Home » Apenas 15% das negras e 11% dos negros têm diploma universitário; proporção entre brancos é mais que o dobro

Apenas 15% das negras e 11% dos negros têm diploma universitário; proporção entre brancos é mais que o dobro

by admin

O Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) lançou, nesta terça-feira (25), uma radiografia abrangente da escolaridade no Brasil, baseada em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O estudo revela que, apesar de registrar avanços impulsionados por políticas afirmativas, como a Lei de Cotas, a equiparação educacional entre negros e brancos está longe de se concretizar.

Dentre as conclusões do relatório, a ampliação da desigualdade no topo da pirâmide educacional, com um impacto ainda mais severo para o recorte de gênero, é uma das grandes preocupações. O levantamento destaca que apenas 14,9% das mulheres negras acima de 25 anos concluíram o ensino superior. Em contraste, a proporção de mulheres brancas com diploma é o dobro, 30,3% em 2023.

Há 11 anos, 7,9% das mulheres negras concluíram uma graduação, enquanto 19,8% das mulheres brancas tornaram-se graduadas. Com isso, a distância entre os grupos femininos se acentuou, passando de 11,9 pontos percentuais (p.p.) em 2012 para 15,4 p.p. em 2023.

Apesar da desigualdade gritante, Hélio Santos, presidente do Conselho Deliberativo do Cedra, destaca o avanço da escolaridade entre mulheres negras. “Não há nenhum movimento hoje, mais ativo, mais dinâmico no país do que o das mulheres negras. Então, eu tenho que ser otimista. As mulheres negras, de longe, constituem o grupo que mais se articula na sociedade brasileira.”

Para Thales Vieira, diretor de programas e estratégias do Observatório da Branquitude, uma das organizações apoiadoras do Cedra, é preciso desenvolver um corpo de políticas que cubram as necessidades reais das mulheres negras nas faculdades. “É necessário garantir bolsas de permanência que sejam adequadas à realidade de mulheres negras, que são a maior parte das chefes de família, como creches universitárias gratuitas em horário integral, auxílio moradia, transporte, alimentação, programas de mentoria e apoio psicológico, por exemplo.”

Disparidade igual com homens negros

Uma situação parecida com a das mulheres negras ocorre entre os homens negros. Em 2012, apenas 5,3% dos homens negros (acima de 25 anos) tinham concluído a universidade, contra 19,8% dos brancos. Mais de uma década depois, em 2023, o percentual de negros subiu para 11,2% e o de brancos alcançou 25,9%. Apesar da melhora para ambos os grupos, a disparidade se agravou: aumentou de 12,1 pontos percentuais em 2012 para 14,7 pontos percentuais em 2023.

Esse dado é o maior marcador de desigualdade no acesso ao mais alto nível de escolaridade analisado. Como reforça o relatório, esse pequeno contingente de mulheres negras formadas continua enfrentando “severas dificuldades” no mercado de trabalho, onde as mulheres já recebem salários inferiores aos dos homens, evidenciando o efeito corrosivo da intersecção entre as desigualdades racial e de gênero.

No geral, o percentual de pessoas brancas acima de 25 anos que concluíram o Ensino Superior é cerca de 2,4 vezes maior que o de pessoas negras, reforçando a maior presença de brancos nas universidades.

A desigualdade estrutural se manifesta de forma acentuada também nas faixas etárias mais maduras e com maior escolaridade. Entre 2012 e 2023, pessoas brancas de 40 a 49 anos apresentavam mais que o dobro do percentual de negros com Ensino Superior completo, tanto no grupo feminino quanto no masculino.

Em ambos os recortes raciais, as mulheres demonstraram maior escolaridade que os homens, evidenciando uma vantagem educacional feminina que se sustenta ao longo das gerações. Ainda assim, a desigualdade racial é gritante: mulheres brancas dessa faixa etária formadas em uma faculdade são mais que o dobro das mulheres negras, representando 27,6%, enquanto que somente 12,9% das mulheres negras se formaram nesse período.

Entre os homens, a desigualdade piora: 8,8% dos homens negros se formaram entre 2012 e 2023, e 22,4% dos brancos conquistaram esse feito.

Segundo Marcelo Tragtenberg, conselheiro do Cedra, doutor em Física Estatística, professor de física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os dados levam a entender que as mulheres brancas estão muito próximas dos objetivos do Plano Nacional de Educação (PNE) que foi até 2024, o que não ocorreu com as mulheres negras. “A meta diz que 33% dos jovens entre 18 e 24 anos devem estar no ensino superior e as mulheres negras estão muito distantes.”

Importância das cotas

Cristina Lopes, diretora executiva do Cedra, aponta que as matrículas em ensino superior da rede pública representam somente 20% do total de matrículas nas universidades, somando públicas e privadas. Entretanto, seu efeito sobre a população negra é histórico, ela afirma que as cotas raciais viraram o jogo para essa população. “Um dado do Centro de Educação Superior de 2019 mostra que na graduação pública, os estudantes negros passam de minoria em 2014 para maioria no ensino superior em 2019. Ou seja, quando a gente está olhando especificamente para as universidades públicas, dá para perceber como as cotas incidem.”

“Não há nenhuma política pública estabelecida nos 525 anos de Brasil que reduziu mais desigualdade do que as cotas raciais na universidade”, afirma Hélio Santos, presidente do Conselho Deliberativo do Cedra, lembrando que é preciso instituir melhor ações afirmativas sistêmicas, como aprimorar as políticas de permanência. “Nós temos que desenvolver a permanência não só de negros, mas também de brancos empobrecidos.”

Por outro lado, Vieira lembra que há um contrassenso de estudantes negros entrando no ensino superior, mas majoritariamente em instituições e cursos de menor prestígio, o que denota uma possibilidade de aumento de desigualdade, uma vez que o diploma se torna mais acessível. “À medida que o diploma vai se tornando mais acessível o valor de mercado vai se estratificando, então o diploma não vai ter o mesmo peso que já teve. Obviamente, quando você olha para a diferença entre universidades privadas de baixo custo para universidades públicas ou universidades privadas de alto custo, como FGV, ou como PUC, isso vai acentuando essa diferença e isso vai gerar essa diferença salarial entre pessoas brancas e pessoas negras.”

Diante disso, o diploma de “baixa qualidade”, embora seja um diploma, não garante exatamente uma mobilidade social efetiva. “Ele garante uma baixa mobilidade social”, pondera o pesquisador do Observatório da Branquitude.

Sem instrução ou ensino fundamental incompleto

No geral, os homens negros estão em desvantagem quando o assunto é conseguir completar os estudos nas escolas. Em 2023, 21,3% dos jovens negros de 15 a 19 anos não haviam concluído o ensino fundamental; em comparação, 12,9% dos brancos não conseguiram finalizar essa etapa de ensino. Em 2012, entre homens jovens negros de 15 a 19 anos, 40,8% tinham Ensino Fundamental incompleto contra 24,4% dos brancos.

A desigualdade entre mulheres negras e brancas com ensino fundamental incompleto foi reduzida de 12,3 p.p. para 7,8 p.p. no período. Contudo, o percentual de 31,6% de mulheres negras em 2023 que não concluíram essa etapa se equiparava ao patamar de 32,4% observado entre as mulheres brancas lá em 2012.

No que se refere ao Ensino Médio, a estagnação é um sinal de alerta para os jovens. O percentual de jovens de 20 a 24 anos negros e brancos com Ensino Médio incompleto permaneceu praticamente inalterado. Enquanto a taxa de negros se manteve em 13,0% em ambos os anos, a de brancos variou de 8,8% para 7,6%, resultando em um ligeiro aumento da distância entre os grupos raciais.

“Pesquisas nacionais evidenciam o fraco rendimento escolar” | Crédito: Tânia Rego/Agência Brasil

De acordo com Tragtenberg, o dado é extremamente grave. “Isso é um negócio bastante preocupante, porque se não tem o ensino fundamental completo, não terão ensino médio completo, não terão ensino superior completo. Então, o que a gente pode esperar é uma reprodução da desigualdade racial entre os idosos na educação.”

Espera-se que programas como o Pé-de-Meia possam influenciar nessas taxas no futuro. “Como que o econômico vai incidir na questão racial? Se vai diminuir e as diferenças ou não, vamos ver, aguardar os próximos capítulos. Vai ter um impacto socioeconômico, obviamente”, afirma o pesquisador.

Já para Santos, o Pé-de-Meia sinaliza uma melhora no cenário pois encaminha os estudantes a prestarem vestibulares. “Ele diz o seguinte: o seu ensino é médio. Você tem que tentar o vestibular, você vai ganhar inclusive um prêmio para isso. Então, eu deposito muita confiança no Pé-de-Meia, mas não só nisso, há uma melhoria importante que acontece para a população negra em razão dessas políticas, para mim está evidenciado que nós temos que radicalizar as políticas de ações afirmativas.”

Analfabetismo estagnado

Se no nível superior a distância se amplia, na base da escolaridade as disparidades permanecem “cristalizadas”.

Em 2023, a taxa de analfabetismo entre mulheres negras (acima de 15 anos) atingiu 6,6%, o que representa o dobro da taxa registrada entre mulheres brancas (3,3%). Em 2012, o analfabetismo entre mulheres negras acima de 15 anos era 10,8%, e entre mulheres brancas era 5,1%. Embora a desigualdade tenha se reduzido levemente, a proporção de mulheres negras analfabetas é duas vezes maior que a das brancas.

Em 2012, os jovens negros de 15 a 29 anos tinham uma taxa de analfabetismo de 2,4% e jovens brancos tinham menos da metade, chegando a 1,1%. Em 2023, o analfabetismo caiu consistentemente entre as pessoas mais jovens e negras, de forma que se tornou menor do que o que os brancos tinham em 2012. Em 2023, a taxa dos jovens negros passou para 0,9% e a dos jovens brancos, para 0,6%.

Essa desvantagem se repete em faixas etárias específicas, como a dos idosos (60+), onde o analfabetismo em 2023 era de 22,1% para pessoas negras, contra 8,7% para brancas, uma diferença de 13,4 pontos percentuais.

Apesar dos avanços na alfabetização, a desigualdade entre homens acima de 15 anos persiste. Em 2012, a taxa de analfabetismo entre homens negros (11,5%) era mais que o dobro da registrada entre homens brancos (4,8%).

Mais de dez anos depois, em 2023, essa proporção se manteve, com 7,4% dos homens negros ainda nessa condição, em comparação com 3,4% dos brancos. Mesmo com a queda geral das taxas, o hiato racial continua expressivo, evidenciando que a população negra permanece em desvantagem.

Entre os idosos, o número segue mais alto. Foi de 36,0% entre os negros e de 15,4% entre as brancas em 2012. Já em 2023, foi de 22,1% para idosos negros e 8,7% para brancos. Embora o analfabetismo tenha sido reduzido nos dois grupos, a diferença permanece expressiva.

Nesse sentido, a falta de escolarização entre pessoas com mais de 60 anos, bem como o pouco letramento digital, devem impactar o futuro dessa camada da população. “Tem uma dimensão bastante preocupante também quando a gente pensa em como o mundo está se tornando cada vez mais digital e como essas pessoas estão ficando ainda mais à margem. Há várias questões que envolvem o cotidiano dessas pessoas que também vai ser dificultado por conta do analfabetismo e da dificuldade também do acesso a um letramento digital.”

Por fim, Tragtenberg destaca que o estudo aponta para uma melhora geral no panorama educacional brasileiro, porém, quando se fala de desigualdade racial, ela só diminui no analfabetismo e nas pessoas sem ensino fundamental. “Ela aumenta no ensino médio e aumenta no ensino superior com a política de cotas, as cotas só incidem no público e as políticas no privado são muito tênues: 10% de cota para Prouni e Fies é muito pouco.”

Programas sociais como o Bolsa Família justificam, na visão de Thales Vieira, os avanços gerais apontados no estudo. Eles indicam que houve uma certa eficácia nas políticas implementadas há 11 anos, sugerindo que as cotas são apenas um dos pontos de uma mudança que começou na base.

“O Bolsa Família manteve crianças pobres na escola com merenda escolar, transporte para áreas remotas e maior fiscalização sobre a frequência escolar que criou condições para que esses jovens pudessem chegar ao ensino superior, ensino médio, para avançarem na trajetória escolar de uma forma inédita”, conclui o pesquisador do Observatório da Branquitude.

Créditos

You may also like