A “bolha da IA” se alimenta de um ciclo perigoso de contratos cruzados entre gigantes como OpenAI, Oracle e NVIDIA, dentro da lógica do mercado financeiro, centralizada nos EUA e vulnerável a grandes perdas, analisa Lucas Zawacki, apresentador do canal TeClas, Tecnologia e Classe, e militante do coletivo Soberana e programador de software, para o BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato.
Esse quadro está em aproximação, até então inédita, entre os CEOs da tecnologia e o governo de extrema direita nos EUA, Zawacki é categórico: “No segundo governo Trump, a gente vê uma aproximação explícita. Eles têm jantares, o Trump faz um teatrinho. Isso tem a ver com o momento em que os EUA precisam ir diretamente para essas empresas pedir apoio, e elas também dizem: ‘Nós precisamos do apoio do governo para defender os nossos interesses, para conquistar mais mercados’”. O vice de Trump, J.D. Vance, é visto como o elo entre essa nova burguesia tecnológica e a base populista de direita.
A consequência prática dessa aliança, segundo ele, são decisões como o fim da checagem de fatos na Meta e um controle mais fino sobre plataformas como o TikTok para pautas de interesse de Trump. “O que a gente tem visto é uma maior inclinação das redes sociais para algumas das pautas dos EUA. É muito difícil apontar, mas a informação sobre a Palestina não roda tão bem, não é monetizada”, afirma, citando ainda contratos da empresa Palantir para deportação de imigrantes.
Sobre o frenesi em torno da Inteligência Artificial Geral (AGI), Zawacki adverte para o marketing por trás do conceito. “A definição que a gente vê nos press releases das empresas não é a acadêmica. Eles estão buscando um produto que possa gerar bilhões. Quando chegarem nisso, vão dizer que chegaram na AGI”. Ele destaca o conflito de interesse: as startups têm todo interesse em vender a iminência da superinteligência para atrair investimentos.
Bolha de IA
Quanto à “bolha da IA”, o analista explica que ela se alimenta de um ciclo perigoso de contratos cruzados entre gigantes como OpenAI, Oracle e NVIDIA, que sustentam o mercado acionário. “O perigo é que quando alguma coisa dá errado nesses loops, como uma perda de valor da NVIDIA, pode ser que a bolha venha ao chão. E seria uma coisa séria para a economia deles e global”.
A “merdificação” (enshittification) dos serviços digitais, como o aumento de anúncios e a piora das plataformas de streaming, é vista como uma contradição do capitalismo de plataforma. “O capitalismo gerou plataformas melhores pela competição, e as próprias contradições da competição, de ter que priorizar o lucro, pioram as plataformas”. Ele acredita que isso pode levar a um retorno da pirataria, agora com interfaces tão boas quanto as dos streamings pagos.
As recentes quedas globais de serviços como Cloudflare, AWS e Azure, para Zawacki, expõem a fragilidade de uma internet excessivamente centralizada nas mãos de poucas corporações estadunidenses. “Essa centralização econômica cria uma dependência da nossa internet aqui no Brasil. Nós perdemos bilhões se fica um dia desligada uma empresa com problema”.
Zawacki também critica o fenômeno da “psicose de IA”, onde pessoas desenvolvem relações pouco saudáveis com assistentes virtuais excessivamente bajuladores. O cerne do problema, para ele, é comercial. “Esses traços piores que reforçam coisas ruins para as pessoas podem ser ótimas maneiras de ganhar dinheiro, pensando em vender propagandas ou dados no futuro”.
Para 2026, a previsão de Zawacki é sombria, mas com um chamado à ação. “Acho que a bolha vai ter alguma coisa, e isso vai ensejar um momento de maior repressão e cooperação das Big Techs com o governo dos EUA. A coisa vai ficar feia e é pra logo”. Ele pede que usuários e governos preparem sua “soberania digital” e não dependam apenas de infraestrutura estrangeira.
Apesar do cenário desafiador, ele enxerga esperança nas contradições do sistema. “A merdificação é o ponto fraco do monstro. As Big Techs não conseguem ser melhores que nós em todos os aspectos. É um momento para que grupos atuem, porque os problemas estão dados de bandeja na nossa mão”. A resistência, para ele, passa por reapropriar as tecnologias e construir alternativas a partir das falhas do modelo atual.
Para ouvir e assistir
O BdF Entrevista vai ao ar de segunda a sexta-feira, sempre às 21h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo. No YouTube do Brasil de Fato, o programa é veiculado às 19h.
