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Card. Czerny: desarmar os corações diante de um “realismo distorcido”

by admin

Foi apresentada na Sala de Imprensa da Santa Sé a Mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz, que se comemora no dia 1º de janeiro. Em suas intervenções, um dos conferencistas, Cardeal Michael Czerny, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, disse: “Rejeitemos a tentação de exercer o domínio sobre os outros”.

Edoardo Giribaldi – Cidade do Vaticano

“No coração humano, brota o anseio pela paz, paralelo à ‘libido dominandi’ ou ‘tentação de dominar os outros’, identificada por Santo Agostinho: um paradoxo que se concretiza no ditado ‘si vis pacem, para bellum’, ‘se quiser a paz, se prepare para a guerra’. Mas, as experiências mais dramáticas ensinam que a vingança não é o melhor caminho para se seguir, pois todo ser humano é ‘plasmado’ pelo desejo de ir à busca dos outros, que os encontra, em particular, na ‘dor, no inferno compartilhado, onde, a paz atua, silenciosamente, de modo paradoxo, mas também providencial”. Com esses auspícios, foi apresentada, na última quinta-feira, 18, a Mensagem do Papa Leão XIV, para o 59º Dia Mundial da Paz, que será celebrado em 1º de janeiro de 2026, que terá como tema: “A paz esteja convosco. Rumo a uma paz desarmada e desarmante“. Entre os conferencistas, encontravam-se o Cardeal Michael Czerny, Prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral; o prof. Tommaso Greco, docente de Filosofia do Direito, na Universidade de Pisa; o Padre Pero Miličević, pároco da igreja de São Lucas e São Marcos Evangelistas, em Mostar, Bósnia; e a Dra. Maria Agnese Moro, jornalista e filha do ex-primeiro-ministro italiano, Aldo Moro.

Cardeal Czerny: “O medo é o principal obstáculo para o desarmamento”

Em sua intervenção, o Cardeal Michael Czerny afirmou que “a paz não é um sonho utópico irrelevante, querendo ressaltar que o silêncio das armas não pode ser imposto ou fabricado, nem reduzido a uma questão política ou a um mero equilíbrio entre o terror e o medo”. Por isso, a Mensagem do Papa convida-nos a encontrar a paz no coração humano, quase sempre ameaçado pela tentação de exercer “domínio sobre os outros”, que Santo Agostinho define libido dominandi. Assim sendo, o Papa Leão XIV propõe um “desarmamento do coração”, opondo-se ao senso comum de realismo, hoje “distorcido ou até perdido”. E o Cardeal acrescentou: “O Pontífice exorta à promoção do diálogo, inclusive o diálogo diplomático, no âmbito do direito internacional, observando que este ele, frequentemente, é frustrado pelas muitas violações de acordos alcançados com grande dificuldade. A mensagem também denuncia as enormes concentrações de interesses econômicos e financeiros privados, que influenciam nas decisões dos Estados, bem como o crescente uso da tecnologia e da inteligência artificial na esfera militar”. Segundo o Papa, concluiu o Cardeal Czerny, “o medo continua sendo o principal obstáculo para o desarmamento”, pois “a ideia do poder dissuasor da força militar baseia-se, de modo particular, na irracionalidade das relações entre as nações”. No entanto, o Papa Leão XIV escreve: “A paz existe! Aqueles que cedem à lógica da beligerância inevitável, – como dizia Santo Agostinho, – traem a sua própria humanidade, que anseia profundamente pela paz”.

Prof. Greco: “Partir da paz para garantir realmente a paz”

“Devemos acreditar na realidade da paz”, afirmou o Prof. Tommaso Greco, segundo o qual o silêncio das armas não é uma “condição acidental”, mas representa uma verdadeira “pré-condição” para imaginar e construir relações humanas autênticas. A expressão, escolhida pelo Papa Leão XIV, “paz desarmada e desarmante”, indica uma perspectiva, que rejeita uma visão parcial ou distorcida da realidade e, ao mesmo tempo, obscurece “o aspecto do bem e da luz, que existe”. Mas, o aspecto mais significativo da mensagem pontifícia, explicou ainda o professor, “é a sua exortação a usar a paz como uma luz que ilumina o caminho; não um horizonte inatingível, mas uma herança concreta que deve ser preservada. Se rejeitarmos o lema “si vis pacem, para bellum” e adotarmos o seu oposto, “si vis pacem, para pacem“, quer dizer que partimos da paz para realmente garantir a paz”. E o professor explicou: “Optar por este lema, não significa ignorar a violência contemporânea ou abandonar as vítimas da injustiça, mas, sim, valorizar todo o bem que a civilização humana construiu ao longo dos séculos. Se os cristãos e, de modo mais geral, os políticos não acreditarem nesta perspectiva e se deixarem guiar pelo “conceito da força”, correm o risco de trair a mensagem de Jesus, precisamente onde ela “mais precisa ser posta à prova pela história”. A mensagem do Papa, concluiu o professor universitário, representa um convite a “tornar a confiança mais produtiva”, ou seja, uma responsabilidade de cada um: “Nenhum destino de guerra já está previsto; devemos aprender, também com palavras, a desarmar as hostilidades”.

Padre Miličević: “A bondade é desarmante”

Por sua vez, o Padre Pero Miličević compartilhou seu testemunho pessoal sobre a “obscuridade” e o “mal da guerra”. Em 1993, sua aldeia de Dlkani, na Bósnia, foi atacada por unidades militares muçulmanas, que causaram a morte de 39 pessoas, inclusive de seu pai e de outros parentes. No mesmo dia, sua família foi levada para um campo de prisioneiros, onde ficou presa por sete meses. E acrescentou: “Durante o cativeiro, era preciso manter a paz no coração e não pensar em vingança. A oração os sustentava naqueles dias de grande ansiedade, em que, muitas vezes, faltavam comida, higiene e camas frias de pedra. Jamais teríamos resistido sem fé, oração e a necessidade de paz”. E explicou ainda: “A raiva, provocada por aqueles acontecimentos, não desaparecia facilmente, mas podia ser remediada”. A compreensão da paz e do perdão só lhe veio depois que se tornou sacerdote, durante as confissões dos fiéis. Vinte anos após a sua libertação, o Padre Pero retornou ao campo de prisão, em lágrimas, ciente de que a vingança não era o caminho a ser trilhado. Ao citar a mensagem do Papa Leão XIV, ele concluiu: “A bondade é desarmante. Se o homem for à busca da justiça, a paz se tornará, ao mesmo tempo, uma sua obra concreta”.

Dra. Moro: “Desarmar os mecanismos, que estão à base da violência”

“Nenhuma paz verdadeira pode ser alcançada apenas com o silêncio das armas”, afirmou a Dra. Maria Agnese Moro, que destacou: “O silêncio das armas é o resultado da desativação dos “mecanismos mentais e emocionais, que estão à base de qualquer ato de violência”. A justiça reparadora, sobre a qual o Papa diz em sua mensagem, poderá reconduzir a humanidade para onde reinavam a desumanização e suas consequências: “Não se fere ou destrói um corpo, se antes não for considerado um fato inumano, não como eu penso”, explicou a Dra. Moro, que explicou: “A humanidade pode ser encontrada, com o que a professora Claudia Mazzuccato chama de “encontro difícil com o outro”, sem minimizar, mas “acolhendo tudo. A justiça restauradora encaixa-se neste processo, por meio de ‘diálogos difíceis’, com os quais se pode falar ou permanecer em silêncio sobre a própria dor, sem julgamento ou censura”. Nestes espaços, disse a filha de Aldo Moro, – sequestrado e assassinado por Esquadrões da Morte – encontra-se o sofrimento dos outros, com suas afinidades e pontos em comum: “Eu pensava que a dor era só minha e jamais pensava na dor dos outros, referindo-se aos encontros com ex-combatentes da luta armada, nas décadas de 1970-80, alguns ligados ao caso do seu pai. Neste caso, o nosso companheiro comum é o irreparável, nosso inferno comum, onde reside toda a justiça que precisamos. Os fantasmas podem ser odiados, mas as pessoas não. E concluiu: “Estamos imersos em uma busca mútua, quando tudo nos separa. Sim, querido Papa Leão, ‘a paz existe e está silenciosamente em ação’. Aqui reside a esperança e a responsabilidade de cada um de nós. Cabe a nós preservá-las”.

 

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