A atriz francesa Brigitte Bardot, que se tornou símbolo de liberdade feminina em plena revolução sexual – Len Trievnor/Express/Getty Images
Publicado originalmente em RFI
Ícone de uma geração, o fenômeno Bardot explodiu em 1956, quando a atriz tinha 22 anos. Diante das câmeras de seu então marido, o cineasta Roger Vadim, ela interpretou a protagonista do filme “E Deus Criou a Mulher”, que a tornou uma das mulheres mais cobiçadas e imitadas do mundo. Apesar de uma carreira relativamente curta no cinema, que durou entre 1952 e 1972, a musa francesa, conhecida na juventude por sua cara de criança caprichosa, marcou uma época.
Nos anos 60, BB, como é apelidada pelos franceses, estrelou dois grandes clássicos: “A Verdade”, de Henri-Georges Clouzot (1960), e “O Desprezo”, de Jean-Luc Godard (1963). O restante de sua carreira foi marcado por filmes que tiveram menos sucesso, como “Amar é minha profissão”, de Claude Autant-Lara, “Viva Maria!”, de Louis Malle (1965), no qual contracenou – e cantou – com Jeanne Moreau, “O Repouso do Guerreiro”, dirigido novamente por Vadim (1964), ou ainda o pitoresco western “As Petroleiras”, de Christian-Jaque (1971), em que dividiu a tela com Claudia Cardinale.
Em 1967, ela se reinventou como cantora, com um relativo sucesso. Colaborou com Serge Gainsbourg, interpretando músicas marcantes como Harley Davidson e Bonnie and Clyde, que fazem dançar os franceses até hoje.
Brigitte Bardot durante visita ao Brasil em 1964 — Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo
BB: Bardot e o Brasil
Brigitte Bardot parecia ser tão livre na vida real quanto os personagens que interpretava nas telas. Se chamou a atenção ao aparecer de biquini no Festival de Cannes em 1953, também surpreendeu ao comparecer a uma visita ao Palácio do Eliseu, sede da presidência francesa, para um evento oficial com o general De Gaulle, usando calças. Uma provocação para os padrões da época, onde mulheres só participavam desse tipo de ocasião com saias ou vestidos.
Mas essa liberdade também se exprimiu com uma vida pontuada por muitos casos de amor, quase sempre com celebridades e amplamente cobertos pela imprensa. Além de Vadim, ela se envolveu com os atores Jean-Louis Trintignant, Jacques Charrier e Sami Frey, os músicos Gilbert Bécaud, Serge Gainsbourg e Sacha Distel, e ainda com o fotógrafo Gunter Sachs, antes de se casar com o empresário Bernard d’Ormale. Uma vida amorosa agitada, que também ajudou a torná-la um símbolo de liberdade feminina em plena revolução sexual. “Ela faz o que lhe agrada, e é isso que perturba”, resumiu Simone de Beauvoir.
Brigitte Bardot durante visita ao Rio de Janeiro em janeiro de 1964 — Foto: Arquivo Nacional/Fundo Correio da Manhã
Em meio a todos esses amores, ela também teve outra paixão: o Brasil. Acompanhada por seu namorado da época, o franco-marroquino Bob Zagury, a francesa desembarcou no aeroporto do Rio de Janeiro em janeiro de 1964. Recebida por 200 jornalistas e fotógrafos, ela se trancou em um apartamento por três dias antes de conceder uma entrevista coletiva, em troca de alguns dias de tranquilidade. Para surpresa de todos, boa parte da imprensa aceitou o acordo, e a atriz fugiu em seguida para Búzios. Gostou tanto do que, na época, era praticamente uma aldeia, sem nenhuma infraestrutura, que morou lá por mais de três meses.
Bardot ainda voltou a Búzios em dezembro do mesmo ano, onde passou o Natal e o Réveillon. Mas desta vez os paparazzi não lhe deram paz, e a viagem durou apenas 10 dias. Mesmo assim, nunca esqueceu a estadia no Brasil, onde conseguiu ter, por alguns meses, uma vida longe dos holofotes.
Estátua de Brigitte Bardot em Búzios – Divulgação
“Guardo recordações únicas. Uma lembrança mágica, magnífica”, disse a atriz em entrevista à RFI em 2017, quando lançava o livro “Répliques et Piques” (“Respostas e Alfinetadas”, em tradução livre), uma coletânea de frases da estrela, reunidas por François Bagnaud. “Na época era apenas uma aldeia de pescadores sem água encanada ou eletricidade. Vivíamos como Robinson Crusoé em praias selvagens e desertas. As ruelas eram cheias de leitões pretos e galinhas. Nós vivíamos de pesca, farofa, mangas e muito sol”, contou.
Para alguns, até hoje Búzios ainda é sinônimo de Brigitte Bardot. E a estátua em homenagem à atriz continua sendo uma das atrações para cinéfilos e saudosistas de passagem. Mas a francesa insistia que o paraíso que conheceu na década de 1960 não existia mais há muito tempo. “Foi o lado selvagem do lugar que me seduziu. Mas o que Búzios se tornou hoje me deixa atordoada. É uma pena”, desabafou.
Brigitte Bardot e Serge Gainsbourg, com quem teve um breve relacionamento – Reprodução
Militante contestada
A carreira de Bardot nas telonas praticamente terminou em 1973, quando ela filmou seu último longa, Colinot Trousse-Chemise, de Nina Companeez. Nesse mesmo ano, ela se retirou do mundo do cinema e se isolou em sua casa, La Madrague, na Côte d’Azur.
Desde que deixou as telas, Bardot se tornou uma ferrenha defensora dos animais e criou uma fundação que leva seu nome. Ela posou pela proteção dos filhotes de focas no Canadá, lutou contra as touradas na Espanha e brigou pelo fim do consumo de carne de cavalo na França, além de se posicionar contra o uso de animais em testes de laboratórios.
Brigitte Bardot e um cachorro: atriz também era ativista pela causa animal — Foto: REUTERS/Charles Platiau/Foto de Arquivo
No entanto, os últimos anos de sua vida foram manchados por declarações polêmicas e posições políticas contestadas. Apesar de ser abertamente próxima ao partido de extrema-direita francês Reunião Nacional (RN) e já ter militado pelo ex-líder da legenda, Jean-Marie Le Pen, Bardot, que foi casada durante anos com Bernard d’Ormale, um aliado de Le Pen, evitava falar de política quando o assunto não dizia respeito à proteção dos animais. Porém, defendeu a candidata à presidência Marine Le Pen várias vezes por sua vontade de “retomar o controle da França, restabelecer as fronteiras e dar novamente a prioridade aos franceses”.
Aos poucos, aquela que foi símbolo sexual, tornou-se o rosto da extrema direita mais retrógrada. Apesar disso, ela deixa a lembrança de uma mulher livre no pós-guerra, estrela de sua época reconhecida internacionalmente, e uma das personalidades mais conhecidas da França no exterior.
Brigitte Bardot durante visita ao Rio de Janeiro em 1964 — Foto: Estadão Conteúdo/Arquivo
