Abrupta interrupção nas negociações, que se encontravam em fase final, para um cessar-fogo no coração da Europa. A Rússia acusa as forças ucranianas de terem lançado drones contra a residência do presidente russo e anuncia represálias. O líder ucraniano Zelensky responde: “É uma mentira”.
Paola Simonetti – Vatican News
A frágil possibilidade de um cessar-fogo que possa trazer a paz de volta à Ucrânia parece fechar-se abruptamente após as acusações do ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, ao exército ucraniano de ter lançado um ataque com 90 drones, que teriam sido todos abatidos, contra a residência do presidente Vladimir Putin em Novgorod.
A resposta do líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi imediata, referindo-se a uma “mentira típica russa” e sublinhando que “a Ucrânia não adota medidas que possam comprometer a diplomacia”.
Para Study of War não há indícios de nenhum ataque à residência de Putin
Segundo o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), um think tank independente com sede nos EUA, “as circunstâncias do suposto ataque à residência de Putin em Valdai, perto de Novgorod, não se enquadram no padrão de evidências observado quando as forças ucranianas realizam ataques em território russo. Ataques ucranianos confirmados em território russo geralmente produzem evidências observáveis em fontes abertas. Essas evidências incluem filmagens, frequentemente com geolocalização, de operações de defesa aérea, explosões, incêndios ou colunas de fumaça perto dos alvos; declarações de autoridades russas locais e regionais, que normalmente minimizam os ataques ucranianos (com drones) bem-sucedidos, referindo-se, em vez disso, a ‘detritos’ de drones abatidos; e relatos de fontes locais e da mídia sobre incêndios ou danos a tais alvos. O ISW não observou nenhuma filmagem deste tipo ou relatos locais ou regionais de ataques ucranianos perto da residência de Putin que corrobore a alegação de Lavrov”, o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, que anunciou o alegado ataque ontem.
Segundo especialistas do ISW, “a alegação de Lavrov de ter abatido 89 drones ucranianos sobre a região de Novgorod também é inconsistente com a declaração do Ministério da Defesa russo de que as forças russas abateram 47 drones ucranianos sobre a região na noite de 28 para 29 de dezembro, o que enfraquece ainda mais a suposição. As forças ucranianas já haviam atacado diversos alvos militares na região de Novgorod, o que gerou evidências”, escreve o think tank.
Moscou “não apresentou nenhuma evidência para sustentar sua alegação”, acrescenta a análise publicada no site do ISW, que conclui: “O Kremlin pode querer usar esse suposto ataque para justificar sua rejeição a quaisquer propostas de paz que surjam das recentes conversas bilaterais entre os Estados Unidos e a Ucrânia e das conversas multilaterais entre os Estados Unidos, a Ucrânia e a Europa.”
A residência desejada por Stalin e denunciada por Alexey Navalny
A propriedade — construída por desejo Stalin e posteriormente utilizada por Khrushchev e outros líderes soviéticos — foi remodelada diversas vezes e é cercada por água em três lados, equipada com um bunker e fortemente blindada. As 12 torres que a protegem abrigam sistemas de mísseis antiaéreos Pantsir S1 e artilharia antiaérea de curto alcance.
A construção começou em 1934, a pedido de Stalin, embora ele só a tenha visitado uma vez, em 1939: ele se sentia inseguro no local. Andrei Zhdanov morreu nesses cômodos em agosto de 1948, durante suas férias. A primeira residência foi construída em 1980, projetada pelo secretário-geral do Partido Comunista, Leonid Brezhnev. Mas o primeiro a desfrutá-la (antes de Putin) foi o presidente russo Boris Yeltsin, que apreciava relaxar naquelas matas e pescar no lago.
Há alguns anos, a fundação de Alexey Navalny, opositor de Putin que morreu no ano passado enquanto cumpria uma longa pena de prisão na Sibéria, para a qual havia sido condenado injustamente, divulgou uma descrição da propriedade, que consistiria em 80 prédios, incluindo uma mansão de aproximadamente 3.500 metros quadrados distribuídos em quatro andares. Também incluiria um pavilhão em estilo chinês, uma cabana de madeira, um estábulo, vários parques infantis, um campo de golfe, uma pista de kart, um cinema e uma igreja, bem como um complexo de spa com uma piscina de 25 metros, câmaras de crioterapia, um solário e um hammam.
A mudança de ritmo nas negociações
Mas Moscou, apesar de o ataque não ter causado feridos nem danos a uma residência onde parece que Putin nem sequer estava presente, anunciou represálias e a intenção de rever a sua “abordagem de negociação”. Posição prontamente comunicada por Putin ao presidente dos EUA, Donald Trump, mediador nesta partida diplomática que já estava definida nas etapas finais. Indignado, o chefe da Casa Branca, do qual a Rússia agora espera um apoio sólido às suas exigências para um acordo de paz que tem no topo da lista a cessão por parte de Kiev dos territórios do Donbass e da central nuclear de Zaporizhzhia. No entanto, a Ucrânia recusa qualquer concessão, declarando que “não pode simplesmente renunciar aos seus territórios no âmbito de eventuais negociações de paz com a Rússia, pois isso contradiria a legislação ucraniana, a posição da sociedade e a situação real no terreno”. O Kremlin, por sua vez, já advertiu que “avaliará o fim do conflito militar no contexto da consecução dos seus objetivos”.
A guerra no terreno
Na região de Kherson, duas pessoas morreram e outras duas, incluindo uma criança, ficaram feridas na sequência dos ataques russos nas últimas 24 horas. Segundo a Ukrinform, a informação foi divulgada no Telegram pelo chefe da administração regional, Oleksandr Prokudin. De acordo com as informações, várias localidades foram atingidas por drones, ataques aéreos e bombardeios de artilharia. Quatro residências particulares, uma loja e um carro particular ficaram danificados. Um novo ataque das tropas russas também foi registrado em Zaporizhzhia. Infraestruturas e áreas residenciais foram danificadas como resultado do ataque, enquanto os serviços de emergência continuam a trabalhar no local. Isso foi relatado no Telegram pelo chefe da administração militar regional, Ivan Fedorov. Durante a noite, também foram relatadas explosões em Odessa, conforme comunicado pelo chefe da administração militar do distrito militar de Odessa, Serhiy Lysak, e pela Força Aérea das Forças Armadas ucranianas.
