A inflação medida pelo IPCA-15 encerrou o ano em 4,41%. Apesar dos juros mais elevados desde junho, os maiores desde 2006, ela é apenas 0,3 ponto percentual inferior à de 2024 e 0,4 ponto percentual menor que a de 2023. A recente elevação da taxa Selic, a partir de novembro de 2024, ainda produzirá mais efeitos, mas o custo a ser pago (quase R$ 1 trilhão em encargos financeiros para o Tesouro) é extremamente alto para resultado tão modesto. No governo Lula, da posse até agora, a Selic nunca caiu abaixo dos dois dígitos, 10,5%, mas há 20 meses o IPCA fica acima de 4%. A alta dos juros é eficaz para conter a alta generalizada dos preços, mas sua força depende de outras condições. Desde o início da atual gestão, a política fiscal é expansionista e vai na direção contrária à da política monetária. Colhe-se o pior dos resultados: a inflação cai muito devagar, enquanto a conta dos juros é escorchante e muito maior do que deveria ser se houvesse a vontade de coordená-la.
Três em cada quatro dos 120 participantes do mercado financeiro consultados pelo Valor (23-12) mudaram sua percepção sobre o tempo e o ritmo da mudança de sinal da política monetária. Antes da decisão do Comitê de Política Monetária de manter a taxa em 15% e não dar pistas sobre os próximos passos, havia uma divisão ligeiramente pendente (56%) ao corte em janeiro. Não mais. O cenário fiscal é o principal motivo.
Não há a menor dúvida de que a perspectiva para a inflação melhorou substancialmente, assim como o IPCA no cenário de referência até o segundo trimestre de 2027, de 3,2%, está agora muito perto da meta. O IPCA-15 de dezembro veio dentro das expectativas, com alguma melhoria no índice de difusão (54,5%, a proporção de produtos com preços em alta em relação ao total) e ligeira redução da média dos núcleos acompanhados pelo BC em 12 meses, de 4,74% para 4,65%, de acordo com a MCM Consultores. O IPCA deve encerrar 2025 também abaixo dos 4,5%, o teto da meta.
Houve importantes reviravoltas, como o recuo da alimentação no domicílio, cuja inflação caiu fortemente, de 7% para 2,4%. Os bens industriais também evoluíram bem abaixo do IPCA, contando com a valiosa colaboração, segundo Paula Magalhães, economista do Bradesco, da exportação de deflação pela China (Valor, 23-12), cujo índice de preços ao produtor registra variações negativas há 36 meses consecutivos. Pela mediana da pesquisa Focus, a expectativa sobre o comportamento dos preços industriais em maio foi de 4,3%. Nos 12 meses encerrados em novembro, porém, haviam subido 2,52%, diante de um IPCA de 4,46%.
Os preços do petróleo estão em queda, além de várias commodities agrícolas, cujo efeito baixista sobre a inflação foi potencializado pela valorização do real. As projeções reveladas pela mediana da pesquisa Focus vem recuando sistematicamente, porém ainda indicam inflação de 4,06% em 2026, 3,8% em 2027 e 3,5% em 2028. Embora bem mais próximas da meta, as projeções do BC, constantes do relatório de política monetária de dezembro, apontam que o IPCA só deverá atingir os 3% no primeiro trimestre de 2028.
Não há mais confiança de que o BC possa começar tão logo a reduzir os juros, e muito menos com força. O motivo principal é a perspectiva da política fiscal. Por um lado, o governo não para de excluir despesas do limite de gastos e da meta fiscal. De outro, acionou política de crédito subsidiada de incentivos à economia, de olho nas eleições. O banco Barclays calculou que para 2026 estão programadas medidas expansionistas da ordem de R$ 225 bilhões, conta que inclui medidas extraorçamentárias e financiamentos privados (Folha de S. Paulo, 22-12). A Instituição Fiscal Independente calcula que R$ 71,3 bilhões de despesas ficarão fora das regras fiscais em 2026, ano em que as medidas aprovadas pelo Congresso a pedido do governo elevarão a arrecadação em R$ 133,3 bilhões. Apesar de déficit zero no papel, o rombo será de 0,6% do PIB.
O governo Lula encerrará seu mandato sem produzir superávit fiscal, com uma dívida bruta de 82% do PIB, dez pontos percentuais maior do que a que recebeu do antecessor. Em ano eleitoral, esse comportamento não mudará, e muito menos caso o presidente seja reeleito. “Serei candidato para discutir todo mês déficit fiscal e corte no orçamento? Não preciso disso”, disse Lula em reunião ministerial de 17 de dezembro.
Para o ceticismo do mercado quanto à trajetória dos juros, passou a influir também o calendário eleitoral. Lula é o candidato melhor posicionado nas pesquisas, e é sabido seu desdém pela austeridade fiscal. Seu adversário com melhor colocação é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que tira da disputa presidencial o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), favorito do mercado, e vem alardeando que promoverá o equilíbrio fiscal, apesar de prometer reduzir impostos sem apontar como compensar isso.
A campanha eleitoral pode, assim, mudar um cenário ainda benigno e manter juros ainda muito elevados por um bom tempo, reduzindo o crescimento econômico e aumentando o déficit nominal, de 8,28% do PIB, os maiores encargos pagos entre 153 países (Valor, 22-12)
