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Recuperação Judicial e Crédito para o Agronegócio

by admin

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Em 2025 foram realizadas 628 solicitações de proteção judicial contra credores

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O agronegócio brasileiro, pilar da estabilidade econômica do país, chega em 2025 a uma encruzilhada que redefine a relação entre produção, crédito e Direito. Novos dados da Serasa Experian revelam que os pedidos de Recuperação Judicial (RJ) no setor saltaram 147% no terceiro trimestre deste ano, em comparação ao mesmo período de 2024.

Foram 628 solicitações de proteção judicial contra credores, o volume mais expressivo desde 2021. Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais concentram quase 60% desses registros, mas a situação se repete em outros estados.

O que assistimos não é uma oscilação sazonal, segundo Carlos Cogo não é um colapso, é um reposicionamento natural do mercado. Cogo afirma que os dados indicam que o agronegócio está passando por um ajuste de ciclo.

Depois de anos de expansão puxada por crédito, os agentes agora operam em um cenário de juros estruturalmente mais altos, rentabilidade mais baixa em culturas-chave, seleção mais rigorosa no crédito e maior uso de instrumentos jurídicos formais.

A “tempestade perfeita” combina excesso de alavancagem com a erosão das margens de lucro. Nos últimos anos, muitos produtores valeram-se de crédito farto para expansões territoriais e renovação de maquinário, fundamentados em cotações de commodities que hoje parecem distantes.

Com a queda nos preços, somada à volatilidade climática e a uma Selic persistente na casa dos dois dígitos, o fluxo de caixa tornou-se insuficiente para honrar passivos.

Entretanto, quem está inserido na cadeia do Agro observa que existem muitos produtores produzindo, extremamente apertados com as margens, mas cumprindo seus compromissos. O dado mais revelador reside no perfil da inadimplência: ela não é generalizada.

Os maiores índices de atraso estão entre arrendatários (10,5%) e grandes produtores (9,2%), enquanto pequenos e médios mantêm taxas abaixo da média. Isso indica que a crise atinge justamente aqueles que mais dependem de capital de terceiros para sustentar suas operações.

Nesse contexto, a Recuperação Judicial, outrora um mecanismo de exceção, foi transmutada em estratégia de planejamento financeiro. Estimulados por consultorias que oferecem a RJ como um “produto de prateleira”, muitos ingressam na justiça não como último recurso de sobrevivência, mas como escudo para impor deságios e alongamentos excessivos.

Essa postura gera uma externalidade negativa devastadora para o mercado de capitais, especialmente para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros). Estes fundos, que se tornaram fontes vitais de liquidez, operam sob a lógica da previsibilidade. Quando uma decisão judicial suspende o pagamento de uma Cédula de Produto Rural (CPR) ou desconsidera garantias reais, o sinal de alerta é disparado.

O resultado é a fuga de investidores, a retração na oferta de crédito e o encarecimento das taxas para o produtor adimplente, que acaba pagando a conta da insegurança jurídica.

Segundo Manoel Pereira de Queiroz, Mapa Capital, no medio a longo prazo a RJ via de regra é prejudicial principalmente para o recuperando. Em situações de stress, credores em geral são abertos para negociar, A negociação tem que ser feita com ordem e método, baseada em análises financeiras críveis.

A raiz do problema muitas vezes reside na lacuna de governança. O agronegócio brasileiro é campeão mundial em produtividade “dentro da porteira”, mas ainda falha na gestão “fora da porteira”.

Muitos produtores operam com estruturas contábeis frágeis e ausência de mecanismos de hedge, tratando a gestão financeira com amadorismo.

A profissionalização tornou-se, uma questão de sobrevivência. O mercado de crédito moderno não tolera mais a falta de transparência; ele exige balanços auditados e previsibilidade. A judicialização desenfreada corrói o ativo mais valioso do produtor: sua credibilidade. A deterioração das relações com instituições financeiras e fornecedores de insumos cria um isolamento comercial que pode levar anos para ser revertido.

O debate sobre a segurança jurídica é urgente. O abuso da RJ para blindar patrimônio e suspender garantias fiduciárias cria um precedente perigoso. Se o Poder Judiciário falha em proteger o direito do credor, o sistema de financiamento privado entra em colapso assistido. O crédito, que deveria ser o motor do crescimento, torna-se uma barreira burocrática e cara.

É preciso resgatar o propósito original da Lei 11.101/2005: preservar empresas viáveis que atravessam dificuldades momentâneas, e não premiar o inadimplemento estratégico e oportunista.

O momento exige um pacto de responsabilidade. Credores devem ser abertos à negociação extrajudicial baseada em planos de recuperação críveis e transparentes. Produtores, por sua vez, precisam encarar a reestruturação financeira com método e ordem, antes que a situação exija a intervenção dos tribunais.

Somente através da governança e do respeito aos contratos o agro brasileiro conseguirá superar este ciclo de estresse financeiro. Caso contrário, o custo da desconfiança será um fardo muito mais pesado do que qualquer quebra de safra. O futuro do maior celeiro do mundo depende menos do preço da saca, e muito mais da integridade de suas relações financeiras.



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