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Professores da PUC-SP acusam faculdade de racializar contratos de docentes negros

by admin

Professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) acusam a faculdade de racializar contratos de docentes negros contratados a partir de 2023 após a aprovação de duas medidas, uma em prol de ações afirmativas na universidade e outra que vai na contramão dessa conquista. Para pressionar contra esse cenário, docentes e alunos organizaram atos unificados nesta semana para lutar pelo antirracismo e pela autonomia universitária. 

Em uma postagem feita nas redes sociais há duas semanas, professores e estudantes denunciaram que docentes negros são menos remunerados do que brancos na PUC-SP. Isso acontece porque, apesar de o Conselho Universitário (Consur) ter aprovado uma medida, de forma unânime, em abril de 2023, que previa a contratação exclusiva de docentes negros para compor pelo menos 37% do total de seu quadro docente – percentual da população negra em São Paulo, segundo o IBGE – o Conselho de Administração (CONSAD), junto à Fundação São Paulo (Fundasp), mantenedora da PUC, logo aprovaram uma deliberação que mudava a forma de remuneração dos professores contratados a partir do segundo semestre daquele ano, mesmo período em que a medida afirmativa seria aplicada. A segunda medida foi aprovada em julho de 2023. 

Devido a isso, os novos professores contratados a partir do segundo semestre de 2023, que seriam preferencialmente negros, poderiam receber menos do que os professores mais antigos na universidade – o que racializaria os novos contratos. Na prática, a Deliberação 3/2023, a qual os movimentos de professores e alunos pedem a revogação, previa que a remuneração dos docentes seria feita com base em horas-aula. 

Na época da aprovação da Deliberação 3/2023, sindicatos de professores se posicionaram contra e denunciaram a situação. O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN) publicou uma nota, em agosto daquele ano, afirmando que reconhacia a “discriminação racial subjacente na nova política de contratação”. “A discrepância entre os contratos do(a)s professore(a)s branco(a)s e negro(a)s, em um momento em que a urgência das práticas antirracistas é indiscutível, é inaceitável. A universidade deve ser um espaço que promova igualdade e justiça social, ao invés de perpetuar desigualdades históricas”, afirmava a organização em nota. 

A Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp) também se manifestou e divulgou um abaixo-assinado pela revogação da Deliberação. “A Fepesp cobra que a Fundasp, responsável pela Instituição, revogue imediatamente a deliberação. Observa-se que, o documento foi aprovado – estranhamente (ou não) – após o Conselho Universitário instituir política de cotas afirmativas, que estabelece a contratação para o corpo docente de 37% de pessoas negras”, declarou a entidade em setembro de 2023. 

O Sindicato dos Professores de São Paulo (SinproSP) também publicou uma nota em setembro, afirmando que a Fundasp deveria “revogar imediatamente a deliberação 03/2023, aprovada pelo CONSAD, que precariza o ensino, ameaça o projeto de Universidade e discrimina os e as docentes nas novas contratações, rebaixando seus salários em relação aos contratos já existentes e que foi adotada, estranhamente (ou não), após o Conselho Universitário instituir a política de cotas afirmativas, que estabelece a contratação para o corpo docente de 37% de pessoas negras”. 

De acordo com um professor ouvido pela Fórum, que preferiu não se identificar, o que aconteceu é que antes um docente precisava dar 18 horas de aula em sala para ter um contrato cheio. Após a deliberação, os novos professores contratados passaram a dar 20 horas de aula, mas mesmo assim o salário foi reduzido em cerca de 40% a 50% em relação aos professores que foram contratados anteriormente. 

“Essa mudança foi no sentido de precarização dos contratos. Então a gente tem uma situação em que você implementa políticas afirmativas e precariza os contratos ao mesmo tempo, fazendo com que esses professores tenham que trabalhar mais para ganhar muito menos em comparação com os colegas docentes que entraram antes”, afirma o professor. 

De acordo com o docente, essa desigualdade racial, a longo prazo, criaria uma situação “muito indesejável” que é justamente a reprodução de uma discrepância salarial entre negros e brancos que existe na sociedade brasileira e seria reproduzido dentro da universidade. “Essa não era a intenção das políticas afirmativas, né?”.

“Então, a universidade tem feito muita propaganda falando de que há uma universidade anti-racista, diversa, inclusiva, mas o que tem acontecido é justamente o contrário”, afirma o docente. 

O professor explica que, apesar de a iniciativa ter sido implementada há dois anos, o caso vem ganhando mais mobilização agora à medida que mais professores negros vão entrando nessa situação. “E também acho que se falava muito no início em termos não muito concretos. Então se falava de precarização do contrato, mas os colegas professores brancos não sabiam o quão precarizado tava sendo a situação dos docentes negros”, conta. 

O docente exemplifica que, apesar de a PUC ter mensalidades com valores superaltos – o curso de Direito, por exemplo, chega à mensalidade de R$ 4.906, segundo valores disponíveis no site da universidade – seu salário corresponde a somente dois alunos, mesmo dando aula a cerca de 200 estudantes. O professor também relata que, conversando com outros docentes negros, a categoria também foi descobrindo que há outras diferenças de contratação que não têm explicação, como o fato de alguns docentes terem vale-refeição e outros não, mesmo tendo sido contratados no mesmo período. 

O docente também acrescenta que os professores negros não conseguiam se mobilizar tanto devido à precarização. “A gente tem tanta aula, tanto trabalho que fica muito difícil se mobilizar, se organizar, porque a gente está sempre muito ocupado com essas demandas que são jogadas, principalmente em cima dos docentes negros. Então, é uma situação muito difícil”, diz. 

No entanto, o professor afirma ter esperança de que a categoria vai conseguir reverter a situação, mesmo que a longo prazo, através de mobilizações entre docentes, professores e outras pessoas envolvidas na luta. 

“A gente espera que essas informações cheguem cada vez a mais pessoas da comunidade. Então, os próprios professores, os funcionários, os alunos, os três setores da universidade, entendam o que está acontecendo para que a gente provoque uma mudança. É uma situação muito insustentável. Como que uma empresa decide pagar menos para os funcionários negros que são contratados?”, questiona o professor. 

Posicionamento da Fundasp

Em resposta à publicação feita por alunos e professores contra a Deliberação 2/2023, o Padre Rodolpho Perazzolo, diretor-executivo da Fundasp, comentou que a acusação não era “verdade”, e que a nova tabela salarial da PUC “era aplicada para todos os docentes contratados após a sua vigência”. “Não há qualquer tipo de discriminação, o que feriria os princípios da puc sp”, disse. Segundo o professor ouvido pela Fórum, o argumento da Fundação é de que o caso é uma “coincidência”. No entanto, ele destaca que, mesmo que não tenha sido a intenção, o fato é que os contratos posteriores a 2023 foram racializados. “O que importa não é a intenção, é o resultado, e o resultado é que foi racializado”, afirma. 

A Fórum entrou em contato com a Fundasp, que afirmou que a denúncia “não procede pois são duas ações totalmente distintas que entram em semestre diferentes”. A entidade acrescenta que a Deliberação 2/2023 foi aprovada devido a uma “preocupação com a manutenção financeira da instituição”. “O que há é a Fundasp preocupada com equilíbrio financeiro, que resolveu seguir a convenção coletiva do Sindicato dos Professores de São Paulo”, afirma a Fundação. 

A Fundasp também diz que tudo foi discutido com o Tribunal Regional do Trabalho e que houve um consenso. A entidade ainda afirma que todos os professores passaram a trabalhar sob a nova regra, brancos ou negros, e que, durante dois anos, não houve nenhuma constestação por parte do sindicato dos professores. 

Por fim, a Fundação diz que mesmo com a abertura de edital para a contratação de professores negros, na falta de docentes com as habilidades exigidas, são contratados professores brancos, que corresponderam a 70% das novas contratações. “A grande maioria acaba sendo de professores brancos, então não tem como se falar da diminuição de professores negros. Não há nenhum tipo de discriminação nem peconceito”, afirma a entidade. 

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