O show de horrores que Brasília sediou nesta semana foi intenso demais até mesmo para os padrões da política brasileira. Começamos com Flávio Bolsonaro lançando sua candidatura à presidência e cobrando um preço para desistir dela. O Centrão topou pagar e articulou na calada da noite a aprovação do PL da Dosimetria, que reduz as penas dos condenados na trama golpista que culminou com o 8 de Janeiro.
A medida beneficiará uma série de outros criminosos, que também poderão sair mais cedo da cadeia. Talvez seja o caso de mudar o lema da turma para “bandido bom é bandido com pena reduzida”.
A usual covardia de Hugo Motta deu as caras mais uma vez. O presidente da Câmara, que costurou o acordão visando as eleições do ano que vem, aproveitou o momento para dar andamento ao processo de cassação do mandato de Glauber Braga, do PSOL.
Em protesto, o psolista assumiu a Mesa Diretora da casa e disse que de lá não sairia. Motta então mandou encerrar a transmissão da TV Câmara e ordenou que a Polícia Legislativa expulsasse os jornalistas. Ele queria evitar — como se isso fosse possível — a transmissão das cenas grotescas dos policiais arrancando o deputado à força da cadeira da presidência.
Lembremos que, há poucos meses, os bolsonaristas organizaram um motim, assumiram a presidência da Câmara e bloquearam o funcionamento do plenário por mais de 30 horas em protesto contra a prisão do seu líder golpista Jair Bolsonaro. O motim só foi interrompido depois de um acordo feito com muito diálogo.
Glauber foi retirado à força e jornalistas que tentavam cobrir o caso foram agredidos pelos policiais legislativos. Motta foi tigrão com o deputado de esquerda, mas um tchutchuco com um motim de caráter golpista.
Motta comandou ainda a salvação do mandato de Carla Zambelli, em uma operação ostensivamente inconstitucional. A deputada é uma criminosa de alta periculosidade para a democracia. Ela foi condenada a 10 anos de cadeia por invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça e mais 5 anos e 3 meses por perseguir com revólver um crítico da sua candidatura às vésperas da eleição em 2022.
Hugo Motta deveria afastá-la automaticamente do cargo, mas preferiu ignorar a Constituição e colocou a cassação do seu mandato para votação. O STF fez o óbvio e anulou a decisão da Câmara, evitando que se chegasse ao cúmulo da bizarrice: uma parlamentar com mandato de dentro de uma cela de cadeia na Itália.
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No fim das contas, Glauber teve o mandato preservado e Zambelli se deu mal. Hugo Motta sai de tudo isso com a imagem mais desgastada do que entrou. Saiu desmoralizado pela esquerda, extrema direita e pelo centrão.
Não deveria ser, mas essa foi apenas mais uma semana normal na vida de um parlamento apodrecido pelo consórcio formado pelo Centrão e a extrema direita bolsnarista. Mas precisamos falar também da podridão que tem vindo do STF, que participou do acordão para aprovar o PL da Dosimetria.
Sob pretexto de distensionar o clima político entre os Poderes, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes entraram em um acordo com os presidentes da Câmara e do Senado sobre o texto que reduz o tempo de cadeia dos golpistas.
O que aconteceu com o Supremo, que até há pouco tempo era um exemplo para o mundo de defesa da democracia? Por que o STF, que condenou Jair Bolsonaro a mais 27 anos de prisão, aceita agora, apenas 3 meses depois, um acordo que reduz a pena para ridículos 2 anos? O que aconteceu para que o rigor desse lugar à frouxidão de forma tão repentina?
Os implacáveis de toga em defesa da democracia murcharam. Agora há juízes buscando uma pacificação com o golpismo. O noticiário envolvendo figuras do STF em casos cabeludos talvez ajude a explicar.
Vejamos quantas coisas se descobriu nesta semana envolvendo alguns juízes. Dias Toffoli aceitou uma caroninha em jato particular para ir assistir à final da Libertadores em Lima, no Peru. Nesse mesmo avião estava, nada mais nada menos, o advogado do diretor de Compliance do Banco Master.
Três dias após o voo, Toffoli atendeu a um recurso do mesmo advogado com o qual pegou carona e decretou sigilo máximo sobre o processo do banco. Além disso, retirou a competência da justiça federal e puxou todas as novas decisões relativas ao caso para o STF.
Agora ninguém pode mais investigar o escândalo do Banco Master sem passar pelo crivo do próprio Toffoli, que agora tem amplos poderes sobre o processo. Tudo está parado, desde as oitivas às aberturas de novos inquéritos. Até as perícias da PF no material apreendido no dia da prisão do dono e dos diretores do banco. O STF sentou em cima do caso. É um escárnio que o Toffili não tenha se declarado suspeito para tratar do caso.
Descobriu-se também nesta semana que Toffoli viajou para um resort de luxo no Paraná no jatinho de Beto Louco, o empresário foragido da Justiça que lavava dinheiro para o PCC. É o mesmo criminoso que tem ligações com Ciro Nogueira, presidente do PP, e Antonio Rueda, presidente do Brasil.
É o mesmo que fornecia canetinhas de Mounjaro de maneira clandestina para Davi Alcolumbre, presidente do Senado. Perceba que praticamente todo o alto escalão de Brasília tem algum tipo de ligação com Beto Louco. Nem o STF escapa.
O STF é uma casta que está muito mais próxima dos Vorcaros da vida do que da realidade do povo brasileiro.
Outro esqueleto no armário do STF é o fato de que o escritório de advocacia da esposa de Alexandre de Moraes prestou serviços milionários para o Banco Master. A Polícia Federal encontrou no celular de Daniel Vorcaro um contrato de R$ 129 milhões firmado com Viviane Barci de Moraes. Além da esposa do ministro, os filhos dele aparecem em ao menos um processo ligado a Vorcaro.
O contrato firmado entre eles é amplo e prevê desde a defesa do banco e de seus controladores até o “acompanhamento de projetos de lei de interesse” no Senado e na Câmara Federal. O que isso significa exatamente? Ninguém sabe. E, se depender do Toffoli, ninguém irá saber. Parece que Moraes também pode ter muito a perder com uma devassa no Banco Master.
Não há nada ilegal nessas condutas de ministros do STF, pelo menos não até agora. Mas é profundamente imoral sob qualquer ponto de vista. A promiscuidade de ministros da mais alta corte do país com empresários notoriamente de má reputação é um escândalo por si só.
O STF foi fundamental para preservar a democracia e cumpriu bem ao enquadrar o golpismo com rigor. Mas não nos esqueçamos que a corte é majoritariamente formada por homens ricos, vindos de faculdades de elite e pertencentes a famílias poderosas. É uma casta que está muito mais próxima dos Vorcaros da vida do que da realidade do povo brasileiro.
As elites parlamentares, jurídicas e empresariais convivem entre si e não raramente promovem seus conchavos. O que temos visto nas últimas semanas é a desmoralização do STF, que parece estar patinando na mesma lama do centrão. Aguardemos os próximos capítulos.
