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Caluniado por Marco Rubio, legado de Mandela segue forte na África do Sul 12 anos após sua morte: ‘Compaixão e perdão o libertaram’

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Apesar do desprezo e da manipulação de Marco Rubio, secretário de Estado do governo de Donald Trump nos Estados Unidos, o legado de Nelson Mandela de paz e respeito às diferenças segue forte na África do Sul. Nesta sexta-feira (5) quando se marca o aniversário de 12 anos da morte do ex-presidente, que governou o país entre 1994 e 1999, o Brasil de Fato traz opiniões de representantes da sociedade civil do país, presentes na Primeira Cúpula Popular do Brics.

“Acho que o mais importante [legado de Mandela] é a compaixão, assim como a reconciliação e o perdão. Sabe, isso foi algo que o libertou. Ele viu a necessidade de uma verdadeira libertação da sua alma”, avalia a diretora Executiva do Instituto de Direitos Humanos da África do Sul, Corlett Letlojane.

“O legado de Nelson Mandela é um dos melhores que um ser humano pode deixar. Ele lutou por todos, não apenas negros, e nos ensinou a amar uns aos outros”, disse à reportagem Moses Mokgatlhane, representante da área cultural no evento ocorrido no Rio de Janeiro entre 1 e 4 de dezembro.

Aos 28 anos, o produtor musical era adolescente quando do falecimento de Mandela e um bebê de dois anos de idade ao final do mandato de Mandiba, apelido carinhoso do vencedor do Nobel da Paz de 1993.

Naquele ano, ele foi premiado por ter impedido que a transição de poder, na África do Sul, do regime racista do apartheid para uma democracia equalitária descambasse em banho de sangue, após décadas de opressão imposta pela elite branca à imensa maioria negra do país. O prisioneiro mais famoso do mundo, Mandela passou 27 anos preso, havia sido libertado em 1990 após pressão global e nos anos seguintes se dedicou a militar por uma transição pacifista.

Desde então, o nome do sul-africano mais famoso se tornou sinônimo de grandeza de espírito, comprometimento com causas populares e sabedoria. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o 18 de julho – seu aniversário – como o Dia Nelson Mandela, “em reconhecimento à contribuição do ex-presidente sul-africano para a cultura de paz e liberdade”.

Rubio espalha mentira

Falar bem de Mandela é fácil. Falar de Mandela para atacar o atual governo do país, de Cyril Ramaphosa, pelo mesmo partido de Mandiba, o ANC (African National Congress, no original em inglês) é desonestidade conveniente, como fez Marco Rubio.

Na quarta-feira (3), o mais alto diplomata de Trump emitiu nota na qual invoca o nome de Mandela para criticar as políticas do atual governo sul-africano. Ele afirmou que “a África do Sul entrou na era pós-Guerra Fria com instituições fortes, excelente infraestrutura e boa vontade global. Possuía muitos dos recursos mais valiosos do mundo, algumas das melhores terras agrícolas do planeta e estava localizada em uma das principais rotas comerciais globais.”

“E em Nelson Mandela, a África do Sul tinha um líder que entendia que a reconciliação e o crescimento econômico impulsionado pelo setor privado eram o único caminho para uma nação onde todos os cidadãos pudessem prosperar. Infelizmente, os sucessores de Mandela substituíram a reconciliação por políticas redistributivas”.

Rubio foi além e declarou que o país não pertence mais ao G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, que ano que vem estará sob presidência dos EUA. O motivo é uma alegação tão dissociada da realidade quanto afirmar que a cocaína nos EUA chega pelo mar da Venezuela: a de que o governo Ramaphosa permite o “genocídio” de brancos de origem afrikaner – os mesmos que comandavam o apartheid.

“A África do Sul está sendo punida pela decisão de levar Israel ao Tribunal Internacional de Justiça e por sua postura anti-americana”, resume o analista político Zakhele Ndlovu ao portal de notícias sul-africano IOL. Solidária aos palestinos por entenderem o que é viver sob o jugo racista do opressor, em janeiro de 2024, Pretória acusou formalmente Israel de cometer genocídio na Faixa de Gaza e pediu à corte mais importante da ONU que ordene o fim de seus ataques.

A atitude do governo Ramaphosa pode ter lhe rendido inimizades em Washington – foi humilhado na Casa Branca quando visitou Trump – mas foi fiel aos ensinamentos de Mandela.

“Esse legado de paz, prosperidade, respeito e não-violência vai viver para sempre”, disse Moses Mokgatlhane.

Moses: ‘Dos melhores legados que um ser humano pode ter’ | Crédito: Priscila Ramos/MST

Também no encontro social do Brics, a Diretora Executiva do Instituto de Direitos Humanos da África do Sul, Corlett Letlojane, falou ao Brasil de Fato sobre a vida e obra de seu ex-presidente. Leia abaixo:

Brasil de Fato – O que de mais importante fica do legado de Nelson Mandela?

Corlett Letlojane – Acho que o mais importante é a compaixão, assim como a reconciliação e o perdão. Sabe, isso foi algo que o libertou. Ele viu a necessidade de uma verdadeira libertação da sua alma.

Porque Nelson Mandela tinha a luz da angústia da frustração e da pena que sofreu para sair disso. Ele sabia que seria uma experiência traumática, que seria tóxica. Então, ele lidou com isso de uma forma que lhe trouxe paz. Ele foi capaz de transmitir essa mensagem de paz, mensagem de reconciliação e perdão e seguir em frente na vida.

Não foi uma mensagem fácil. Embora ele a tenha propagado, acho que isso teve um papel importante, porque não houve a violência que as pessoas previam. Poderíamos ter tido uma guerra civil. Poderia ter acontecido o pior. Como agora ouvimos notícias ruins sobre nós na África do Sul, sobre genocídio contra brancos.

Como foi viver isso à época, e o que você pensa sobre após tantos anos?

Sabe, talvez tenhamos visto isso na prática. Acho que Nelson Mandela foi um verdadeiro presente para o povo da África do Sul e também para o mundo. Ele foi capaz de encarar seus adversários de frente e nos deu algo que nos permite realmente deixar o inimigo de lado. Podemos, de fato, superar o inimigo cultivando a paz, o amor e a compaixão.

Isso por si só já é transformador. Vimos muitas pessoas que estavam profundamente enraizadas na raiva e no ódio se transformarem, percebendo que não podiam continuar assim na vida. A mensagem de paz, compaixão e perdão de Nelson Mandela é verdadeira e todos deveriam tentar praticá-la.

Se não conseguirmos, mas formos capazes de lutar contra a injustiça, então estaremos em equilíbrio. Isso por si só já é uma forma de transformação pessoal.

Foi difícil implementar essa mensagem na década de 1990?

Sim, havia mágoas que o povo da África do Sul carregava do apartheid, e fazer com que as comunidades entendessem o perdão e seguissem em frente foi uma das coisas mais difíceis. E também o fato de que o adversário, o inimigo, os descendentes ou o aparato, ainda estavam presentes, e os esforços para reinstaurá-lo ainda eram fortes. Portanto, não foi um processo simples.

Havia uma constituição, uma constituição que ele nos legou, algumas leis, alguns mecanismos e comitês que cuidavam disso. Acho que outros processos também contribuíram para isso. Definitivamente, não foi fácil.

O lado bom é que muitos mecanismos estavam surgindo, muitos comitês, mecanismos de supervisão, e pessoas que estavam retornando também, que sofreram no exílio, que viram o pior, e a África do Sul também desempenhando um papel de liderança. Isso também nos deu coragem, pois mostra que podemos liderar o mundo dessa forma, sabe?

E tem sido um processo gradual para garantir que estamos no caminho certo.

Corlett Letlojane é uma das maiores autoridades em direitos humanos na África do Sul
Corlett Letlojane é uma das maiores autoridades em direitos humanos na África do Sul | Crédito: Priscila Ramos/MS

Em termos pessoais, o que ele representa para você?

Eu, por exemplo, fui inspirada por Nelson Mandela. Desde criança, não sabia de nada. Aos 12 anos, eu já sabia que precisava ir para as ruas. Precisava lutar contra a injustiça. Parti e vivi uma vida de sacrifício. Estava preparada para morrer. Estava disposta a morrer por causa do que via no meu país e por causa das mensagens e ensinamentos que recebemos de Nelson Mandela.

Então, eu sabia exatamente para onde ia e como lutaria. Não foi fácil. Vivíamos uma vida muito insegura e sem liberdade. Era muito arriscado. Meus pais me levaram para Lesoto para que eu pudesse continuar meus estudos. Eles viajavam para aquele pequeno país vizinho. Foi muito traumático. Meus pais corriam riscos.

Ao voltar para casa, ainda sofria injustiças, era submetida às políticas do apartheid, era presa, sofria represálias. Não era uma vida fácil.

Como o governo Mandela é visto pelos jovens?

Muitos não viram e ainda sentem que o governo da época não fez um bom trabalho, ou que as negociações não foram bem conduzidas em relação à questão da terra, dos recursos naturais e do poder econômico, que estão nas mãos de poucos.

Essas são as coisas que eles podem resolver sozinhos agora, porque a nossa geração construiu algo, e eles podem levar esse processo adiante com uma educação melhor. Há informação correta, a internet está disponível, o acesso à informação é possível e eles podem participar desse processo, observando o que está acontecendo em suas comunidades, reivindicando seus direitos e sendo os defensores do futuro.

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