A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, nesta terça-feira (16), cinco integrantes do chamado Núcleo 2 da trama golpista liderada por Jair Bolsonaro. O grupo atuou de forma coordenada para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, combinando sabotagem eleitoral, monitoramento ilegal e planos de assassinato contra autoridades.
Foram condenados Filipe Martins, ex-assessor internacional da presidência; Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva do Exército e ex-assessor de Bolsonaro; Mário Fernandes, general da reserva; Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF); e Marília Alencar, delegada da Polícia Federal (PF) e ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça. Fernando de Sousa Oliveira, delegado da PF e ex-diretor de Operações do ministério, foi absolvido por falta de provas.
Filipe Martins, Câmara, Fernandes e Vasques foram condenados por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Marília Alencar recebeu condenação pelos crimes de organização criminosa e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Engrenagem do plano golpista
As provas analisadas pelo STF demonstraram que o Núcleo 2 exerceu papel estratégico na execução da trama golpista. Coube ao grupo a elaboração da chamada “minuta do golpe”, documento que previa medidas de exceção para manter o então presidente no poder, além do monitoramento ilegal de autoridades e da interferência direta no processo eleitoral de 2022.
Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Filipe Martins foi um dos responsáveis pela redação do texto golpista. Mário Fernandes, por sua vez, foi acusado de arquitetar um plano para assassinar o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes. O plano foi localizado em um arquivo de Word intitulado Punhal Verde e Amarelo.
Marcelo Câmara realizou o monitoramento ilegal da rotina de Moraes. Mensagens encontradas no celular de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator no processo, mostram que Câmara informou a Cid que o ministro estava em São Paulo, referindo-se a ele pelo codinome “professora”. Silvinei Vasques comandou a atuação da PRF para dificultar o deslocamento de eleitores do Nordeste no segundo turno das eleições, enquanto Marília Alencar produziu levantamentos de dados que embasaram as blitze policiais.
Ao acompanhar o voto do relator Alexandre de Moraes, o ministro Cristiano Zanin afirmou que o conjunto de provas demonstrou a atuação consciente e dolosa dos réus na trama golpista. Em relação a Fernando Oliveira, Zanin considerou que “não se atingiu o padrão probatório necessário para se impor uma condenação”.
A ministra Cármen Lúcia destacou que os fatos analisados no processo vão além dos ataques de 8 de Janeiro e representam uma ofensiva prolongada contra a democracia. “O que nos compete é verificar o enquadramento desses fatos, que já foram comprovados e são de amplo conhecimento: o que ocorreu, como ocorreu, como foi planejado e executado até se chegar ao 8 de janeiro, com toda a destruição dos prédios e bens públicos, mas, muito antes disso, com a tentativa de destruição dos bens jurídicos, que são os bens democráticos postos como alvo dessa organização criminosa”, afirmou.
Presidente da Primeira Turma, o ministro Flávio Dino classificou o material reunido no processo como um “robusto conjunto probatório que permite a reconstituição de uma página muito singular da vida brasileira”. Ao enfatizar o papel institucional do Judiciário, afirmou que o magistrado deve “esterilize” ao máximo a subjetividade. “Não estamos aqui a tratar de olho por olho, dente por dente”, disse. “Os juízes não lideram processos históricos, e, quando querem fazê-lo, fazem coisas erradas. O que se cuida aqui é de cumprirmos o papel do Judiciário de celebrar a integridade de princípios e valores – nesse caso, os princípios e valores que inspiram o Estado Democrático de Direito.”
Em uma das declarações mais contundentes do julgamento, Dino comentou a conduta do general Mário Fernandes e afirmou que, em um cenário de guerra, ele poderia ser enquadrado como “traidor da pátria”. “Se um general mobiliza armas de subordinados seus contra integrantes de instituições do Estado brasileiro, se ele estivesse em um cenário de guerra, ele estaria em curso no Código Penal Militar como traidor da pátria. É algo chocante, muito impressionante a naturalização da ideia de que armas compradas com dinheiro da nação brasileira posam ser usadas contra brasileiros”, afirmou.
A sessão foi suspensa para a definição das penas dos condenados, etapa que determinará o alcance das punições impostas pelo Supremo.
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