Home » O Julgamento Que Virou o Império De US$ 82 Milhões de Chiara Ferragni de Cabeça para Baixo

O Julgamento Que Virou o Império De US$ 82 Milhões de Chiara Ferragni de Cabeça para Baixo

by admin

Daniel Perez/Getty Images

De ‘Kim Kardashian italiana’ a ré por fraude: Chiara Ferragni enfrenta a maior reviravolta da carreira

Acessibilidade







A influenciadora de moda Chiara Ferragni usava um terno conservador de abotoamento duplo sobre uma camisa branca impecável enquanto caminhava pelo corredor iluminado por fluorescentes do Palácio da Justiça, em Milão, para o início de seu julgamento por fraude, em novembro. Não houve sua tradicional piscadela ao atravessar o corredor de paparazzi que acompanham sua carreira há mais de uma década; apenas alguns sorrisos constrangidos enquanto seguia para a sala de audiência. “É um momento difícil na minha vida”, ela disse educadamente. “Obrigada por estarem aqui. Estou seguindo em frente.”

É bem diferente da forma como os 28 milhões de seguidores de Ferragni no Instagram estão acostumados a ver a glamourosa criadora italiana de 38 anos, que integrou a lista Forbes 30 Under 30 em 2015 e foi eleita a principal influenciadora global da Forbes em 2017. Aquilo não era um tapete vermelho do Met Gala ou um desfile da Paris Fashion Week.

No mês que vem, Ferragni retornará ao mesmo tribunal para ouvir o veredicto de seu julgamento criminal por supostamente fraudar consumidores, em 2022, em uma colaboração beneficente para vender bolos de Natal pandoro com a confeitaria Balocco (as acusações também mencionam um caso análogo, menos divulgado, envolvendo um ovo de Páscoa que ela promoveu em 2021 e 2022). Promotores italianos afirmam que Ferragni usou sua plataforma nas redes sociais para divulgar comunicações enganosas, ao sugerir que parte das vendas do pandoro “Pink Christmas” iria apoiar um hospital infantil em Turim especializado em cânceres raros pediátricos.

Foto: Reprodução Instagram/Chiara Ferragni

“Que Comam Pandoro”: Em 2022, Ferragni anunciou uma colaboração com a confeitaria italiana Balocco para vender um pandoro que beneficiaria um hospital infantil — mas o hospital não havia recebido nenhuma doação dela.

Na verdade, a Balocco havia feito uma doação de cerca de US$ 54 mil ao hospital antes do início da promoção, sem relação com as vendas. As duas empresas de Ferragni receberam ao menos US$ 1,1 milhão pela collab, obtendo um “lucro ilícito”, segundo os promotores. Além dos US$ 2,7 milhões que a influencer já teve de pagar, incluindo multas e acordos, a justiça pede uma sentença de 20 meses de prisão. Ferragni afirma ser inocente e optou por um julgamento acelerado, com seus advogados alegando que o caso não tem relevância criminal.

Mas a maior parte do dano do chamado “Pandorogate” já foi feita. Tanto a Chiara Ferragni Brand (legalmente Fenice, palavra italiana para “fênix”), que licencia o nome da influenciadora para fabricantes de moda, quanto a empresa criada para gerir sua carreira, a TBS Crew, estão registrando perdas milionárias após mais de uma década de crescimento meteórico.

Filha de um dentista e de uma executiva da moda, Chiara Ferragni estudava para se tornar advogada na Universidade Bocconi, em Milão, quando lançou seu blog de moda, The Blonde Salad, em 2009, aos 22 anos.

“Depois de anos no Flickr… senti que precisava evoluir e criar um espaço meu”, ela escreveu em seu primeiro post. “O nome é ‘The Blonde Salad’ porque este blog será uma salada de mim mesma.” A carreira decolou rapidamente. Em 2011, The Blonde Salad atraía 800 mil visitantes únicos por mês, e Chiara lançou sua primeira linha de produtos: uma coleção de sapatos que esgotou quase instantaneamente.

A ascensão foi acelerada pelo lançamento de seu Instagram, em janeiro de 2012, quando o aplicativo ainda engatinhava. Em junho do ano seguinte, ela já havia alcançado 1 milhão de seguidores.

Foto: AFP

Julgamento e Erros: “Não a vejo como criminosa”, diz Selvaggia Lucarelli, jornalista que revelou o Pandorogate. “Vejo alguém que administrou muito mal sua influência… que não entendeu o tamanho que estava alcançando.”

Foi então que mergulhou de vez no empreendedorismo, expandindo dos sapatos para uma linha de roupas ao lançar a Chiara Ferragni Brand, uma mistura divertida de cores vibrantes, glitter e — o mais importante — seu logotipo de olho azul em estilo cartoon. A marca rapidamente se expandiu globalmente, entrando em lojas de luxo como Le Bon Marché, em Paris, e La Rinascente, em Milão.

Em 2017, Chira assumiu o controle total das empresas, tornando-se CEO após a saída do cofundador (e ex-namorado) Riccardo Pozzoli, e abriu lojas próprias em Milão e Xangai. Àquela altura, sua marca era vendida em mais de 350 lojas no mundo.

Nos anos seguintes, por meio de acordos de licenciamento, sua coleção se expandiu para um estilo de vida completo, incluindo acessórios, papelaria e, por fim, maquiagem. Em 2022, a receita atingiu US$ 15,3 milhões, quase o dobro dos US$ 8 milhões do ano anterior, e registrou o maior lucro até então (cerca de US$ 3,7 milhões).

Grande parte da fortuna de Ferragni veio de colaborações com marcas de luxo como Dior, Saint Laurent e Lancôme. Segundo uma análise da Forbes de todas as demonstrações financeiras da TBS Crew desde 2017, Chiara, dona de 100% da empresa, gerou ao menos US$ 70 milhões como influenciadora ao longo da carreira, incluindo trabalhos feitos por suas duas irmãs, Francesca e Valentina, o que alimentou comparações com as Kardashians.

A fama atingiu novo patamar em 2018, quando ela se casou com o rapper Fedez em uma celebração de três dias na Sicília, destaque na Vogue. Em 2021, seu reality show The Ferragnez estreou no Prime Video, mostrando sua vida com Fedez, os filhos e as irmãs, reforçando ainda mais as comparações com o clã Kardashian.

Foto: Elena Di Vincenzo/ Getty Images

Isso É Amore: Ferragni com o ex-marido, o rapper italiano Fedez, em 2023. Em seu novo livro, ele a chamou de “uma alucinação coletiva”, acrescentando: “Ela não entende muito de negócios.”

A carreira estava em seu auge quando ela assinou com a Balocco, no fim de 2022, para promover o pandoro beneficente. “A Balocco e eu desenvolvemos um projeto beneficente para apoiar o hospital Regina Margherita”, escreveu Ferragni no Instagram. Cada unidade, vendida a US$ 11 (o dobro de um pandoro comum), trazia uma etiqueta: “Chiara Ferragni e Balocco estão apoiando o hospital Regina Margherita”.

Em dezembro, uma investigação da jornalista italiana Selvaggia Lucarelli abalou a carreira de Ferragni. A manchete dizia: “O Pandoro de Chiara Ferragni é marketing, não caridade”. Lucarelli revelou que o hospital não havia recebido nenhuma parte das vendas após a doação inicial de US$ 54 mil e que Ferragni não havia doado nada pessoalmente. “Sempre senti que [Ferragni] misturava atividades comerciais e beneficentes de modo suspeito”, disse a jornalista à Forbes.

Lucarelli afirma que não conseguiu contato com Ferragni antes da publicação e acredita que a notícia a surpreendeu. “Não a vejo como criminosa”, diz ela. “Vejo alguém que administrou muito mal sua influência… que não entendeu o tamanho que estava alcançando.”

Ferragni sobreviveu ao escândalo inicial e, em junho de 2023, a Fenice foi avaliada em US$ 82 milhões em um acordo que envolveu a venda de parte das ações da Alchimia Investments ao fundo de private equity AVM Gestioni. “Muitos acreditavam que eu não era boa o suficiente ou inteligente o suficiente para construir algo de valor de longo prazo”, escreveu Ferragni no Instagram. “Vou continuar lutando pelas minhas ideias.”

Mas em dezembro, a autoridade antitruste italiana AGCM multou a TBS Crew e a Fenice em US$ 1,2 milhão por “práticas comerciais injustas” ligadas a propaganda enganosa. Em um e-mail interno citado na decisão, um funcionário da Balocco ironizou: “Queria dizer [à equipe de Ferragni] que as vendas são necessárias para cobrir o cachê exorbitante dela.”

Em um vídeo de desculpas publicado dias depois, Ferragni chamou a situação de “uma falha de comunicação”, acrescentando: “Ensinamos nossos filhos que as pessoas cometem erros e, quando isso acontece, é preciso admitir.” Ela anunciou uma doação pessoal de US$ 1,1 milhão ao hospital Regina Margherita, mas classificou a decisão da AGCM como “desproporcional e injusta”. Também prometeu doar o valor da multa ao hospital caso conseguisse reverter a decisão, o que não ocorreu.

Depois disso, contratos de marcas passaram a minguar. A Coca-Cola cancelou uma campanha de TV estrelada por ela, e Ferragni deixou o conselho da marca italiana Tod’s, de Diego Della Valle, embora o grupo afirme que o mandato dela já ia terminar. (A Coca-Cola não respondeu ao pedido de comentário.)

Em fevereiro de 2024, seu casamento com Fedez, peça central de sua máquina de conteúdo, implodiu publicamente. “Descobri que aquilo que vivi [com Fedez] era completa ficção”, escreveu ela em uma longa declaração no Instagram, relatando traições desde 2017, reveladas enquanto ela cuidava dele durante seu tratamento contra o câncer e que ele teria ligado para a amante antes de ir ao altar no dia do casamento. Fedez admitiu o caso, mas nega a ligação.

No fim daquele ano, Ferragni deixou o cargo de CEO da Fenice e foi substituída por Claudio Roberto Calabi. Seu braço direito, Fabio Maria Damato, também acusado no Pandorogate e que não fez comentários, abandonou seus cargos na Fenice e na TBS Crew. Mas nada disso estancou o sangramento. A loja principal de Ferragni em Milão fechou, e a receita da Fenice despencou 94%, para US$ 1,1 milhão em 2024, registrando prejuízo de US$ 3,5 milhões, segundo demonstração financeira. A TBS Crew sofreu impacto semelhante: a receita caiu de US$ 19,3 milhões em 2023 para US$ 1 milhão, uma queda de 95% que gerou prejuízo de US$ 2,4 milhões. Ambas as empresas demitiram funcionários.

A crise com Fedez também continuou. Em seu livro publicado em outubro, o rapper de 36 anos afirma não saber do papel de Chiara no Pandorogate. “Descobri o que aconteceu junto com o resto do mundo”, escreveu ele em L’acqua è più profonda di come sembra da sopra (“A água é mais profunda do que parece vista de cima”), descrevendo Ferragni chorando no dia da decisão: “Eu teria dito claramente: ‘Você realmente estragou tudo.’” Ele ainda a chamou de “uma alucinação coletiva”, acrescentando: “Ela não entende muito de negócios.”

Mesmo que seja condenada no início do ano que vem, Ferragni dificilmente cumprirá pena, segundo o advogado penalista Gianluca Tognozzi, de Roma. “Na Itália, se você é réu primário e é condenado, a pena é suspensa se for de dois anos ou menos”, explica.

Um membro da equipe de Chiara disse à Forbes que, se for considerada culpada, ela pretende recorrer e continuar administrando seus negócios como fez durante toda a crise. Por ora, isso significa contratos vindos de mercados menos explorados. Recentemente, ela fechou parcerias com uma pequena marca mexicana de acessórios e uma empresa espanhola de cuidados capilares. A equipe também afirma que a Fenice está em recuperação e que o balanço de 2025, ainda não publicado, mostra sinais positivos.

Se há um lado positivo para Ferragni, é que conseguiu recomprar quase todo o controle de sua empresa com grande desconto. Em abril, ela investiu US$ 7,3 milhões na Fenice, aumentando sua participação de 32,5% para 99% em uma operação de resgate que evitou a falência forçada pela lei italiana.

“Não se trata apenas de ações ou porcentagens”, escreveu Ferragni em abril no Instagram, anunciando sua nova participação majoritária. “É a escolha de retomar o controle da minha história: nada de delegar, nada de fingir que tudo está bem quando não está.”

“Não estou aqui para contar um conto de fadas, contos de fadas não existem”, ela continuou. “Mas sei que estou tentando construir algo novo.”



Créditos

You may also like