Um dos alvos da quarta fase da Operação Sem Desconto da Polícia Federal (PF), apontado nas investigações como o “operador jurídico e financeiro” do ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, o advogado gaúcho Gilmar Stelo é um velho conhecido de sindicatos que buscavam se credenciar na modalidade de descontos associativos da autarquia adotada por entidades investigadas no esquema que lesou milhões de aposentados.
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Segundo a PF, o advogado recebeu R$ 900 mil repassados pela Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) como propina para Stefanutto. Por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, ele foi alvo de busca e apreensão e passou a usar tornozeleira eletrônica.
Em maio passado, mostramos que dois dirigentes sindicais relataram terem sido abordados por ele para negociar a inclusão de suas entidades no cadastro de autorizadas pelo INSS a fazer os descontos.
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De acordo com essas fontes, que pediram para não serem identificadas, Stelo teria sido indicado por Marcelo Panella, chefe de gabinete do então ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, para a negociação.
Nas reuniões com os sindicalistas, o advogado teria exigido a contratação de uma consultoria para receber 20% de tudo o que o sindicato apurasse com o desconto associativo. Segundo os relatos, a promessa era que, uma vez feito o acerto, a entidade passaria a receber as listas com nomes das pessoas que iam se aposentando pelo INSS para incluir entre seus supostos associados.
Panella, que também é tesoureiro nacional do PDT, nega ter feito qualquer “tratativa relacionada aos sindicatos e ao INSS”. Lupi, por sua vez, se demitiu da pasta no início de maio após um processo de fritura no Palácio do Planalto.
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Em abril, Stelo também negou qualquer vínculo com o esquema. As investigações, porém, mostram que seu papel no esquema era exatamente o mesmo que representou nas reuniões com os sindicalistas, no início do ano.
Segundo o relato dos sindicalistas à coluna, eles estavam tendo dificuldades em obter o aval para seus Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) – que, na prática, serviam para autorizar as entidades a descontar mensalmente do benefício dos aposentados o pagamento por serviços como seguro de vida, auxílio funeral e outros. Por isso foram procurar o chefe de gabinete de Lupi, que por sua vez indicou o advogado para resolver a questão.
No contrato, a que tivemos acesso, consta que a consultoria teria validade enquanto perdurasse o acordo de cooperação técnica. O documento prevê ainda confidencialidade absoluta, mediante pena de rescisão, e o emprego da “mais moderna tecnologia existente no mercado para a concretização dos objetivos propostos”.
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Mas, embora seja explícita a cobrança de 20% sobre o faturamento com os convênios, o contrato não menciona nem o fornecimento de listas e nem comissão por intermediação, e sim a “prestação de serviços de informática e tecnologia da informação”.
Um dos sindicatos preferiu não fechar negócio. Pouco tempo depois, foi realizada a primeira etapa da operação da PF sobre o esquema de descontos ilegais de aposentados.
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Ao representantes do segundo sindicato, o advogado entregou um documento já assinado eletronicamente por Renan dos Santos de Freitas Bastos, também advogado e de 27 anos, em nome de uma consultoria que até agora não foi alvo da PF: a São José, sediada em Campinas e registrada na Receita Federal em novembro de 2024. Na intermediação feita com Stefanutto e a Conafer, a consultoria utilizada por Stelo era outra.
Ficou combinado que o contrato seria fechado depois que o cadastro fosse realizado, o que não chegou a ser feito porque a operação da PF aconteceu antes.
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O modus operandi descrito pelos sindicalistas é o mesmo que consta nas apurações da Polícia Federal, que destrincha como servidores do INSS e outros integrantes do esquema contribuíram para que entidades tivessem acesso aos valores descontados sem a anuência dos pensionistas.
De acordo com as investigações, onze entidades descontaram mais de R$ 6,3 bilhões de cerca de 6 milhões de brasileiros sem autorização.
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Muitos desses contratos só foram fechados com a conivência de Alessandro Stefanutto, escolhido para comandar o INSS pelo ministro Lupi, afastado por decisão da Justiça e posteriormente exonerado do cargo por ordem do presidente Lula, em abril passado.
Para a Polícia Federal, a participação de Stefanutto no esquema da Conafer começou justamente com a “facilitação jurídica para a celebração do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) em 2017”, ainda como procurador-geral da autarquia.
No início das apurações, os investigadores já apontavam que Stefanutto atropelou os pareceres de técnicos da divisão de benefícios e da procuradoria do INSS que se manifestaram contra a liberação de descontos sem a biometria dos beneficiários das aposentadorias, alegando que todo o processo deveria respeitar a norma determinada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e regulamentada por normativas do próprio instituto.
Quando procurado, Gilmar Stelo disse não conhecer nenhum dos citados pelos dirigentes sindicais e afirmou jamais ter conversado com Marcelo Panella. Alegou, ainda, desconhecer a consultoria de São José e não ter advogado para o PDT, além de negar ter qualquer envolvimento com o esquema das aposentadorias.
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Panella, por sua vez, declarou “não fazer a menor ideia de quem sejam” Renan, Sidnei e Stelo e disse não ter “relação comercial e/ou profissional com nenhuma consultoria”. O chefe de gabinete de Lupi, porém, não comentou os relatos dos dois dirigentes sindicais ouvidos pela equipe da coluna.
Sidnei não retornou o contato. O espaço segue aberto. Renan dos Santos de Freitas Bastos, o sócio da São José, não foi localizado pela reportagem.
