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A trajetória de Mia Nygren no Spotify confunde-se com o próprio amadurecimento do streaming na América Latina. Há 14 anos na companhia, a executiva sueca, com base em Miami, lidera uma das regiões mais importantes para o ecossistema global da plataforma. Nesta entrevista, Nygren detalha a tese de investimento da companhia, o modelo de governança e o lançamento global de um novo formato audiovisual nascido em solo latino, alem de inovações para o mercado nacional.
Em novembro, o Spotify lançou o Spotify Sessions, performances criadas em colaboração entre artista, diretor musical e diretor visual. “O novo formato é uma experiência screen-first (focada em tela). Não se trata de um videoclipe tradicional, mas de uma produção audiovisual de alto impacto.” No terceiro trimestre deste ano, a empresa registrou 700 milhões de usuários mensais ativos e liderança em música, podcasts e audiolivros.
Forbes Brasil – Sua trajetória no Spotify coincide com o lançamento da plataforma na América Latina. Como a estrutura organizacional da região foi desenhada para suportar esse crescimento?
Mia Nygren – Nossa estrutura é intencionalmente distinta do restante do mundo. Operamos sob uma liderança funcional regional, baseada em Miami, que coordena cabeças de Música, Marketing e PR para mercados-chave como Brasil, México, Colômbia e Argentina. Diferente da Europa, onde a fragmentação cultural e linguística é vasta, a América Latina nos oferece a vantagem competitiva de dois idiomas principais e traços macroeconômicos e comportamentais altamente similares. Isso nos permite uma agilidade operacional ímpar: o que validamos na Argentina pela manhã pode ser escalado para o México à tarde. O Brasil, pela sua magnitude, atua como um “continente” à parte, sendo hoje o 9º maior mercado fonográfico do mundo e o motor de tração da região.
FB – Como o Spotify equilibra a monetização entre o modelo de assinaturas e a publicidade e como isso impacta o retorno para os criadores?
Mia Nygren – Somos, fundamentalmente, uma empresa de assinaturas. Aproximadamente 95% da receita que injetamos na economia criativa provém do modelo Premium. O “free tier” (ad-supported) funciona como nossa principal alavanca de aquisição de clientes; cerca de 70% dos nossos assinantes atuais iniciaram sua jornada na versão gratuita. Nossa tese de crescimento é ambiciosa: acreditamos que podemos atingir entre 10% e 15% da população mundial com assinaturas pagas. Hoje, a América Latina representa 23% de todos os assinantes premium globais do Spotify. Sobre o repasse, mantemos acordos robustos com gravadoras e sociedades de direitos autorais, destinando cerca de 70% da receita bruta a esses parceiros. De 2014 a 2024, saltamos de US$ 1 bilhão para US$ 10 bilhões em pagamentos globais, demonstrando a saúde e a escalabilidade deste ecossistema.
FB – Vocês estão lançando um novo produto focado em vídeo, qual a tese estratégica por trás desse movimento e por que começar pela América Latina?
Mia Nygren – A inovação é o nosso core. A América Latina é um celeiro de criatividade por necessidade e engenhosidade. O novo formato, que chamamos internamente de Sessions, é uma experiência screen-first (focada em tela). Não se trata de um videoclipe tradicional, mas de uma produção audiovisual de alto impacto, unindo um artista, um produtor e um diretor visual em total liberdade criativa.
FB – Como a Inteligência Artificial está redefinindo a experiência do usuário e o pilar de personalização da marca?
Mia Nygren – A personalização é um dos nossos três pilares estratégicos, ao lado de Premium e Ubiquidade. Com mais de 713 milhões de usuários ativos, não existe um único Spotify, mas 713 milhões de experiências individuais. A IA é o catalisador dessa entrega. Nossa integração com o ChatGPT e o uso de IA generativa para curadoria e personalização inteligente (como o recurso Wrapped e o DJ) permitem que o Spotify vá além da suposição e entenda a intenção real do usuário. A ubiquidade garante que essa inteligência esteja presente em qualquer hardware ou software, do smartphone aos sistemas de casa inteligente.
FB – Que lição você deixa para líderes que buscam operar em mercados complexos como o brasileiro?
Mia Nygren – O Brasil não é para amadores. Para ter sucesso aqui, é preciso abandonar a mentalidade “gringa” e adotar uma hiperlocalização radical. Contratamos talentos locais, demos autonomia e falamos a língua do mercado, não apenas o idioma, mas os códigos culturais. O orgulho é o maior denominador comum do povo latino. No Spotify, aprendemos que quanto mais respeitamos e potencializamos esse orgulho local, maior é o nosso retorno. O sucesso de artistas como Marília Mendonça, Anitta e Ana Castela no palco global é a prova de que, ao conectarmos o talento local a uma plataforma global eficiente, o crescimento é inevitável.
