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Enquanto COP30 deixa a desejar nas propostas, eventos extremos alertam para urgência de mitigação e adaptação à crise climática

by admin

No dia 7 de novembro de 2025, um tornado destruiu quase por completo a cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no sul do Paraná, deixando sete mortos. Naquele dia, líderes globais se encontravam em Belém, no Pará, na Cúpula do Clima – ou Cúpula dos Líderes – em reuniões que antecederam a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). Esses dois eventos ilustram o cenário climático de 2025.

Enquanto a principal conferência global sobre o clima terminou com algumas conquistas e muitas frustrações, os eventos extremos no Brasil e no mundo não deixam dúvidas de que já vivemos a crise climática.

O clima muda, é verdade. No entanto, os fenômenos que vivenciamos agora, intensos e com pequenos intervalos de tempo, alertam para a gravidade do momento. “Dado que a gente tem uma variabilidade natural do clima, que acontece em intervalos longos, quando você tem uma probabilidade de incidência de fenômenos meteorológicos de extrema intensidade num curto espaço de tempo, isso é o que a gente chama evento climático extremo”, explica o professor Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), vinculado à Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Para ele e outros especialistas que, há anos, estudam as variações climáticas, não há dúvidas de que o problema se acentua a cada ano. “Desde o Acordo de Paris, em 2015, esses eventos estão ficando cada vez mais extremos em função das altas temperaturas, em função do aquecimento [global]”, diz Barbosa.

Mais de 400 pessoas precisaram de atendimento do Corpo de Bombeiros e dos serviços de saúde em Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, após o tornado – Divulgação/Corpo de Bombeiros

Na Cúpula do Clima, quem já vivencia essas variações deixou um apelo, como os presidentes e ministros dos países-ilha. “O aumento do nível do mar, a erosão costeira, inundações, destruição da infraestrutura primária e insegurança alimentar são reais, afetam seriamente a nossa população e minam o desenvolvimento sustentável e o futuro das gerações atuais”, declarou Ilza Maria dos Santos Amado Vaz, ministra dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidade de São Tomé e Príncipe, na África Central. “O que para alguns é teoria científica, para nós é vida real”, disse.

Algumas dessas regiões correm risco de desaparecer ou perder parte dos seus territórios devido ao aumento do nível do mar. Mas não é preciso ir longe para sentir os efeitos da crise climática. No Brasil, no período de um ano, lidamos com várias consequências da mudança do clima.

O tornado que atingiu o Paraná é só mais um dos eventos climáticos extremos por aqui. Antes disso, no mês de julho, 40 dos 62 municípios do estado do Amazonas decretaram emergência por causa das cheias que atingiram a maior parte do estado.

No início do ano, tempestades entre janeiro e março alagaram ruas e uma estação de metrô em São Paulo (SP). Com os fortes ventos, o sistema de fornecimento de energia elétrica foi prejudicado e milhares de pessoas ficaram sem luz. No fim do ano, um vendaval voltou a deixar os moradores da Grande São Paulo no escuro.

Cada vez mais frequentes, esses eventos não deixam dúvidas de que precisamos agir rápido para limitar o aquecimento global. No entanto, o estrago que já foi feito é irreversível: o mundo já está mais quente, como alerta Barbosa.

Municípios no Amazonas enfrentam ciclos de enchentes – Antonio Lima/SECOM-AM

“A gente já ultrapassou 1,5ºC de anomalia de temperatura média global desde a era pré-industrial, e isso mostra como a gente está adicionando mais calor na atmosfera. E daí vêm os eventos extremos”, afirma o pesquisador.

Para conviver com a crise climática, é importante que governos e sociedade desenvolvam ações de adaptação para lidar com um cotidiano climaticamente instável. Por isso, na COP, os debates giraram em torno das metas de adaptação climática e também da mitigação, para que, num futuro próximo, as consequências não sejam ainda mais devastadoras.

Reconhecendo a derrota

Naquele 7 de novembro, segundo dia da Cúpula do Clima e véspera da COP30, o presidente Lula reconheceu o fracasso global de frear o aquecimento do planeta ao afirmar que “o mundo ainda está distante de atingir o objetivo do Acordo de Paris”.

Em vigor desde novembro de 2016, o Acordo de Paris é um tratado internacional adotado por 195 Partes na 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), em Paris, França, em 2015. O pacto se baseia no entendimento de que cada país fará o possível para evitar o aumento das temperaturas em mais de 1,5ºC.

Mesmo diante do recado desalentador, a COP em Belém encerrou sem os resultados desejados. Os governos não chegaram, por exemplo, a um consenso com relação às estratégias para abandonar o uso de combustíveis fósseis.

“Atualmente, cerca de 80% das emissões globais vêm da queima de combustíveis fósseis. Então, a gente precisa urgentemente avançar nessa transição [energética]”, alerta Anna Cárcamo, especialista em Política Climática do Greenpeace Brasil.

Poucos dias antes do fim da conferência, Lula se mostrou entusiasmado com a possibilidade de desenvolver um documento com a metodologia a ser seguida pelos países que querem fazer uma transição gradual dos combustíveis fósseis para fontes de energia mais limpas e renováveis – o chamado mapa do caminho.

Mas no fim da conferência, quando os representantes dos países se reúnem para bater o martelo sobre assuntos importantes, a proposta virou fumaça. Países com economia baseada em petróleo, como a Arábia Saudita, travaram a proposta e o mapa do caminho ficou de fora do texto final da conferência.

A COP30 terminou sem as estratégias para o fim da dependência dos combustíveis fósseis e deixando a desejar nas propostas para a adaptação aos efeitos da crise climática, como as enchentes, as secas extremas e os vendavais.

No início da conferência, um grupo de especialistas apresentou uma lista de 100 indicadores da Meta Global de Adaptação (GGA). Ao fim do evento, as partes aprovaram apenas 59 desses indicadores globais voluntários para medir o progresso dos países no tema.

“E muitos deles ainda não são mensuráveis. Vai ser feito, ao longo de dois anos, um alinhamento de metodologias e de políticas para a gente de fato conseguir acompanhar ainda esse avanço global em adaptação”, informa Cárcamo. Esses indicadores envolvem setores como alimentação, saúde, ecossistemas, infraestrutura e meios de subsistência.

Na avaliação de Bárbara Loureiro, da coordenação nacional no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a conferência terminou com um documento final “frágil, sem compromissos vinculantes e incapaz de enfrentar os temas centrais, como, por exemplo, o tema dos combustíveis fósseis”.

“Então, é importante dizer que, mesmo após dez anos do Acordo de Paris, essa COP também se colocava nesse momento de celebração, mas a gente questionou: celebrar o quê? Porque o mundo segue uma trajetória de aquecimento de quase três graus, enquanto as metas necessárias para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC continuam bloqueadas”, alerta Loureiro.

As boas notícias

Os avanços ficaram aquém do esperado, mas apareceram no documento final da COP30. Um deles é o mecanismo para apoiar os países na implementação das transições justas. “Isso talvez tenha sido o maior destaque positivo”, avalia Cárcamo.

O texto final da conferência não informa quais serão os moldes desse mecanismo, mas cria um mandato para que eles sejam definidos. Com isso, países em desenvolvimento terão apoio financeiro, técnico e capacitação para implementar seus processos de transição para modelos de economia com menos emissão de gás carbônico. Um avanço tímido, mas importante.

Se na Zona Azul as propostas deixaram a desejar, fora dali os movimentos populares e povos do campo, da floresta e das águas se uniram para lembrar que têm, em suas práticas e saberes, o caminho para um mundo mais saudável.

A primeira COP realizada na Amazônia foi um exemplo de participação popular. Na Zona Azul, área onde são realizadas as negociações oficiais, 400 indígenas do Brasil e 500 do restante do mundo estavam credenciados para participar dos debates.

Andando paralelamente às negociações entre autoridades da COP30, as manifestações sociais roubaram a cena e pintaram as ruas de Belém com as cores da floresta
Andando paralelamente às negociações entre autoridades da COP30, as manifestações sociais roubaram a cena e pintaram as ruas de Belém com as cores da floresta | Crédito: Clarissa Londero

Somando a participação nos outros espaços, como a Zona Verde, área aberta à participação popular na COP, a Cúpula dos Povos e Aldeia COP, os indígenas em Belém durante a conferências eram mais de 3 mil.

“Para gente foi muito importante o que nós levamos enquanto movimento indígena da bacia amazônica e da Amazônia brasileira, que foi a questão de os países olharem a demarcação e a titulação dos territórios indígenas como uma política de clima”, celebra Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Durante a conferência, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, assinou a homologação de quatro terras indígenas e anunciou a demarcação de outros dez territórios. No anúncio de regulação fundiária, está incluída a titulação de uma área total de 4 milhões de hectares de territórios quilombolas.

Cúpula dos Povos teve debates sobre temas de interesse social, como o uso excessivo de agrotóxicos – Carolina Bataier/Brasil de Fato

São reivindicações antigas desses povos e que, na conferência, ganharam urgência. Outros povos tradicionais, como os geraizeiros, ilhéus e quebradeiras de coco babaçu tiveram na COP poucas conquistas relacionadas à preservação dos seus territórios. No entanto, aproveitaram aquele espaço para cobrar protagonismo nos debates sobre o clima.

“A gente não vai sair com nada aqui que vai resolver nossas vidas”, declarou Samuel Caetano, geraizeiro e presidente do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), em entrevista ao Brasil de Fato durante a conferência. “Mas o fato do encontro, de compreender os processos que estão sendo debatidos, que a COP é um grande balcão de negócios e o que está sendo negociado são os nossos territórios, acho que esse é o maior ganho”, resumiu.

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