Na percepção comum, os oficiais locais chineses são atores relativamente fracos, limitando-se a implementar políticas definidas pelo governo central. Uma pesquisa recente, porém, mostra que eles desempenham papel crucial na formulação de políticas climáticas inovadoras e duradouras.
O livro Implementing a low-carbon future: climate leadership in Chinese cities acompanha o desenvolvimento de políticas de baixo carbono em quatro cidades – Shenzhen, Zhenjiang, Xiamen e Nanchang – ao longo de quase uma década, destacando os “líderes ponte”: burocratas de nível médio e autoridades locais, interessados em áreas específicas, com baixa rotatividade entre cargos, e fundamentais para a eficácia da marcha verde.
Cidades no centro da emissão de carbono
Mais de 85% das emissões de carbono da China vêm das cidades, que concentram a maioria da população. O potencial dessas cidades de se tornarem verdadeiramente de baixo carbono é, portanto, determinante para o sucesso climático do país. Além disso, as administrações locais podem experimentar políticas em pequena escala, ajudando o governo central a desenvolver respostas a desafios emergentes. A inovação, muitas vezes, nasce da necessidade de burocratas locais de criar ações visíveis que fortaleçam a imagem de sua região e de seus superiores.
O poder discreto dos burocratas médios
Ao contrário de prefeitos e secretários do partido, que mudam de cargo a cada três a cinco anos, os oficiais de nível médio tendem a permanecer em uma localidade, garantindo continuidade das políticas climáticas.
Embora sejam vistos como obedientes e limitados em recursos, eles conseguem construir coalizões, convencer superiores e transformar ideias em ações concretas. Shenzhen, por exemplo, implementou o primeiro sistema local de comércio de emissões (ETS) da China, com mais de 600 empresas obrigadas a participar, graças à habilidade de burocratas em negociar, legislar e manter o programa.
Motivações e estratégias locais
O engajamento das cidades varia conforme interesses locais e oportunidades oferecidas pelo governo central. Zhenjiang investiu na criação de uma agência especializada em baixo carbono, aumentando sua capacidade regulatória e visibilidade política, enquanto Nanchang buscou atrair investimentos externos. Xiamen, embora economicamente avançada, apresentou engajamento esporádico, demonstrando que recursos e status econômico não garantem a institucionalização das políticas.

Desafios estruturais e institucionais
Apesar dos avanços, muitos obstáculos permanecem. A maioria das cidades ainda trata mudanças climáticas como responsabilidade secundária, frequentemente sob agências de qualidade do ar. Falta pessoal dedicado, sistemas de monitoramento de emissões ainda são limitados e os dados disponíveis muitas vezes não são detalhados ou confiáveis. A continuidade e a eficácia das políticas dependem da existência de equipes treinadas e de suporte institucional adequado para experimentação e implementação.
Cooperação internacional e aprendizado
O intercâmbio continua sendo um vetor importante de inovação. Treinamentos oferecidos por organizações como a GIZ ajudaram burocratas a compreender mercados de carbono e instrumentos de política climática. A colaboração entre Shanghai e Los Angeles em corredores verdes de transporte marítimo exemplifica como cidades chinesas seguem engajadas em iniciativas globais, mesmo diante de tensões geopolíticas.
Durabilidade das políticas e legado institucional
A pesquisa demonstra que mudanças de prefeitos não necessariamente interrompem políticas de baixo carbono. Zhenjiang, Xiamen e Nanchang mantiveram suas iniciativas, evidenciando que o sucesso não depende apenas de líderes de topo, mas de grupos de profissionais capacitados para construir, aplicar e fiscalizar normas. O que diferencia cidades efetivas de outras é a combinação de burocratas criativos, instituições duráveis e capacidade de mobilizar recursos locais e externos.
O estudo desafia a visão de que o progresso climático na China depende exclusivamente de decisões centrais ou de líderes de destaque. Ele mostra que a inovação e a continuidade vêm de burocratas médios, que operam na interseção entre políticas nacionais, necessidades locais e oportunidades internacionais. Para consolidar avanços, será fundamental fortalecer a formação de pessoal dedicado, melhorar o monitoramento de emissões e garantir condições institucionais para experimentação e implementação contínua.

