Escrito en MULHER el
Quando Goiânia ainda tentava entender por que tantas pessoas adoeciam ao mesmo tempo, uma mulher tomou a decisão que impediria a tragédia de se alastrar pela cidade. Maria Gabriela Ferreira, casada com Devair Alves Ferreira, dono do ferro-velho onde um pequeno objeto brilhante havia sido desmontado, foi quem primeiro percebeu que aquela luz azulada não era um “achado”, mas uma ameaça.
O pó luminoso tinha sido retirado de um aparelho de radioterapia abandonado em uma antiga clínica. Encantados pelo brilho incomum, catadores e moradores manipularam o material, levaram para casa, dividiram com amigos. Enquanto isso, sintomas misteriosos como tonturas, vômitos e queimaduras na pele, se espalhavam silenciosamente por diferentes bairros, sem qualquer explicação médica.
A rotina seguia como se nada estivesse acontecendo: as primeiras vítimas circularam pela cidade, viajaram, visitaram familiares. A contaminação crescia a cada dia. Foi somente quando Maria Gabriela relacionou o adoecimento coletivo ao pó encontrado no ferro-velho que o curso do acidente mudou. Ela mesma recolheu o material, colocou em um saco e o levou para a Vigilância Sanitária, interrompendo um ciclo que poderia ter custado muitas outras vidas.
A confirmação oficial só viria no dia seguinte, com a chegada de um equipamento capaz de medir radiação. Quando o aparelho registrou níveis altíssimos de contaminação ao redor do prédio da Vigilância Sanitária, a dimensão do desastre finalmente veio à tona. Sem a ação de Maria Gabriela, especialistas concordam que os diagnósticos só apareceriam após o agravamento dos sintomas e o aumento do número de mortes.
A partir daquele momento, Goiânia se transformou. Um centro de triagem foi montado às pressas no Estádio Olímpico, onde mais de 100 mil pessoas passaram por exames. As vítimas graves foram enviadas ao Rio de Janeiro. Entre os contaminados estava o cunhado de Maria Gabriela, que carregaria para sempre sequelas profundas, incluindo amputações e reconstrução da pele.
O acidente provocou mudanças definitivas no controle de materiais radioativos no país. Equipamentos que utilizam fontes como o césio passaram a ser rigidamente rastreados e recolhidos por seus fabricantes, evitando que fossem abandonados como o da antiga clínica. Os rejeitos do acidente foram transferidos para Abadia de Goiás, onde seguirão armazenados por séculos: o césio-137 perde metade de sua radioatividade a cada 30 anos, e só chegará a níveis seguros após cerca de 300 anos.
A Justiça condenou os responsáveis pelo Instituto Goiano de Radiologia, de onde o equipamento saiu, enquanto catadores e a Comissão Nacional de Energia Nuclear foram absolvidos. No endereço da clínica hoje funciona o Centro de Cultura e Convenções de Goiânia, mantendo apenas a memória do local onde o maior acidente radiológico do mundo começou.
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