Forças dos EUA apreenderam um petroleiro na costa da Venezuela nesta quarta-feira, segundo informaram ao Intercept fontes do governo familiarizadas com o assunto. O presidente Donald Trump chamou o barco de “o maior já apreendido“.
A captura se segue a três meses de ataques militares estadunidenses contra barcos na região, que mataram pelo menos 87 civis.
O governo dos EUA ainda não deu uma justificativa para capturar a embarcação venezuelana.
As fontes do governo informaram que a operação foi liderada pela Guarda Costeira dos EUA. “Orientamos que procurem a Casa Branca para perguntas”, disse ao Intercept a tenente Krystal Wolfe, porta-voz da Guarda Costeira, em resposta a algumas perguntas.
“Não temos nada a comentar”, disse uma porta-voz do Pentágono, que também encaminhou as perguntas à Casa Branca.
A Casa Branca não se manifestou imediatamente.
‘Parece que eles agora estão tentando apertar ainda mais o laço econômico, independentemente do impacto sobre a população civil, em busca de seu objetivo de mudança de regime.’
Os EUA costumavam comprar grande parte do petróleo da Venezuela, mas esse comércio foi interrompido em 2019, quando o primeiro governo Trump impôs sanções sobre a petroleira estatal do país. Embora as remessas para os Estados Unidos tenham sido retomadas em 2023, a maior parte do petróleo da Venezuela agora é exportado para a China. Os EUA também impuseram sanções financeiras sobre o governo venezuelano.
“O Congresso e a comunidade internacional deveriam considerar que se trata de um ato ilegal de guerra, no sentido jurídico, mas também pela onde de pobreza e violência que pode causar”, diz Erik Sperling, da organização ativista Just Foreign Policy, que critica a política externa tradicional de Washington. “As sanções indiscriminadas do governo Trump pioraram a situação da fome entre a população, mas não conseguiram derrubar o governo. Parece que eles agora estão tentando apertar ainda mais o laço econômico, independentemente do impacto sobre a população civil, em busca de seu objetivo de mudança de regime.”
A captura aconteceu em meio a um contexto em que o Pentágono acumulou uma força de mais de 15 mil soldados no Caribe desde o meio do ano – a maior flotilha militar na região desde a Guerra Fria. Esse contingente agora inclui 5 mil marinheiro a bordo do USS Gerald R. Ford, o mais novo e poderoso porta-aviões da Marinha, que tem mais de 75 aeronaves de ataque, vigilância e apoio.
Como parte de uma campanha de uma campanha militar de ataques aéreos contra barcos, o governo Trump declarou em sigilo que está envolvido em um “conflito armado não internacional” com 24 cartéis, gangues e grupos armados, incluindo o Cártel de los Soles, que os EUA afirmam ser “comandado por Nicolás Maduro e outros indivíduos venezuelanos poderosos”, embora haja pouca comprovação de que esse grupo sequer exista. Especialistas e informantes consideram que isso faz parte de um plano para promover a mudança de regime na Venezuela, que remonta ao primeiro mandato de Trump. Maduro, presidente da Venezuela, nega que seja chefe de um cartel.
Desde o início dos ataques, especialistas em direito da guerra e parlamentares estadunidenses, de ambos os partidos, vêm dizendo que os ataques são execuções extrajudiciais ilegais, porque os militares não têm permissão para atacar civis deliberadamente – mesmo suspeitos de crimes – quando não representam ameaça iminente de violência.
Trump vem adotando uma política externa abrasiva e intervencionista no Hemisfério Ocidental em seu segundo mandato. “[Nós] afirmaremos e aplicaremos um ‘Corolário Trump’ à ‘Doutrina Monroe’”, diz a recentemente divulgada Estratégia de Segurança Nacional dos EUA. Isso remete ao governo de Theodore Roosevelt nos Estados Unidos, na virada do século XX, com sua política do “Big Stick“, um corolário da Doutrina Monroe.
Em 1823, o então presidente dos EUA, James Monroe, alertou aos países da Europa que não permitiria a criação de novas colônias na América. O decreto de Roosevelt, mais vigoroso, determinava que Washington tinha o direito de interferir nos assuntos internos dos países das Américas. Nos primeiros vinte anos do século XX, o corolário Roosevelt seria usado para justificar as ocupações dos EUA em Cuba, na República Dominicana, no Haiti, em Honduras e na Nicarágua.
A postura que vem sendo chamada de “Doutrina Donroe” (misturando os nomes de Donald Trump e Monroe) começou a tomar forma com as ameaças de tomar o Canal do Panamá, adquirir a Groenlândia, e renomear o Golfo do México como Golfo da América. O governo Trump também alegou que a gangue venezuelana Tren de Aragua teria invadido os EUA, o que permitiu o uso da Lei de Inimigos Externos, de 1798, para acelerar a deportação de pessoas que, segundo o govero, pertenceriam à gangue. O Tribunal Recursal do 9º Circuito dos EUA acabou impedindo o governo de usar a lei, dos tempos de guerra. “Concluímos que as provas trazidas aos autos não permitem concluir que uma invasão ou incursão predatória tenha ocorrido”, escreveu o juiz Leslie Southwick.
Mais recentemente, Trump chegou a afirmar que as tropas dos EUA teriam entrado em combate contra integrantes da gangue nas ruas de Washington no meio do ano – o que é, aparentemente, ficção, que a assessoria de imprensa da Casa Branca se recusa a comentar.
Embora o governo de Trump alegue que o Tren de Aragua (TDA) está agindo como “um braço, na prática” do governo de Maduro, o Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional determinou, no começo do ano, que “o regime de Madru provavelmente não tem uma política de cooperação com o TDA e não está orientando a movimentação e as operações do TDA nos Estados Unidos”.
Os EUA também defendem que a Tren de Aragua está envolvida em uma guerra irregular contra os Estados Unidos, e que se trata de um conflito armado não internacional com os EUA. Trata-se, no entanto, de classificações mutuamente excludentes, que não podem ser atribuídas simultaneamente.
Trump também renovou esforços de longa data, que fracassaram em seu primeiro mandato, para derrubar o governo de Maduro. Em 2020, Maduro e vários aliados próximos foram denunciados em um tribunal federal de Nova York por acusações de terrorismo e conspiração para importar cocaína. No início deste ano, os EUA dobraram a recompensa por informações que levassem à prisão de Maduro, chegando a 50 milhões de dólares (270 milhões de reais). Enquanto isso, Trump perdoou Juan Orlando Hernández, o ex-presidente de extrema direita de Honduras, que havia sido condenado por tráfico de drogas.
Trump recentemente declarou ao site Politico que os dias de Maduro “estão contados”. Perguntado sobre a possibilidade de ordenar uma invasão da Venezuela, Trump respondeu: “eu não diria nem uma coisa, nem outra”, antes de se lançar em uma fala confusa que descambou em insultos contra o QI do ex-presidente Joe Biden, um discurso sobre o próprio Politico, e, em resposta a uma pergunta sobre seus objetivos na Venezuela, o fato de que ele é proprietário do Doral Country Club em Miami, na Flórida.
