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O agronegócio brasileiro vive um paradoxo estrutural. Ao mesmo tempo em que responde por aproximadamente 25% do Produto Interno Bruto nacional, lidera as exportações e sustenta cadeias globais de abastecimento alimentar, o setor opera sob crescente pressão financeira e operacional.
Juros persistentemente elevados, encarecimento dos insumos, restrição ao crédito, volatilidade cambial e eventos climáticos extremos compõem um cenário em que robustez macroeconômica convive com fragilidade no nível da fazenda.
Estiagens prolongadas, ondas de calor, noites mais quentes e regimes pluviométricos irregulares não apenas afetam a produtividade das lavouras, mas comprometem a previsibilidade econômica do campo. Nesse ambiente, a margem deixa de ser consequência automática da escala e passa a ser resultado direto de estratégia.
Produtividade: a única variável efetivamente sob controle
Entre todas as variáveis que impactam o resultado agrícola, há uma que permanece sob domínio direto do produtor: a produtividade por hectare. É ela que dilui custos fixos e variáveis, amplia a receita unitária, reduz o peso financeiro dos juros sobre o custeio, fortalece o fluxo de caixa e sustenta a capacidade de reinvestimento.
Em cenários macroeconômicos adversos, produzir dentro da média histórica deixou de ser suficiente para garantir viabilidade. A agricultura contemporânea exige performance acima do convencional. Nesse contexto, o nível tecnológico da lavoura deixa de ser acessório e passa a integrar o núcleo da estratégia econômica da propriedade.
O rompimento do teto produtivo por meio de tecnologias de especialidade
O avanço produtivo moderno não se limita à genética ou ao manejo tradicional. Ele decorre da integração de tecnologias que atuam diretamente na eficiência fisiológica da planta e na previsibilidade do sistema produtivo.
Três grupos se destacam nesse processo.
1. Nutrição especial e fertilizantes de eficiência aumentada
Formulações modernas, como nutrientes complexados, moléculas encapsuladas e soluções líquidas, aumentam a eficiência de absorção, reduzem perdas por volatilização e lixiviação e sincronizam a oferta nutricional com a demanda fisiológica da cultura.
Tecnologias baseadas em polímeros protetores, complexos orgânicos e nanonutrientes tornam a nutrição mais previsível, especialmente em ambientes instáveis.
2. Insumos biológicos e biotecnologia aplicada
Os bioinsumos deixaram de ser complementares para se tornarem tecnologias centrais no ganho de produtividade. Bioestimulantes, inoculantes e agentes biológicos de controle fortalecem o sistema radicular, modulam o metabolismo vegetal e ampliam a tolerância a estresses bióticos e abióticos.
Meta-análises publicadas pela MDPI corroboram esse efeito. Revisão abrangendo 171 estudos apontou ganhos médios de aproximadamente 15% em ambientes tropicais e superiores a 20% sob condições de seca.
Outra análise, baseada em 1.818 ensaios de campo, registrou incrementos variando de 7% a 50%, conforme cultura, ambiente e intensidade do estresse. O benefício não reside apenas no controle, mas na eficiência fisiológica: plantas tratadas preservam biomassa radicular e mantêm capacidade produtiva mesmo sob adversidade hídrica.
3. Adjuvantes e tecnologias de aplicação
A eficiência de aplicação segue como um dos maiores gargalos da agricultura. Espalhantes, compatibilizantes e redutores de deriva elevam a efetividade dos insumos, reduzem perdas e asseguram que o produto aplicado atinja o alvo com precisão.
Ajustes finos na aplicação reduzem variabilidade operacional e ampliam o retorno real do investimento.
Resiliência produtiva como estratégia de proteção
O produtor não controla clima, mercado ou crédito. Controla, porém, o nível tecnológico da lavoura. Em um cenário de crescente imprevisibilidade climática, a manutenção tecnológica deixa de ser opcional e se torna mecanismo de redução de vulnerabilidade.
Plantas sob estresse demandam estímulos adicionais para preservar seu potencial produtivo. Estímulos estes oferecidos pelas tecnologias nutricionais, biológicas e operacionais.
Investir em tecnologia em anos difíceis não é luxo. É estratégia de proteção patrimonial. Reduz volatilidade, preserva margem e impede que uma safra adversa se transforme em prejuízo estrutural.
Tecnologia como investimento e não como custo
A adoção de tecnologias de especialidade exige mudança de mentalidade. A pergunta correta não é “quanto custa o litro?”, mas “quanto aumenta a receita líquida por hectare?”.
Sob essa ótica, tecnologia passa a ser instrumento de segurança financeira, estabilidade de margens e resiliência climática. Parte do retorno, inclusive, advém da redução de ineficiências: menos deriva, menor lixiviação e maior aproveitamento efetivo dos insumos.
O limite é gerencial, não tecnológico
O Brasil ocupa posição de destaque global no desenvolvimento de bioinsumos e tecnologias de nutrição vegetal. O desafio atual não é tecnológico, mas gerencial: adotar, mensurar e escalar soluções de forma estratégica.
Produtores que tratam tecnologia como instrumento de proteção navegam melhor ciclos voláteis; aqueles que a tratam apenas como custo permanecem expostos à imprevisibilidade climática e econômica.
O fator decisivo
O avanço consistente da produtividade resulta da combinação integrada de microbiologia, formulações inteligentes e nutrição eficiente. Em ciclos marcados por incerteza, contar com a sorte de um “ano bom” deixou de ser estratégia.
A sustentabilidade econômica do agro depende de planejamento, execução técnica e uso criterioso das tecnologias disponíveis. Quando aplicadas com propósito e alinhadas às necessidades do sistema produtivo, essas soluções se tornam o caminho mais sólido para proteger margens, reduzir risco e manter competitividade.
*Talita Cury é empresária e sucessora do Grupo Santa Clara, com mais de 20 anos de experiência no setor. Formada em Direito com especialização em Direito do Agronegócio e MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Atualmente exerce a função de Conselheira de Administração do Grupo Santa Clara e está à frente das Relações Institucionais da companhia, além de atuar na estruturação da pasta ESG, do planejamento estratégico, da sucessão familiar dos negócios, assim como atuar nos comitês de riscos e de crédito&cobrança.
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