Uma ação civil pública de improbidade administrativa que apura suspeita de irregularidades na construção de um anexo escolar com recursos públicos em terreno particular tramita há quase sete anos na Justiça do Maranhão sem perspectiva de julgamento. O processo, que envolve o pagamento de mais de R$ 1 milhão sem licitação, ainda não conseguiu sequer concluir a fase de citação de todos os réus.
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Maranhão em março de 2019 contra o ex-secretário municipal de Educação de São Luís Geraldo Castro Sobrinho, o ex-assessor técnico de Engenharia Civil da pasta João Luna Arruda Filho e a Construtora Cardoso Ltda. Segundo o MP, os três praticaram atos de improbidade que resultaram em dano ao erário de R$ 1.002.547,66 (um milhão, dois mil, quinhentos e quarenta e sete reais e sessenta e seis centavos).
O caso trata da construção do Anexo da UEB (Unidade de Educação Básica) Joaquim Pinho, que deveria abrigar a UEB Sylvia Stella, no bairro Maracujá, durante a gestão de Geraldo Castro na Semed (Secretaria Municipal de Educação) entre 2013 e 2014.
A ação teve origem em representação feita ao MP-MA pelo sucessor de Geraldo Castro na Semed, Moacir Feitosa, que ao assumir o cargo detectou suspeitas de irregularidades e instaurou sindicância administrativa. A representação foi acompanhada do Relatório Final de Sindicância que apontou as supostas irregularidades na obra. O Atual7 noticiou em agosto de 2017 a abertura da investigação.
Segundo a apuração do Ministério Público, a Semed autorizou a construção de um prédio escolar completo — com sete salas de aula, pátio interno, cozinha, secretaria e diretoria — em um imóvel particular de propriedade de Pedro Américo Dias Vieira.
A obra foi executada pela Construtora Cardoso sem licitação prévia, sob o argumento de caráter emergencial. O município desembolsou o pagamento à empreiteira por meio de “pagamento por indenização”, mecanismo previsto na Lei de Licitações para situações excepcionais.
O problema, segundo o MP, é que a CGM (Controladoria Geral do Município) de São Luís havia atestado que apenas R$ 839.813,19 correspondiam a serviços efetivamente executados. A diferença — R$ 162.734,47 — foi considerada superfaturamento. Mas a irregularidade mais grave, na avaliação do Ministério Público, é que todo o investimento foi feito em propriedade privada, o que significaria que o município perdeu integralmente o valor investido sem gerar nenhum patrimônio público em troca.
“Houve ordenação de despesas públicas, qual seja, a reforma do Anexo da UEB Joaquim Pinho, em terreno de propriedade privada, fato que resultou em enriquecimento do proprietário em detrimento da perda patrimonial do erário público”, concluiu a Comissão de Sindicância da Semed que investigou o caso.
Pedro Américo Dias Vieira, dono do terreno onde a obra foi construída, não foi incluído como réu na ação de improbidade. Segundo os autos do processo, à época da apuração ele declarou à Comissão de Sindicância que não teve conhecimento de que seria construído um novo prédio em sua propriedade e que não autorizou as reformas estruturais realizadas pela Semed com recursos públicos. O Ministério Público aceitou essa versão e o considerou como um “terceiro de boa-fé”, focando a ação apenas nos gestores públicos e na empresa executora. Advogado de profissão, Vieira faleceu em 2023. Com sua morte, o patrimônio, incluindo a escola construída com dinheiro público, passou ao espólio.
O Atual7 solicitou posicionamento do Ministério Público desde o dia 10 de dezembro, por e-mail, sobre os motivos pelos quais o proprietário não foi incluído no polo passivo da ação, mas não obteve retorno.
O que cada réu responde
Geraldo Castro Sobrinho, secretário municipal de Educação à época, é acusado pelo MP de ter autorizado a obra sem licitação prévia e posteriormente autorizado o pagamento à empresa executante em valor superior ao indicado pela Controladoria Geral do Município. Atualmente, ele é presidente do Conselho Estadual de Educação do Maranhão.
Em sua defesa apresentada em 2024, alega ausência de dolo, argumentando que a obra já estava em andamento quando de sua nomeação para o cargo e que os pagamentos foram realizados com base em pareceres técnicos e com a chancela da CGM. Ele também invoca o princípio da vedação ao enriquecimento ilícito da Administração e refuta o relatório posterior da CGM que apontou irregularidades, considerando-o extemporâneo e subjetivo.
O Atual7 procurou a defesa de Geraldo Castro Sobrinho via e-mail enviado no dia 9 de dezembro, para obter manifestação a respeito das acusações e sobre o fato de a ação tramitar há quase 7 anos sem conclusão, mas não houve retorno.
João Luna Arruda Filho, que atuava como Assessor Técnico de Engenharia Civil e Arquitetura da Semed, é acusado de negligência no acompanhamento e fiscalização da obra. Segundo o MP, ele teria recebido a obra com irregularidades e inconsistências apontadas pela Controladoria, subsidiando o pagamento irregular à empresa executante.
Luna Filho foi citado em fevereiro de 2023, mas não apresentou defesa, sendo declarado revel. Ele não possui advogado constituído nos autos. O Atual7 não conseguiu localizar o contato dele nem de sua defesa.
Já a Construtora Cardoso é acusada de ter executado obra pública sem licitação, entregado o objeto de forma irregular e incompleta e recebido valores superiores ao serviço realizado. Em defesa prévia apresentada em 2019, a empresa alegou que não sabia que o terreno era de propriedade particular, foi informada de que a obra seria emergencial e que o processo para formalizar a contratação estava em andamento. A empresa também sustenta que apenas após o término da obra soube que a contratação não havia sido formalizada e que as irregularidades apontadas pela CGM foram prontamente corrigidas.
O Atual7 enviou e-mail à empreiteira, em 9 de dezembro, solicitando posicionamento sobre as acusações e o fato de estar há quase 7 anos sem conseguir ser citada validamente no processo, mas a tentativa de contato não teve resposta.
Risco de prescrição
A demora processual pode levar à prescrição da ação. O risco ocorre porque, embora o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha decidido que o ressarcimento ao erário é imprescritível, a Lei 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, estabeleceu prazo prescricional de 8 anos para atos que causam dano ao erário.
No caso, os fatos ocorreram entre 2013 e 2014 e a ação foi ajuizada em 2019, interrompendo a prescrição. Contudo, a demora de quase sete anos sem conclusão da fase inicial pode configurar a chamada prescrição intercorrente, pela inércia processual, ou violação ao princípio constitucional da razoável duração do processo.
O Atual7 questionou o Ministério Público sobre a avaliação do órgão quanto ao risco de prescrição e sobre os principais obstáculos à tramitação do processo, mas não obteve retorno.
Quase sete anos depois, o processo ainda não conseguiu citar todos os réus. Atualmente, o processo está suspenso, aguardando o retorno da Carta Precatória enviada para citação da Construtora em Gonçalves Dias. Durante a suspensão, nenhum ato processual pode ser praticado.
O espaço permanece aberto para manifestações.
