como “exceções” e retirados dos cálculos das metas prometidas pelo governo só faz crescer. Nos quatro anos de mandato, as despesas excluídas do compromisso fiscal superarão R$ 170 bilhões, como mostrou reportagem do GLOBO. Somente no ano que vem, quase R$ 90 bilhões deverão ser considerados exceção, de acordo com projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado. As despesas fora da regra fiscal entre 2024 e 2026 equivalem ao gasto com o Bolsa Família ao longo de 12 meses. Como mostram os números, não há como o governo recuperar qualquer credibilidade com tal situação.
Pode até ser razoável retirar do cálculo das metas um evento extraordinário, como a enchente catastrófica no Rio Grande do Sul em 2024. Uma calamidade pública daquela proporção demandou ajuda econômica emergencial e vultosa, e o governo deduziu gastos de R$ 29,1 bilhões destinados ao estado no ano passado. Mas é ridículo usar o mesmo argumento para outras exceções. É o caso dos R$ 5 bilhões de investimentos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2024. Ou dos R$ 3,3 bilhões separados para ressarcir as vítimas das fraudes do INSS, que também viraram exceção depois de autorização do Supremo Tribunal Federal. Ou ainda de gastos temporários com saúde e educação estimados em R$ 1,5 bilhão que o Congresso também tenta tirar do arcabouço. Não há o menor critério. “Na época da aprovação do projeto que excepcionalizou R$ 5 bilhões de gastos com Defesa [em outubro deste ano], dissemos que poderia abrir precedente perigoso. De fato, está se confirmando”, disse ao GLOBO Alexandre Seijas, diretor da IFI.
Na formulação do arcabouço, o governo inovou ao estabelecer um intervalo de tolerância para as metas. Em caso de choques inesperados, o objetivo anual seria considerado cumprido mesmo que o resultado final ficasse dentro de um limite equivalente a 0,25 ponto percentual do PIB para mais ou para menos. Todos sabem o que o governo fez a partir de então. Esqueceu o centro, passou a mirar somente o piso e, a cada sobressalto, foi engrossando a lista de exceções. O resultado? No papel, o governo é um fiel cumpridor das regras. Na realidade, a dívida não para de crescer. Não custa lembrar: dívidas públicas cada vez mais altas inibem investimentos e reduzem o potencial de crescimento econômico ao longo do tempo, com todos os efeitos negativos decorrentes disso — sobretudo na área social.
