Por Caroline Oliveira – Brasil de Fato
Cerca de 75% dos chamados abertos para poda de árvores por moradores do distrito de Itaquera, no extremo leste de São Paulo (SP), não foram atendidos pela prefeitura. Dados obtidos pelo Brasil de Fato por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), apontam que a região é a menos assistida por esse tipo de serviço na capital. Entre janeiro e setembro de 2025, apenas 466 solicitações do total de 1886 foram atendidas, um percentual de 24,7%.
Em toda a cidade, até 30 de setembro deste ano, 19.175 solicitações do serviço de Poda e Remoção de Árvores, feitas por meio do Portal SP156, estavam em aberto. O número representa 9,74% dos 196.777 pedidos feitos entre janeiro e setembro de 2025.
A demora da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diante da demanda ganha ainda mais relevância com a intensificação das chuvas na chegada do verão. O manejo arbóreo é uma das principais ações preventivas para evitar acidentes e preservar infraestruturas essenciais, como a rede elétrica.
Em dezembro do ano passado, somente da madrugada do dia 20 para o 21, pelo menos 70 árvores caíram na capital, de acordo com a Defesa Civil Estadual. No mesmo dia, 660 mil imóveis ficaram sem luz, segundo a concessionária de energia da capital, a Enel. Dois meses antes, em outubro, uma tempestade provocou a queda de pelo menos 967 árvores e deixou cerca de 2,6 milhões de imóveis sem energia por, em média, 35 horas.
Segundo Antônio de Pádua Cruz, engenheiro agrônomo e mestre em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (USP), um dos objetivos da poda é a prevenção de acidentes e queda de galhos secos, que, “numa situação de tempestade ou algo parecido”, podem causar “acidentes graves, particularmente na rede elétrica, ou caindo em cima de automóveis, casas ou pessoas”.
“Isso é realmente perigoso, causando situações desconfortáveis e todos esses transtornos. Nessa época das chuvas, em clima tropical, temos tempestades com ventos fortes. Esses galhos encostando na fiação podem derrubar ou cortar a rede ou causar curtos-circuitos graves, deixando a população sem energia por algum tempo. Então, o corte, a poda, aquilo que chamamos de poda de condução, tem que ser feito considerando também a rede elétrica”, explica o engenheiro.
Cruz explica ainda que as podas devem ser feitas preferencialmente durante o período que vai de maio a agosto, entre o outono e inverno, para facilitar a recuperação da árvore, tendo em vista que a poda também é um tipo de agressão. No entanto, a prefeitura tem feito o contrário. De acordo com os dados levantados por LAI, o percentual de pedidos de podas atendidos diminuiu consecutivamente, mês a mês, de janeiro a setembro. No início do ano, a prefeitura atendeu a 88,4% dos pedidos. Em maio, esse percentual caiu para 77% e, em agosto, para 57,5%.
“Se você faz essa poda na primavera ou no verão, a árvore está em fase de crescimento e produção de folhas, então vai sentir mais. No inverno, devido à seca e às temperaturas mais baixas, podemos dizer que ela está em dormência, com metabolismo menor. Então ela vai sentir menos a poda”, afirma.
Além da manutenção das copas, é fundamental monitorar o sistema radicular das árvores. Cruz explica que quando as raízes são comprimidas pelo concreto da calçada e das ruas, por exemplo, também há risco para a área ao redor. “Se, de alguma forma, a raiz está comprometida, tanto em desenvolvimento quanto em eficiência de funcionamento, é lógico que isso coloca a árvore em risco, podendo causar sua morte ou secamento. Isso é um problema sério, porque essas raízes muito grandes também podem danificar os sistemas de esgoto e de água das casas”, acrescenta.
De acordo com o Manual Técnico de Poda de Árvores, produzido pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, a poda correta contribui para o desenvolvimento saudável das árvores e, consequentemente, com a arborização da cidade. Nesse sentido, Renata Falzoni (PSB), vereadora conhecida por atuar em prol do meio ambiente na cidade, afirma que o “problema não está apenas no volume de pedidos atendidos”, mas também em podas desnecessárias, mal executadas ou feitas sem supervisão técnica.

A parlamentar cita o caso de árvores que não crescem adequadamente por estarem comprimidas entre as calçadas e o asfalto. “Sem esse espaço, a árvore perde sustentação e fica vulnerável. Com os eventos climáticos extremos, com ventos cada vez mais intensos, a fragilidade se transforma em risco real e afeta diretamente a rede elétrica”, argumenta.
Para Falzoni, o manejo arbóreo precisa ser parte da política de infraestrutura da cidade, o que requer equipes qualificadas e ampliadas, orçamento e uma compreensão do manejo técnico adequado. Por exemplo, “sem oferecer às árvores históricas esse pedaço livre de terreno que elas precisam para desenvolver raízes fortes, vamos continuar vulneráveis às quedas e aos impactos nas tempestades”.
A vereadora Silvia Ferraro (Psol), acusa a Prefeitura de São Paulo de lentidão no atendimento das solicitações de poda, “criando um acúmulo de demanda que já se tornou estrutural”. “A poda é essencial para a saúde das árvores e para reduzir riscos à infraestrutura urbana e acidentes. Quando a Prefeitura se omite dessa responsabilidade, aumenta a probabilidade de queda de galhos sobre a rede elétrica, causando interrupção de energia e prejuízo direto à população”, conclui.
Itaquera x Pinheiros
O distrito de Itaquera é seguido pelas regiões de Cidade Tiradentes, com 28,3% dos pedidos atendidos, Pirituba-Jaraguá (39,6%), Casa Verde-Cachoeirinha (42,3%) e Vila Maria-Vila Guilherme (46,1%). No ano passado, no mesmo período, Itaquera esteve na mesma posição, com somente 37% dos pedidos atendidos.
A discrepância orçamentária entre regiões da cidade para Manutenção e Operação de Áreas Verdes e Vegetação Arbórea ajuda a explicar porque alguns lugares têm mais pedidos de podas atendidos do que outros. Segundo dados do Portal da Transparência da Prefeitura de São Paulo, a Subprefeitura de Itaquera tem um orçamento atualizado de R$ 9,4 milhões para Manutenção e Operação de Áreas Verdes e Vegetação Arbórea, enquanto o distrito de Pinheiros, que inclui a região dos Jardins, tem R$ 16,5 milhões. A título de comparação, Pinheiros teve 93,3% dos pedidos de poda de árvores atendidos entre janeiro e setembro deste ano.
Mas a diferença entre os recursos não explica todos os casos. Por exemplo, embora Itaquera registre o menor índice de resposta, o distrito dispõe de um orçamento atualizado maior do que o de Jabaquara, que teve 100% das solicitações de podas atendidas, por exemplo. Enquanto o distrito da zona sul atendeu todas as 1.053 solicitações registradas, com R$ 7,6 milhões destinados à manutenção de áreas verdes, Itaquera executou apenas 24,7% dos pedidos apesar de contar com R$ 9,4 milhões para as mesmas atividades.
Jabaquara é seguido por Guaianases (98,9%), Vila Prudente (97,4%), Aricanduva (97%) e Parelheiros (96%), o que mostra também que a variação no atendimento está espalhada pelo território e não obedece a um padrão claro entre áreas centrais e periféricas.
Segundo Juliana Gatti, presidente do Instituto Árvores Vivas e conselheira do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), afirma que não necessariamente um orçamento maior significa mais podas, uma vez que determinadas áreas podem exigir podas mais complexas do que outras, por exemplo.
“Um ponto é o nível de complexidade quando a árvore está próxima a equipamentos elétricos, fiação, distribuidores, fontes de energia. Só equipes capacitadas podem atuar nesses casos, porque são situações de risco de vida. Vale averiguar se a baixa execução de podas pode refletir falta de equipamentos adequados, capacitação, manutenção ou infraestrutura de apoio”, ainda que haja orçamento para isso, afirma.
Gatti também argumenta que “não está claro se esse orçamento analisado é apenas para árvores individuais em ruas e calçadas, ou se inclui áreas verdes, praças e parques. Isso seria importante verificar, porque áreas como as da Zona Sul têm parques grandes e áreas naturais importantes. Falta clareza se existe uma linha de orçamento separada para parques, praças e áreas verdes, diferente do orçamento de manejo arbóreo de vias públicas”.

Para o enfrentamento da crise climática
Na avaliação de Rodrigo Iacovini, diretor-executivo do Instituto Pólis, o tema da arborização urbana é fundamental para o enfrentamento da crise climática e deveria ser tratado como parte de uma política integral de cuidado com o meio ambiente, o que “inclui as podas, o plantio e a manutenção desses espaços”.
“Isso significa ter uma boa legislação de base, metas e indicadores claros de melhoria da condição atual e pensar na priorização do atendimento. Nesse caso, por exemplo, a zona leste deveria ser um território priorizado para melhorar a arborização, não só com novos plantios, mas também com a manutenção. A poda faz parte de garantir que a árvore viva mais tempo, prolongando a vida dos espaços verdes”, afirma o urbanista.
Iacovini destaca que a manutenção arbórea não é importante apenas como cuidado da paisagem urbana, mas também é essencial para evitar riscos à rede elétrica, à infraestrutura urbana e à população. “Faz parte de uma política integral de cuidado com a paisagem urbana garantir a manutenção das árvores e da vegetação para que elas não afetem outros serviços básicos. Isso inclui evitar que caiam sobre a fiação elétrica e deixem regiões inteiras sem energia durante tempestades ou eventos climáticos extremos”, diz.
O pesquisador enfatiza que, “além da fiação elétrica, vários outros serviços podem ser atingidos quando não se cuida adequadamente da vegetação. Galhos e troncos podem cair sobre pessoas, casas, prejudicando o direito à moradia. Podem entupir bueiros e sistemas de drenagem, que são essenciais diante dos eventos extremos de chuva”.
Baixo número de servidores
Ainda de acordo com o levantamento da reportagem, o distrito Itaquera tem apenas dois engenheiros agrônomos concursados responsáveis pela elaboração de laudos técnicos e pela autorização de podas. O número é similar ao dos outros distritos, que varia de um a cinco servidores públicos.
Para Silvia Ferrado, “a cidade enfrenta um problema sério por causa do déficit de profissionais especializados na área ambiental. Sem um quadro técnico adequado, não existe capacidade operacional para dar conta das demandas de poda e manejo arbóreo, o que ajuda a explicar a baixa execução no distrito”. Em suas palavras, “é urgente que a Prefeitura abra concursos públicos não apenas para engenheiros agrônomos, mas também para analistas e gestores ambientais e outras carreiras correlatas”.
Na mesma linha, Renata Falzoni classifica o número de engenheiros concursados como insuficiente para uma metrópole do porte de São Paulo. “Não dá para esperar que uma equipe tão pequena dê conta de autorizar podas, avaliar riscos, acompanhar serviços e cuidar de um patrimônio arbóreo que ultrapassa um milhão de árvores”, afirma.
“Ampliar essas equipes é urgente. Em períodos de chuvas fortes, com ventos de alta velocidade cada vez mais comuns, uma estrutura reduzida não atende a cidade. O resultado aparece nas 19 mil solicitações pendentes e no aumento de quedas que poderiam ser evitadas com manejo adequado e planejamento de longo prazo”, diz.
A poda das árvores no município de São Paulo é de responsabilidade das subprefeituras e deve ser solicitada em algum dos canais SP156 ou presencialmente por meio de um formulário. Em seguida, a solicitação é enviada para a Coordenadoria de Projetos e Obras (CPO) de cada subprefeitura, que analisa e executa o pedido através de uma empresa terceirizada.
No total, oito empresas prestam esse tipo de serviço para a cidade. Em Itaquera, a subprefeitura contratou a Hiplan Construções e Serviços de Manutenção Urbana Ltda, que também presta o mesmo tipo de serviço para outras duas áreas administrativas, por um valor total de R$ 18,5 milhões, de acordo com o ato de registro de preços.
Outro lado
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Prefeitura de São Paulo informou, por meio da Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB), que foram podadas 152.113 árvores e removidas outras 12.740 neste ano e que as equipes de manejo arbóreo aumentaram em 32%.
“Todo o trabalho de poda e remoção é feito seguindo as diretrizes do Manual de Arborização Urbana. A Subprefeitura Itaquera está realizando um mutirão de podas e já contabilizou 619 árvores podadas. Outras 410 estão programadas. O mutirão seguirá em andamento até a conclusão de todas as solicitações”, concluiu a pasta.
