Jogadores de alto rendimento atuam mesmo com dores na maioria das partidas. Médico do Botafogo, Gustavo Dutra explicou o assunto em entrevista ao canal “Resenha com TF” e citou um caso específico, de Arthur Cabral, que jogou um clássico este ano com a mão quebrada.
– 80% dos jogos (atletas jogam com dores)). Como que funciona esse mecanismo, essa estratégia, esses sintomas? Todos os atletas são estudados diariamente, estudados, tudo monitorado. Sono, musculatura, articulação, regeneração, recuperação. Controle de treino, carga de treino, o que faltou para a carga externa, se faltou aceleração, se faltou desaceleração, se faltou manter uma zona de treinamento físico em determinado treino, tudo é monitorado e nada é passado em branco. Tanto que às vezes faltou no treino de hoje, esse cara amanhã tem que fazer. Dando um exemplo. E para dores, mesma coisa. Então, a performance é uma linha muito tênue entre a lesão ou a manutenção da performance sem a lesão. Para isso você controla a minutagem do jogador, quais os tipos de ações que o jogador vai fazer no treino para ele conseguir ou não fazer no jogo. E se o jogador está na iminência de lesionar? Nós sabemos. Tem como saber. Tudo. Marcadores bioquímicos, cansaço excessivo, termografia, ultrassonografia, exames mais de padrão ouro como ressonância magnética, dor muscular que não melhora, mesmo com as estratégias fisioterápicas e nutricionais e de sono. Sono é o principal, mas tudo bem, às vezes o sono não é adequado, se tem filho pequeno, está com obra em casa, sei lá – iniciou Gustavo Dutra.
– Mais estratégias nutricionais e da fisioterapia para acelerar esse processo. A gente sabe que ele pode lesionar, mas todo mundo em reunião resolve se aquele atleta, e com a ciência e o OK do próprio atleta, se ele quer ir ou se ele não quer ir. Então está todo mundo ciente, todo mundo na mesma página. O médico, o coordenador de performance, o fisiologista, o diretor, o jogador, o treinador, todos na mesma página. Eu quero ir. E aí agora que já acabou a temporada, eu vou falar aqui, o jogador que teve uma fratura na mão num jogo, nosso jogador, e quis continuar no jogo. Arthur Cabral. Contra o Flamengo, primeiro tempo, entro eu para atender, o dedo está aqui em cima, eu achava que era o dedo, mas não era o dedo, porque tinha fraturado mesmo, uma fraturazinha do metacarpo, que é um osso da mão. Reduzi, alinhei, “calma aí, deixa eu fazer imobilização. Não doutor, não faz imobilização nenhuma, deixa eu voltar assim, quero voltar”. Voltamos com menos um, falei “calma aí, cara, um minuto”. “Não, um minuto não, muito tempo”. Mas já estava acabando, faltavam uns oito minutos, dez minutos para acabar, ele foi homem pra cacete ali, porque estava quebrado e eu vi. Antes eu achava que era o dedo, mas ali na hora e depois eu botei a mão, era a mão, não era o dedo. Essse cara jogou, foi para o vestiário, fizemos uma bandagem, ele voltou para o jogo e só depois, obviamente, você vai diagnosticar, então atleta aqui, o médico está de acordo, porque ali é performance – explicou.
O caso foi parecido com o do goleiro Safonov, herói do título do PSG na Copa Intercontinental ao defender quatro pênaltis contra o Flamengo, mesmo com a mão quebrada.
– Se a gente tem um diagnóstico, como foi desse goleiro lá do PSG, não sei se foi no jogo, não sei se foi no pênalti, não sei se foi no treino, não importa, o goleiro que ir jogar, se ele não quer jogar ele não joga. O Arthur quer jogar, se ele não quer jogar ele não joga. Porque primeiro é a saúde dele e ele tem que saber os prós e contras. E o treinador está de acordo? Lá no PSG, provavelmente, o treinador estava de acordo, o treinador de goleiro estavas de acordo, todo mundo de acordo, médico de acordo, diretor de acordo, se der problema, tiver que operar a mão do cara, “não, mas estamos em uma final de mundial, topa, vamos seguindo”. Assim como Cabral, um jogo muito importante, principal rival, time que acabou sendo campeão com méritos, brasileiro, e ele jogou. Aí foi para o vestiário, medicamos ele, melhorou um pouquinho a bandagem e foi para o jogo, jogou mais um tempo, no segundo tempo. Depois passa a jogar após duas semanas só, porque foi uma lesão quase cirúrgica na mão, por mais um pequeno desvio daquele fragmento fraturado, tinha que operar. Não operou, tratamos conservador e ele depois de duas semanas aceitou jogar, que era o mínimo de tempo para ele treinar com uma adaptação, com uma órtese. Ou seja, o cara foi jogando e treinando daquela forma, ele quis, o treinador quis, eu dei OK, o diretor estava de acordo, ou seja, todo mundo de acordo, então isso acontece, para esses casos – comentou Gustavo Dutra.
– E tem assim para lesões musculares, tem assim para quem tem alguma instabilidade ligamentar, por estiramentos ligamentares, joelho, tornozelo, qualquer que seja, goleiro às vezes no ombro, então também pode acontecer. Todos na mesma página, a gente libera para performance. Se o jogador é da base, não tem conversa, base é a academia, academia é base, é formação do cidadão e do atleta, então você tem que ter muito mais tranquilidade para gerir um menino desse, uma menina dessa, se for atleta, calma aí, tem a carreira inteira, ainda não chegou no futebol profissional. Deixa esse cara aqui três semanas treinando, adaptado, consolida bonitinho essa mão, e depois ele volta a jogar com menos risco. Sendo mão, sendo joelho, sendo coxa, sendo o que for. Mas ali no futebol profissional é alta performance, tem que ganhar, outro resultado não é permitido. A gente tem a nossa metodologia, filosofia de jogar, jogar bonito etc e tal, mas você tem que ganhar. Se você perguntar para os torcedores o que é melhor, jogar feio e ganhar e jogar bonito e não ganhar… 2023 nós fizemos o primeiro ano mais fantástico da história, você lembra quantos jogos nós jogamos bonito e quantos nós fomos eficientes? Eu quero é isso, para isso o jogador tem que estar voando em campo, e aí, cara, são 40 pessoas trabalhando, isso no Botafogo. Nos outros clubes pode ter mais, pode ter menos, tem clube que é mais estruturado do que nós, hoje nós já temos muitas coisas, mas estamos nos estruturando cada vez mais. Então são 40 pessoas para botar os caras, desde a comida até o cara que vai dar o treino técnico ou físico, o que for ali, então assim, é muita gente para dar o suporte, então isso é que é bacana – detalhou.
