Atingido por um tiro ao passar por um cerco policial, na última sexta-feira, na Pavuna, na Zona Norte do Rio, o mototaxista Andrew Andrade do Amor Divino, de 29 anos, já deu entrada morto no Hospital Getúlio Vargas, na Penha, segundo relatos de parentes e de amigos. Ele deixou dois filhos, um deles, de 6 anos, e outro com menos de um mês de vida. De acordo com Dayene Nicácio Carvalho, de 25, viúva do rapaz, e mãe das crianças, o menino mais velho teve uma crise de choro ao descobrir que o pai havia sido morto pela polícia.
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Andrew foi sepultado, neste domingo, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte do Rio. Os dois PMs responsáveis por abordar o carro que o mototaxista dirigia não usavam câmeras corporais. O equipamento havia ficado na patrulha usada pela dupla. Dayene havia contado inicialmente ao filho que o pai morrera em um acidente. E que, por isso, teria virado uma estrelinha no céu.
— O meu filho mais velho era muito agarrado com o pai. Contei que o pai tinha sofrido um acidente de carro e que tinha virado uma estrelinha. Só que meu filho viu um trecho de uma reportagem e soube do que aconteceu. Na hora, ele começou a chorar e a gritar pelo pai, dizendo que o coração estava doendo — contou Dayene.
Em uma nota, a Polícia Militar admitiu que um dos agentes foi o responsável pelo tiro que atingiu Andrew. O documento diz que os policiais faziam um patrulhamento, próximo ao Complexo do Chapadão, quando homens em três motocicletas passaram atirando em direção aos PMs. Na sequência, segundo o comunicado, um condutor de veículo não obedeceu a uma ordem de parada e avançou o cerco policial. Um dos militares fez um disparo que acertou o motorista. Ele foi levado para o Hospital Getúlio Vargas, na Penha, mas não resistiu ao ferimento e morreu.
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A família do rapaz contesta a versão e diz que Andrew não era bandido. Dayane Nicácio Carvalho, de 25, mãe de dois filhos do entregador, disse que o marido voltava de uma comemoração, no carro de um vizinho, com o som alto e os vidros fechados. E que como havia um ônibus na sua frente, e ele não ouviu o comando dos policiais. A última troca de mensagens entre os dois foi pouco antes da meia-noite.
— Às 23h59 perguntei se ele já estava vindo, e ele respondeu que já estava chegando. Meia hora depois, aconteceu tudo. Toda vez que via uma viatura, ele parava. Era habilitado, o carro estava em dia. Não tinha por que fugir — disse Dayene.
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Quando soube do ocorrido, ela foi até a 39ªDP(Pavuna), mas não havia registro do caso. De lá, seguiu para o Hospital Getúlio Vargas, onde recebeu a confirmação de que o marido havia sido baleado.
— Pedi para não mentirem para mim. Perguntei se ele estava bem, e o policial disse que o estado era grave. Quando puxaram o nome dele, viram que não tinha nada. O policial virou para mim e falou: “Me desculpa”. Mas desculpa não traz o pai dos meus filhos de volta— disse.
Segundo relatos da esposa e de amigos e familiares, Andrew era mototaxista e já trabalhou como entregador. E recentemente consertava celulares em casa, na comunidade. O casal estava junto havia oito anos. Dayene conta que eles tinham acabado de comprar uma casa com o dinheiro de um empréstimo feito no banco.
— A gente tinha acabado de começar a pagar a nossa casinha. Simples, mas nossa. E agora eu não sei como vai ser. No começo, a gente não tinha nada. Uma cadeira de carro no lugar do sofá, uma TV velha e uma cama de solteiro. Mas ele nunca deixou faltar comida. Saía de casa com chuva, com frio, para trabalhar. Ele montava a bancada com as ferramentas para consertar celular na mesa, porque a gente não tinha dinheiro para abrir uma lojinha. Era nossa renda. Tenho como provar que meu marido era trabalhador — diz Dayene.
Nas redes sociais, amigos e vizinhos defenderam Andrew, dizendo que ele era “honesto, tranquilo e querido”. Um grupo com quem ele treinava muay thai em um projeto social publicou vídeo em sua homenagem, pedindo justiça.
Em nota, a PM disse que um dos agentes fez o disparo. O documento diz ainda que a corporação instaurou um procedimento para apurar as circunstâncias do fato.
“A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que, de acordo com os policiais militares que realizavam patrulhamento próximo ao Complexo do Chapadão, na madrugada desta sexta-feira (07/11), ocupantes de três motocicletas passaram e efetuaram disparos contra os agentes. Na sequência, o condutor de um veículo, que não obedeceu à ordem de parada, avançou pelo cerco policial. Um dos agentes efetuou um disparo, vindo a ferir o motorista. Ele foi socorrido pela equipe ao Hospital Getúlio Vargas, mas não resistiu aos ferimentos. Ocorrência registrada na DH. O comando da unidade instaurou um procedimento para apurar as circunstâncias do fato. Os policiais foram afastados dos serviços operacionais”
