Foi na calada da noite de sexta-feira (05/12) que Gabriel Dias de Oliveira, o Índio do Lixão — peça-chave da ligação do Comando Vermelho (CV) com a política fluminense, segundo as investigações da Polícia Federal — foi transferido do Presídio Federal de Mossoró (RN) para Bangu 1, no Rio. Preso desde setembro, ele retorna justamente na semana em que o presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Rodrigo Bacellar, foi detido na sede da PF, no Centro, suspeito de vazar informações sobre a operação que prendeu o ex-deputado Thiego Raimundo Oliveira Santos, o TH Jóias.
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A transferência de Índio do Lixão, realizada sob sigilo, levantou a suspeita de um possível acordo de colaboração premiada entre o criminoso, a PF e integrantes do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Rio (MPRJ), que também investigam o caso. Para que a vaga no sistema prisional federal não fosse perdida, outro interno de grande repercussão precisou ser deslocado: na manhã de domingo (07/12), Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins, deixou o Complexo de Gericinó, em Bangu, rumo ao Presídio Federal de Catanduvas (PR), onde já cumpriu pena em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
Segundo a PF, entre Índio do Lixão e Bacellar está TH Jóias, preso em 3 de setembro ao lado do traficante e apontado como integrante do CV. O ex-parlamentar usava sua influência política para proteger a facção, inclusive repassando informações sobre operações das polícias estaduais. Havia um plano para lançar Índio do Lixão como candidato a vereador em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, seu principal reduto criminal.
O que tinha no freezer de TH Jóias?
Além disso, TH Jóias teria atuado na lavagem de dinheiro do Comando Vermelho, no câmbio de valores obtidos com atividades ilegais e na compra de drones usados para lançar granadas contra policiais, rivais e até moradores — vítimas das guerras territoriais nas favelas do Rio. As provas foram obtidas por meio da quebra de sigilo de dados e dos telefones dos envolvidos, requerida pela PF e pela Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) da Polícia Civil, que atuou na prisão de 15 pessoas durante a Operação Zargun, em setembro.
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A relação entre Índio do Lixão e TH Jóias ultrapassava os negócios. Dados extraídos do celular do traficante revelam homenagens e festas particulares para o ex-deputado, que frequentava sua casa no Complexo do Alemão. De acordo com a PF, havia até um relacionamento amoroso entre o criminoso e o político. O assessor de TH Jóias, Eduardo Cunha Gonçalves, o Dudu — também preso — intermediou a nomeação de Fernanda Ferreira Castro, esposa do então deputado, para uma vaga na Alerj. Ainda segundo as investigações, era ele quem negociava com integrantes do CV e do Terceiro Comando Puro (TCP) a compra de drones para as facções.
Ligações perigosas entre TH Jóias e Bacellar
TH Jóias chegou à política pelo MDB, apesar de já ser investigado pela DCOD desde 2017. Ele foi eleito 2º suplente do partido — que o expulsou após sua prisão — e assumiu uma cadeira na Alerj em 2024, após a morte do deputado Otoni de Paula Pai. Já preso, tornou-se alvo de um segundo mandado de prisão, o mesmo que acabou levando Bacellar consigo.
A PF descobriu, durante a análise dos dados do celular de TH Jóias — ainda que ele tivesse apagado parte das informações —, uma conversa entre ele e Bacellar no dia 2 de setembro, véspera da prisão do ex-deputado.
TH Jóias tira bens de sua casa, após falar com Bacellar
Em um dos vídeos enviados ao novo número de telefone, TH Jóias pergunta a Bacellar se poderia deixar alguns pertences em sua residência — entre eles, um freezer cheio de picanhas. A resposta do presidente da Alerj foi direta: “Deixa isso, tá doido? Larga isso aí, seu doido.”
O ex-deputado deixou a casa vazia, usando um caminhão-baú para retirar os objetos. Com as provas extraídas do celular e as imagens do veículo estacionado na porta de sua residência, a PF concluiu que Bacellar o avisou da operação e o ajudou a se preparar para a fuga.
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O material probatório foi suficiente para que a PF indiciasse Bacellar por obstrução à investigação. Na quarta-feira (03/12), agentes federais deflagraram a Operação Unha e Carne. Com mandado expedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Bacellar foi preso. Moraes também determinou seu afastamento da presidência da Alerj.
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A decisão foi tomada no âmbito da ADPF 635 — a ADPF das Favelas. Como a ação, de competência exclusiva do STF, discute a violência e a letalidade das operações policiais nas comunidades do Rio, estabelecendo diretrizes para reduzir mortes e garantir direitos fundamentais, o envolvimento de agentes políticos com facções criminosas foi considerado relevante para que a Suprema Corte assumisse o caso envolvendo Bacellar. Nesta segunda-feira (08/12), Comissão de Constituição e Justiça decide se presidente da Alerj será mantido preso ou solto.
