Divulgação/Zavia Bio
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Na biotecnologia agrícola, a maioria das histórias começa em um laboratório universitário. A da argentina Paz Álvarez e da Zavia Bio passa por uma fazenda na região de Mendoza, na Argentina, segue para Buenos Aires e, hoje, está num laboratório em Montevidéu, no Uruguai, com ensaios em quatro países e reuniões com investidores de biotecnologia deeptech.
“Nunca sonhei em ser empreendedora”, admite.
Seu ponto de partida não foi a ciência nem o empreendedorismo, mas o campo. Cresceu em uma zona rural de Mendoza, em uma família de produtores, em uma província onde a água sempre foi um limite duro.
“Minha avó teve que deixar a atividade agrícola por causa dos diversos desafios climáticos e também por falta de ferramentas de tecnologia econômicas, e isso me marcou muitíssimo na minha infância”, conta.
Essa cena, uma exploração familiar que se apaga por falta de tecnologia e capital, hoje é a origem emocional da Zavia.
Da função pública à ciência aplicada
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Paz Álvarez, fundadora da Zavia Bio
Álvarez estudou negócios e relações internacionais, especializou-se em tecnologias exponenciais e trabalhou quatro anos no Ministério da Agroindústria, na Argentina, onde coordenou agricultura e desenvolvimento territorial.
“Foi como fazer um doutorado na vida real”, resume sobre essa etapa. Aprendeu como se pensam as políticas para o agro, seus tempos e seus limites.
A conclusão, com o tempo, para ela foi mais do evidente. “Se realmente quiser transformar a agricultura, vou fazer usando a meu favor o motor do mercado e quero poder liderar minha própria empresa e usar a tecnologia e a ciência ao serviço dos produtores agropecuários para criar soluções concretas, reais, mensuráveis que possam chegar ao campo”, conta sobre os inícios de seu caminho como empreendedora.
O salto não foi imediato. No princípio, imaginava projetos mais próximos de sensores, IoT e dados. O giro em direção à biotecnologia veio pelas mãos de um mentor argentino vinculado a fundos de investimento em biotech.
“Ele me disse: ‘Se realmente quiser transformar a agricultura, tem que pensar em ciência’. E eu até esse momento não tinha tido nenhum contato com a ciência”, recorda.
O descobrimento seguinte foi identitário: “Foi um grande processo interno me dar conta de que eu, sem ser cientista, podia liderar e criar uma empresa de ciências”.
A origem da Zavia Bio e o desenho de proteínas
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Experimentos de biológicos da Zavia Bio
Em 2021, em um programa para empreendedores, conheceu Enrique Detarsio, hoje diretor científico da Zavia Bio, com uma longa carreira em biotecnologia. Ela trazia a bagagem de negócios e agro; ele, a profundidade científica. Um ano depois, em 2022, a ideia se materializou na empresa.
“Zavia é uma startup de agrobiotecnologia. Estamos desenvolvendo insumos biológicos para o agro, o que comumente se conhece como agroquímicos, mas o que desenvolvemos são alternativas ou complementos aos agroquímicos, de base biológica, ou por isso, livres de químicos”, explica.
O coração tecnológico está no desenho de proteínas. “O núcleo da tecnologia se baseia no desenho de proteínas que podemos criar para gerar respostas nas plantas. Quando se pulverizam estas proteínas sobre as plantas, podemos gerar reações que melhoram ou tornam mais eficiente a produção agrícola sem ter que modificar geneticamente as plantas”.
O primeiro foco foi muito concreto: seca. “Começamos com a motivação de poder fazer adaptação da agricultura ao contexto de seca e crise hídrica”, diz.
Sua história pessoal em Mendoza estava ali, ao fundo. “Quando conheci o Enrique, começamos a pensar juntos como poderíamos fazer para aumentar a adaptação dos cultivos à falta de água. Então desenvolvemos um primeiro produto que está fixo nisso”.
No processo, entenderam que a plataforma de desenho de proteínas podia ir muito mais longe.
“Percebemos que o desenho de proteínas tinha um potencial muito maior e começamos a desenvolver toda uma plataforma tecnológica. Essa primeira missão se tornou muito maior com o tempo”, explica.
Hoje, essa plataforma lhes permite construir uma família de insumos biológicos para distintos problemas do agro, incluindo um herbicida biológico para ervas daninhas resistentes aos herbicidas tradicionais.
Argentina, Uruguai, Estados Unidos e Brasil: uma deeptech da América Latina com mentalidade global
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Paz Álvarez (ao centro) em laboratório em Montevidéu, no Uruguai
Zavia não foi pensada nunca como uma companhia local. “Sabemos que os desafios que queremos solucionar não estão presentes somente na agricultura argentina, mas são desafios que enfrentam os produtores agrícolas de todo o planeta e afortunadamente temos as ferramentas para escalar rapidamente”, sustenta.
Essa lógica se traduziu em uma internacionalização precoce. Começaram com laboratório em Mendoza, mas, por não virem da academia, não tinham a “ponte” dos laboratórios universitários que costumam usar muitas biotechs. Conseguir infraestrutura própria foi complexo. Há um ano, decidiram mover o I+D para Montevidéu.
“Hoje temos nosso laboratório operacional na cidade de Montevidéu e a partir dali fazemos pesquisa e desenvolvimento, mas mantemos operações também na Argentina, sobretudo ensaios de campo e validação”, diz. Além disso, já possuem atividades nos Estados Unidos e Uruguai, com ensaios sendo lançados no Brasil.
A América Latina não é apenas território de prova, também é vantagem competitiva. “A região nesse sentido tem uma vantagem competitiva enorme pelo tema de custos. Desenvolver pesquisa e desenvolvimento científico na América Latina nos ajuda a economizar muitos custos em comparação com startups que o fazem na América do Norte ou na Europa”, explica.
O grupo, por agora, se mantém deliberadamente pequeno. “Hoje somos apenas quatro pessoas. Temos um pouco a filosofia de tratar de manter-nos com uma equipe leve e ágil”, conta.
Em 2026, planejam somar especialistas, mas sem perder essa lógica lean: foco em estar na vanguarda do desenho de novas proteínas e, em paralelo, escalar produtos para novos cultivos e mercados.
De Mendoza ao laboratório global: talento local e consultores globais
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Paz Álvarez acompanhando experimentos a campo
O núcleo humano da Zavia é talento argentino e uruguaio, formado em universidades da região.
“Sem dúvida o talento na Argentina é muito bom. Temos uma muito boa formação acadêmica, as universidades argentinas formam muito bons profissionais, sobretudo em ciência e tecnologia, e isso nós usamos a favor”, afirma.
Mas o círculo não termina ali. “Estamos trabalhando com uma rede de consultores internacionais, sobretudo dos Estados Unidos e Canadá. É bom ter visões diferentes, porque embora os desafios da agricultura sejam os mesmos, o mercado se comporta às vezes de maneira diferente”, explica.
Essa combinação de ciência e talento local com olhar global está no DNA da empresa.
Capital para deeptech: levantar dinheiro sem perder o norte
Construir uma startup de biotecnologia não se parece com lançar um aplicativo. “No mundo das tecnologias profundas é particularmente difícil visto que, à diferença de outras indústrias como a de software, onde você pode ter um produto mínimo viável que fez na sua casa, em biotecnologia você necessita de capital desde o princípio para poder desenvolver uma prova de conceito”, assinala.
O primeiro empurrão chegou da Grix, uma company builder que investiu US$ 200 mil (R$ 1,08 milhões segundo a cotação atual) em 2022.
“Foi uma injeção de capital super importante, fundamental para poder começar”, reconhece.
Logo chegaram os investidores anjos, com um valor que transcende o cheque. “Foram muito fundamentais, não somente pelo capital, mas porque nos abriram muitas portas em contatos com outros empresários, com agricultores e conexões internacionais”.
Entre eles está Mauro Piba, CEO da Nova, uma companhia que desenvolve insumos biológicos para o agro e já percorreu o caminho do laboratório ao mercado. Seu apoio lhes deu acesso a experiência e rede em uma indústria onde o ciclo de desenvolvimento é longo.
Álvarez apresenta uma visão crítica sobre a romantização do fundraising.
“Tenho uma opinião impopular: às vezes é fácil cair na tentação do título legal de ‘levantou milhões’ e a motivação te confunde”, adverte.
Sua preocupação vai por outro lado: “O mais importante é perguntar-se se é o momento correto para levantar capital e quanto capital você quer levantar, que seja o que realmente necessita, porque também isso implica diluição”.
E adiciona um ponto pouco dito: “Muitas vezes falamos dos motivos que levantam os empreendedores e não se fala da diluição da equipe empreendedora, que também é uma razão de motivação importante no longo prazo”.
Para ela, fazer fundraising exige ser frio, estratégico e muito cuidadoso com o tempo que rouba do CEO da operação: “É um processo muito desgastante, toma muito tempo, é um trabalho em tempo integral que lhe retira horas ou meses de trabalho ao seu produto e aos seus clientes”.
Empreender como modo de vida (e não se queimar no intento)
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Experimentos da Zavia Bio
Para o público empreendedor, a pergunta inevitável é se o papel de fundador é realmente um 24 horas por dia, 7 dias por semana. Álvarez não duvida:
“Definitivamente é um modo de vida”. Mas marca um matiz fundamental: “Não pesa quando realmente se tem a vocação, e vai além da vocação de empreender: é a vocação por solucionar o problema que você está solucionando”.
Em seu caso, “o problema” é o sistema agroalimentar. “Para mim, empreender não era um fim em si mesmo. O fim é gerar soluções para o sistema agroalimentar e isso é o que realmente me motiva todas as manhãs a despertar muito cedo, a sacrificar muitas coisas da minha vida pessoal”, admite.
A lista inclui tempo longe de sua família, amigos e namorado. “Todos esses sacrifícios ganham sentido quando me dou conta de que posso ser protagonista na transformação do sistema agroalimentar e impactar a vida de agricultores de todo o mundo”.
Também teve que aprender a carregar responsabilidades grandes sendo muito jovem.
“Pessoalmente aconteceu comigo que, sendo muito jovem, ocupei lugares de tomada de decisão muito importantes”, diz sobre seus passos pelo setor público, privado e ONGs. Essa experiência a treinou para seu papel atual.
O outro componente é interno: “Confiar no seu próprio critério e no seu próprio instinto é fundamental. Trabalhar muito a autoestima e a confiança em si mesmo é fundamental quando você é empreendedor”.
A saúde mental é um tema recorrente entre fundadores. “É um tema que se discute muito entre pares. Tratamos de dar-nos muito apoio entre nós”, conta. E soma a variável cultural: em ecossistemas como o argentino, onde a proximidade é parte do DNA, essa rede de apoio é mais visível.
O esporte é o seu escape. “Pratiquei montanhismo toda a minha vida”, diz. Desde que se mudou para o Uruguai, somou mar e adrenalina: “Incursionei no mundo do surfe, da navegação, da natação… e este ano comecei a fazer paraquedismo, como se não faltasse ação na vida da Zavia”, brinca.
Deeptech, ficção científica e o futuro que se aproxima
Zavia Bio opera na intersecção de biotecnologia e inteligência artificial, um cruzamento que, segundo Álvarez, está transformando silenciosamente o mundo.
“Muitas das grandes transformações que a inteligência artificial e a biotecnologia estão gerando vão impactar na saúde, nos materiais, nos alimentos, na agricultura e realmente vão ser parte do dia a dia de todas as pessoas”, antecipa.
Seu entusiasmo dispara quando soma uma terceira base: “Algo que me tem particularmente muito entusiasmada é quando a essa equação de biotecnologia e inteligência artificial se soma a computação quântica”.
Há pouco esteve no Canadá com startups do setor e saiu com a convicção de que o próximo grande salto não será questão de séculos nem décadas: as mudanças se aceleram. “Não será uma revolução tecnológica, será uma revolução como civilização diretamente”, diz.
Essa revolução, adverte, traz tanto oportunidades como dilemas éticos. “Quanto mais você sabe dessas coisas, gera um pouco mais de incerteza”, reconhece.
Mas sua resposta não é retrair-se, mas envolver-se: “A tecnologia não é boa ou má, mas o que façamos com ela. Não se deve esperar, não se deve ser espectador: temos que ser protagonistas”. Em seu caso, a decisão é usar IA e biotecnologia para melhorar o sistema agroalimentar, não para amplificar danos.
O jogo que a Zavia Bio quer jogar
Quando se pergunta que lugar quer ocupar nesse futuro, a resposta é direta: “Com a Zavia estamos trabalhando para poder ser parte dos líderes da indústria em nível global que gerem as soluções para o setor agroalimentar que hoje outras tecnologias não podem oferecer. Isso nós vemos no curto e médio prazo, não é algo que vejamos muito distante”.
No pessoal, o desafio é acompanhar o crescimento da empresa com sua própria evolução como líder. “Os primeiros dois ou três anos da empresa requerem uma versão de Paz que não é a mesma versão que vão requerer nos próximos cinco anos”, admite.
E ali aparece outro tipo de inovação: “Estar aberta e ser flexível a essa evolução pessoal e profissional é um desafio grande, mas entusiasma-me muitíssimo. Não apenas inovar para fora, mas também inovar a si mesma”.
Zavia Bio trabalha para empurrar os limites do possível no agro com proteínas desenhadas em laboratório. Paz Álvarez faz o mesmo com o seu próprio papel: ajustar, mutar e escalar sua liderança ao ritmo de uma deeptech latino-americana que quer jogar na primeira liga global.
