A CGU (Controladoria-Geral da União) identificou “fragilidades relevantes” nos mecanismos de controle dos Correios sobre ações judiciais e apontou uma manobra contábil que reduziu em R$ 1 bilhão o passivo da companhia nas demonstrações financeiras de 2023. Segundo o órgão, o procedimento comprometeu a transparência dos registros e contrariou normas contábeis vigentes.
De acordo com o relatório, a estatal reduziu de R$ 1,032 bilhão para apenas R$ 18 o valor de uma dívida trabalhista, sob o argumento de que uma possível vitória em outra ação judicial geraria ganho de valor praticamente equivalente. Para os auditores, no entanto, a compensação entre passivos e ativos contingentes é indevida e não encontra respaldo nas normas contábeis, além de persistir em 2024.
“A evidenciação contábil deve retratar de forma fidedigna os impactos patrimoniais da entidade”, afirma a CGU, ao destacar que fatos contábeis distintos não podem ser registrados de forma líquida, pois isso “pode esconder o impacto de operações diferentes, reduzindo a transparência do registro”.
Ação trabalhista
A operação questionada envolveu uma ação trabalhista relacionada ao pagamento cumulativo dos adicionais AADC, ligado à atividade de distribuição e coleta, e de periculosidade para empregados que utilizam motocicleta. Após a regulamentação do adicional de periculosidade, em 2014, os Correios suspenderam o pagamento do AADC, o que desencadeou uma série de ações judiciais.
Em 2021, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) reconheceu a legalidade do acúmulo dos adicionais, mas, em janeiro de 2024, a empresa obteve liminar suspendendo os efeitos da portaria que instituiu o benefício. Foi com base nessa decisão que a provisão foi drasticamente reduzida.
A CGU apontou dois problemas centrais na conduta dos gestores. Além da compensação considerada indevida, houve demora na reclassificação do risco judicial da ação — de “possível” para “provável” — e falhas na mensuração do passivo.
Em outubro de 2022, mesmo diante de decisões desfavoráveis, a ação permaneceu classificada como de risco remoto, com valor subavaliado. Apenas em fevereiro de 2023 o débito foi reconhecido como perda provável.
“Fragilidades” nos cálculos
Os auditores também identificaram fragilidades nos cálculos, realizados sem análise individualizada por funcionário e com elevado grau de discricionariedade. Em levantamento interno, a empresa chegou a um saldo positivo de R$ 16,5 milhões após a compensação, mas reduziu o passivo a R$ 18 alegando limitações técnicas do sistema contábil.
Em resposta à auditoria, os Correios negaram irregularidades e afirmaram que os registros refletem a melhor estimativa de desembolso, uma vez que, no momento, não haveria expectativa de saída de recursos. A companhia reconheceu, contudo, problemas estruturais no controle do contencioso, atribuídos à gestão anterior, e informou a criação de grupos de trabalho para modernizar seus sistemas jurídicos e regras de contingenciamento, sem detalhar as iniciativas.
O caso se insere em um contexto mais amplo de fragilidade na gestão do passivo judicial da estatal. Auditorias recentes apontaram inconsistências nas provisões e dificuldade em mensurar o impacto de precatórios no fluxo de caixa. A falta de provisões adequadas levou, inclusive, à republicação de balanços de anos anteriores.
Diante do quadro, o conselho de administração intensificou, ao longo de 2025, as cobranças por melhorias no monitoramento das ações judiciais, autorizando a contratação de softwares e consultorias especializadas. Segundo a empresa, o mapeamento do passivo está mais avançado, e a estimativa é de que os desembolsos com ações judiciais somem R$ 1,3 bilhão em 2026.
