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Tarcísio deixa legado de alta nos homicídios e estupros em 2025; policiais mataram 649 pessoas

by admin

Em um ano marcado por casos recorrentes de violência de gênero, operações na Favela do Moinho, no centro da capital paulista, que deixaram, até o momento, centenas de famílias sem ter para onde ir e pela dispersão do fluxo da chamada Cracolândia, com relatos de truculência policial, as polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo mataram 649 pessoas até o final de outubro de 2025. 

As corporações eram coordenadas pelo ex-secretário Guilherme Derrite (PP-SP) e pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O número de pessoas mortas em decorrência da atividade policial nos últimos 10 meses é maior do que em todo o ano de 2023, primeiro da gestão de Tarcísio, quando ocorreram 510 óbitos. Com relação a 2024, a queda foi pouco expressiva, apenas 3,8% para o mesmo período. 

Para o ouvidor das polícias de São Paulo, Mauro Caseri, o número de mortos é substancial, já que, comparado ao ano passado, não houve operações de alta letalidade, como a Escudo e a Verão, que deixaram dezenas de mortos na Baixada Santista. “No ano todo de 2024, tivemos 813 casos de morte decorrente de intervenção policial. O que preocupa é que em 2025 não houve essas operações e o número já está muito próximo do de 2024. Não houve uma diminuição significativa como se esperava”, afirma.

Os crimes contra as mulheres também chamaram a atenção pelo aumento nos índices de estupro, somados os casos de estupro e estupro de vulnerável. O estado acumulou 12.198 registros até outubro de 2025. O número revela-se expressivo ao ser comparado com todo o ano de 2023, que somou 12.079 casos. Já no ano todo de 2024, foram registrados 12.319 casos.

A gestão do governador, aliado de Jair Bolsonaro, também foi marcada pelo aumento de 38,38% nos homicídios culposos e de 13,19% nos registros de lesão corporal culposa. Houve, ainda, alta em outros crimes violentos, como lesão corporal dolosa, lesão corporal dolosa seguida de morte e tentativa de homicídio. Os dados são do Portal da Transparência, divulgados pela Secretaria da Segurança Pública paulista (SSP-SP).

A conclusão dos índices criminais demonstra, na visão de Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), que “não valeu a pena investir e colocar as fichas num candidato que, nas eleições de 2022, defendeu que a polícia não tinha que ter controle.”

A Coalizão Negra por Direitos avalia que o projeto de segurança pública do governo Tarcísio de Freitas aprofunda um modelo violento, ineficaz e incompatível com a Constituição e os direitos humanos. “Trata-se de uma política baseada na militarização e no uso excessivo da força, que produz aumento da letalidade policial, amplia o encarceramento em massa e transforma territórios negros e periféricos em zonas permanentes de exceção, sem investir em prevenção, políticas sociais ou redução das desigualdades”, disse Beatriz Lourenço, diretora de Áreas e Estratégias do Instituto de Referência Negra Peregum e integrante da Coalizão Negra por Direitos.

O aumento dos homicídios expressa o que caracterizam como “fracasso de um modelo de segurança baseado na repressão”, que, segundo Lourenço, “ignora as causas estruturais da violência e aprofunda a vulnerabilidade da população negra e periférica.”

Instalação de novas câmeras corporais avança pouco

Para Nunes, o número substancial na letalidade policial se relaciona com o desmonte da política de câmeras corporais promovido pelo governador. Diante disso, o especialista não se surpreende com a volta dos níveis de mortes violentas cometidas por policiais aos patamares anteriores ao início do projeto Olho Vivo (programa lançado em 2020 para uso de câmeras corporais em policiais no estado de São Paulo).

“Naquele ano, ele foi muito bem-sucedido na redução da letalidade. Então, nós perdemos esse grande feito que São Paulo conseguiu nestes últimos anos, ao mesmo tempo em que há um aumento de outros indicadores de violência”, diz Nunes.

Os casos da Cracolândia e da Favela do Moinho apontam para uma falta de integração entre as polícias e outras secretarias e pastas. “O que a gente tem é uma total descoordenação, uma total falta de controle e um populismo penal que fica sempre ancorado na retórica, essa tal resposta através da PM. Falta, por exemplo, articulação com a saúde, no que se refere à questão da Cracolândia”, analisa o pesquisador do Cesec.

Promessa de Tarcísio para a segurança envolve a instalação de 15 mil câmeras corporais na PM | Crédito: Governo de SP

Mesmo com a maior fatia no orçamento, a instalação de 15 mil câmeras corporais na PM, conforme prometido pelo governador Tarcísio até o primeiro trimestre de 2026, está longe de ser concluída. Segundo o Portal da Transparência, até setembro deste ano, havia 10.723 câmeras instaladas na corporação.

Em 2025, o formato de câmeras nas fardas dos policiais sofreu modificações. Inicialmente, o governador Tarcísio de Freitas se colocava contra o uso dos aparelhos. Tempos depois, o foco da política foi deslocado: o discurso oficial passou a enfatizar que as câmeras servem para auxiliar o policial, e não para fiscalizar abusos, reduzindo a obrigatoriedade de gravação contínua e fragilizando, assim, os mecanismos de controle.

Ademais, houve o encerramento do convênio com a Axon, empresa que era fornecedora de câmeras corporais com o mecanismo de gravações ininterruptas. Em 2025, o governo comprou novas câmeras da Motorola, que são acionadas pelo Centro de Operações Policiais Militares (Copom).

“Até o momento temos essas duas câmeras sendo utilizadas. Alguns policiais ainda utilizam as Axon, nesse processo de retirada progressiva desses dispositivos, enquanto as da Motorola chegam ao seu número final”, diz o ouvidor das policias de SP.

Para o deputado estadual Donato (PT-SP), o número de 15 mil câmeras é “insuficiente” para que o instrumento funcione de fato como meio de transparência e apoio ao policial em operação.

A visão dele é compartilhada pelo ouvidor. Ele explica que as 15 mil câmeras não poderão ser utilizadas ao mesmo tempo, uma vez que as baterias duram 12 horas e precisam ser recarregadas. 

“Então, você pode usar 8 mil ou 7.500 câmeras, porque daqui a 12 horas outros policiais assumirão o serviço. Eles terão que utilizar as câmeras e as que foram usadas nas 12 primeiras horas vão precisar recarregar a bateria.” O número, de acordo com Caseri, é bem inferior à quantidade de policiais que trabalham nas ruas do estado, que é de cerca de 60 mil.

Polícia Militar é prioridade

Por outro lado, os esforços do governador se concentraram na Polícia Militar (PM). Conforme já analisado em reportagem anterior do Brasil de Fato, a diferença entre as corporações também aparece nas propostas de Lei Orçamentária Estadual (LOA) recentes. Entre 2024 e 2025, o orçamento da SSP-SP aumentou 11%, passando de R$ 18,62 bilhões para R$ 20,66 bilhões. A Polícia Militar foi novamente a mais beneficiada, com crescimento de 13%, indo de R$ 10,81 bilhões para R$ 12,22 bilhões.

A Polícia Civil teve aumento de 9% (de R$ 5,99 bilhões para R$ 6,53 bilhões), enquanto a Superintendência da Polícia Técnico-Científica registrou apenas 0,3% de crescimento, de R$ 970 milhões para R$ 972 milhões.

Além do orçamento robusto, a PM-SP também recebe valores expressivos em bônus. Dados obtidos pela Ponte Jornalismo mostram que, apenas entre janeiro e o início de junho de 2025, policiais militares receberam R$ 827 milhões em bonificações por resultados, o equivalente a 30,5% do total distribuído pelo governo estadual. Embora representem 15,8% dos servidores do Estado (82 mil de um total de 519 mil), os PMs concentram uma fatia desproporcional dos bônus pagos.

Na outra ponta, a Polícia Civil vem demonstrando insatisfação com relação à gestão de Tarcísio. Em novembro deste ano, o Fórum Resiste PC-SP, um grupo com 16 entidades representativas das carreiras da Polícia Civil, entre elas associações e sindicatos de delegados, investigadores e escrivães, se manifestou no centro de São Paulo.

Eles exigem valorização da categoria e uma nova lei orgânica da Polícia Civil de São Paulo, que inclui, entre outras coisas, melhorias nas remunerações, no plano de carreira e nas jornadas de trabalho.

Baixa aderência à política federal de Segurança Pública

Outro ponto de destaque da gestão Tarcísio em 2025 é a resistência do governo paulista à nova estrutura de segurança nacional proposta pela gestão federal, o que tem aprofundado o distanciamento entre o estado e o Ministério da Justiça.

No início de dezembro deste ano, durante audiência da comissão especial que analisa o mérito da PEC 18/2025, o governador Tarcísio de Freitas criticou duramente a chamada PEC da Segurança Pública, que busca constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). Para o governador, a proposição é “cosmética” e incapaz de “resolver problemas” do crime organizado.

Na visão da deputada Paula Nunes (Psol-SP), essa postura reflete uma resistência ao diálogo federativo, já que “uma das principais questões trazidas pela PEC é um papel de coordenação do governo federal com relação à atuação das polícias”, sendo que tal coordenação não retira a autonomia das funções dos governos estaduais.

Segundo um levantamento da Folha de S. Paulo, obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI), a gestão Tarcísio é uma das que menos aderiram aos programas federais: das 11 propostas de adesão voluntária, apenas três foram realizadas.

Esse isolamento dificulta a troca de informações estratégicas entre entes federativos e é visto por opositores como uma priorização da disputa partidária. Segundo o deputado Donato (PT), “o governador paulista prefere agir como líder oposicionista e renegou qualquer parceria na área, colocando a agenda política à frente dos interesses da população”.

De acordo com ele, essa posição teria deixado São Paulo de fora de iniciativas nacionais estratégicas para padronizar e aprimorar a troca de dados.

Além das divergências técnicas sobre a PEC, o debate ganha contornos sobre a filosofia de policiamento adotada no estado. Enquanto Tarcísio e o secretário Guilherme Derrite defendem um modelo de enfrentamento direto, Donato afirma que a dupla patrocinou “o uso da força como remédio para o combate à criminalidade”.

A ausência de integração também é apontada como um entrave para o combate a crimes específicos, como a violência de gênero. Donato destaca que os “casos de feminicídio explodiram, sem que o Palácio dos Bandeirantes tenha apresentado qualquer medida para enfrentar o problema”, associando a crise à recusa em adotar protocolos nacionais.

A deputada estadual Paula Nunes (Psol-SP) reforça essa crítica ao afirmar que os governadores da direita que se opõem à medida não apostam na necessidade de uma ação coordenada.

A recusa em aceitar a coordenação da Polícia Federal, sob o argumento de perda de soberania estadual, é um equívoco na avaliação da deputada do Psol, pois tal submissão seria impossível de ser estabelecida e nunca foi a intenção do governo federal. 

Por fim, ela classifica a atual postura do governo paulista como irresponsável. “Entendemos que, para que a população das periferias seja livre da atuação do crime organizado, é necessário combater o centro do poder. O que o governador Tarcísio faz é apostar em uma truculência nas periferias, o que não chega no centro do problema.”

O que diz a Secretaria de Segurança Pública de SP

A reportagem do Brasil de Fato enviou diversos questionamentos à pasta da Secretaria de Segurança Pública de SP sobre os índices de estupro, homicídios e letalidade policial. Também foram encaminhadas questões relativas à baixa aderência à política federal de Segurança Pública.

Em nota, a SSP disse que o cronograma de distribuição das novas Câmeras Operacionais Portáteis (COPs) da Polícia Militar está sendo cumprido rigorosamente, conforme o acordo firmado no Supremo Tribunal Federal (STF), com prioridade para as regiões de maior risco.

“As novas câmeras permitem comunicação entre o policial e o Centro de Operações da PM (Copom), acionamento remoto e automático, além de melhorias na captação, transmissão e custódia das imagens.”

Sobre a letalidade policial, a pasta afirmou que “todas as ocorrências dessa natureza são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário.”

Sobre o combate à violência contra a mulher, a secretaria disse que ampliou as Salas DDM 24h em plantões policiais, “que permitem atendimento imediato por videoconferência com delegadas mulheres. Essas salas cresceram 174% desde 2023 e hoje somam 170 unidades em todo o Estado.”

Além disso, as ações de proteção às mulheres envolvem investimentos intersecretariais, que vão além da segurança pública, como saúde, assistência social e políticas para mulheres. 

Sobre os investimentos na Polícia Civil, a SSP alegou que a execução orçamentária da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) para 2026, a Lei Orçamentária Anual (LOA) propôs R$ 97 milhões em despesas correntes. Em 2025, foram empenhados R$ 89 milhões. 

O ano de 2025, de acordo com a pasta, “se destaca como o ano de maior aporte dos últimos três anos, com mais de R$ 120 milhões aplicados na estrutura da SPTC.”

Por fim, a SSP diz “que o Estado de São Paulo já possui ações consolidadas, estruturadas e integradas, que atendem plenamente aos objetivos dos projetos citados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com o qual mantém diálogo permanente.” 

Disse também que o Estado está implementando o Registro Integrado de Evento de Segurança Pública (RIESP), sistema que unificará o registro de ocorrências pelas forças de segurança paulistas e ampliará a contribuição de São Paulo com o banco de dados nacional, assim como proposto pelo próprio MJSP.

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