Flávio Dino, o TCE e a vingança política “constitucionalizada”
Por Dr. Yglésio*
A movimentação do ministro Flávio Dino em torno do Tribunal de Contas do Maranhão (TCE-MA) há quase dois anos tem um propósito que vai muito além do jurídico: é um ato de vingança política.
O estopim foi a decisão do governador Carlos Brandão de não atender à exigência de Dino para lançar o irmão do deputado federal Márcio Jerry, seu aliado mais próximo, como candidato a prefeito de Colinas, cidade-base do grupo de Jerry.
A negativa provocou o rompimento entre os dois e acendeu a fúria do ex-governador, que agora tenta retaliar Brandão usando a toga e a estrutura do Supremo Tribunal Federal como instrumento de pressão.
O plano é claro: Dino busca modular uma decisão com efeitos ex tunc, ou seja, retroativos, no processo que questiona as indicações ao TCE-MA, com o objetivo de anular nomeações feitas durante o governo Brandão e, assim, recompor seu domínio político sobre o Tribunal, garantindo o controle de até quatro cadeiras.
Não se trata de zelo pela legalidade, mas de retaliação travestida de hermenêutica constitucional.
Sob o ponto de vista jurídico, a tese é frágil e oportunista.
A aplicação de efeitos ex tunc (que retroagem a decisão até a origem do ato )é excepcionalíssima e só se admite quando não há risco à segurança jurídica nem violação à confiança legítima.
O Supremo Tribunal Federal, em inúmeros precedentes, sempre rejeitou retroatividade ampla quando o impacto institucional seria desestabilizador.
Basta lembrar o caso da desaposentação, em que o STF reconheceu a ausência de base legal para o recálculo de benefícios, mas preservou os valores recebidos de boa-fé, evitando punir cidadãos por conduta amparada em interpretação anterior.
Se o Supremo preservou aposentadorias pagas indevidamente para não abalar a confiança social, como admitir que agora se desfaçam nomeações regulares de conselheiros de um Tribunal de Contas, com anos de exercício e decisões já tomadas?
A única explicação possível é política — e a motivação política, neste caso, tem nome e endereço: a vingança de Dino contra Brandão, após o episódio de Colinas.
A tentativa de impor efeitos retroativos neste contexto seria uma afronta à segurança jurídica, ao princípio da estabilidade institucional e à separação dos poderes.
O TCE-MA é órgão técnico, essencial ao controle financeiro do Estado, e não pode ser transformado em campo de guerra para ajustes pessoais.
Retroagir uma decisão para invalidar atos legítimos seria rasgar o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, que protege o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.
Seria, em suma, o uso do Direito como arma — não como instrumento de justiça.
Flávio Dino, como ex-juiz federal, conhece perfeitamente esses limites.
Sabe que a modulação de efeitos existe para preservar a ordem, não para servir de instrumento político.
E ao insistir numa tese sabidamente instável, ele revela o verdadeiro objetivo: usar o Supremo para retaliar quem ousou contrariá-lo.
A toga, nesse caso, vira o disfarce de uma disputa de poder que deveria permanecer no campo político, não nos autos.
Se há algo a corrigir no processo de indicações ao TCE, que se corrija daqui pra frente, de forma transparente e previsível. Mas transformar o Supremo em instrumento de revanche pessoal é brincar com as instituições.
O Maranhão não pode ser palco de vendetas disfarçadas de jurisprudência. E se o ministro quer continuar a fazer política, que desça do pedestal judicial e volte ao palanque — porque o papel de juiz é aplicar o Direito, não reescrever a história em nome da própria vaidade.
Dr. Yglésio é advogado, médico, jornalista e ocupa hoje cargo de deputado estadual.
