Chico Rei/ Divulgação
Acessibilidade
Transformar camisetas em um negócio de dezenas de milhões de reais não estava no plano original, mas acabou sendo o caminho natural da Chico Rei, criada pelo estudante de artes transformado em empresário Bruno Imbrizi. Se você cruzar por aí com alguém vestindo algo irreverente, com pitadas de humor e brasilidade, as chances de a peça ter saído da marca são grandes.
Fundada em 2008, em Juiz de Fora (MG), a empresa embrionária nasceu dentro de um quarto como uma espécie de ateliê criativo — muito diferente da configuração (e do faturamento) que tem hoje. Com uma receita projetada de cerca de R$ 35 milhões para 2025 — avanço de 30% frente ao ano anterior —, a Chico Rei deixou de ser apenas um “hub de ideias” artesanal para se tornar uma operação estruturada, capaz de controlar praticamente todas as etapas da produção.
“O carro-chefe da Chico Rei sempre foram as camisetas”, afirma Imbrizi, em entrevista à Forbes Brasil no início de dezembro. “Elas nasceram como uma forma de expressão, quase como uma tela em branco para colocar na rua aquilo que eu pensava.”
Cultura brasileira, música e arte popular ganharam vida nas estampas — de artistas independentes a nomes consagrados. O sucesso dessa combinação aparece nos números.
Em 2025, a empresa produziu mais de 600 mil camisetas e outros 32 mil itens, como canecas, bandeiras e acessórios pet, somando cerca de 180 mil pedidos. A base ultrapassa 1 milhão de clientes ativos, com taxa de recompra acima de 65%, índice elevado mesmo para padrões do varejo digital.
Esse desempenho sustentou uma estratégia de crescimento cuidadosa, sem saltos artificiais. A verticalização da produção foi decisiva para dar escala sem diluir identidade. “A gente não quer concentrar tudo em um galpão. Quer devolver força econômica para os territórios”, explica o empresário. A proposta é que a produção da marca também ajude a sustentar pequenas confecções em diferentes regiões do país, levando impacto social positivo para quem precisa.
Hoje, a operação é 100% nacional, com algodão certificado vindo do Nordeste, processos industriais distribuídos pelo Sudeste e Sul e a finalização concentrada em Juiz de Fora. O e-commerce segue como principal motor, mas o físico começa a ganhar relevância: a marca já tem três lojas em Minas Gerais e planeja abrir unidades no Rio de Janeiro e em São Paulo ainda em 2025, além de três a cinco novas lojas em outras regiões até 2026.
A trajetória da Chico Rei acompanha, em muitos pontos, a própria curva de aprendizado do fundador: da criação autoral à construção de processos, da intuição à gestão, do produto à infraestrutura.
Estrutura vira produto
Com a engrenagem funcionando e o volume de criações crescendo, surgiu um limite prático: nem tudo cabia dentro da Chico Rei. Ideias, parcerias e demandas externas começaram a disputar espaço. Foi desse excesso — mais operacional do que criativo — que nasceu a Uma Penca.
A plataforma de print-on-demand transforma a infraestrutura construída ao longo de quase duas décadas em um negócio próprio. Produção, tecnologia, logística e atendimento passam a ser oferecidos para terceiros, permitindo que qualquer pessoa ou organização crie sua própria loja virtual com produtos personalizados, sem precisar montar fábrica, estoque ou operação.
“Hoje entendo que a Uma Penca é nossa unidade escalável”, diz Imbrizi. “Ela pode ser muito maior que a Chico Rei, porque permite que outras marcas usem a nossa estrutura em modelo white label.” Com investimento enxuto em marketing, cerca de 1,5% do faturamento, a plataforma já reúne mais de 18 mil lojas cadastradas, entregou mais de 40 mil produtos e faturou cerca de R$ 5 milhões.
O potencial chamou a atenção de investidores. No fim de 2024, a empresa levantou quase R$ 6 milhões em uma rodada liderada pelo Grupo Gaia, que avaliou o negócio em R$ 20 milhões e trouxe mais de 300 novos sócios para a base. O investimento ocorre em um momento em que as operações de venture capital são escassas no mundo todo e foi arrecadado em apenas dois dias — tempo muito menor do que os três meses inicialmente planejados.
O plano agora é acelerar a expansão, investir em tecnologia e ampliar o portfólio de produtos, além de avançar em um modelo descentralizado de produção, conectando vendedores e fornecedores locais e crescer entre cinco a oito vezes nos próximos anos.
A lógica é clara — e contracorrente. Em vez de concentrar tudo em grandes centros logísticos, a Uma Penca aposta na pulverização para fortalecer economias locais e criar um ecossistema que se sustente sem depender de estoques massivos ou promessas de crescimento artificial.
O que muda não é a lógica de decisão, mas a escala do risco: aquilo que funcionou bem para uma marca agora precisa se provar viável para milhares de outras.
“De forma muito simplista, estou construindo o Mercado Livre dos personalizados.”
Hoje, Chico Rei e Uma Penca operam em ritmos distintos. Enquanto a marca de camisetas avança de forma incremental, com expansão física planejada e base de clientes fiel, a plataforma nasce com vocação exponencial. O desafio está em fazer com que esses dois tempos coexistam sem que um comprometa o outro — e sem abrir mão do DNA que deu origem a ambos.
Crescer sem romper com a origem
Apesar da ambição de escala, o crescimento da Chico Rei segue ancorado em escolhas sociais que fazem parte do DNA da empresa. Além da parceria com produtores locais, a empresa também aposta em outros projetos.
Um deles é a unidade de produção instalada dentro da Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, em Minas Gerais, responsável por cerca de 15% das camisetas da marca. O projeto capacita detentos, oferece remuneração formal e permite redução de pena conforme a legislação vigente.
Desde o início da iniciativa, a empresa investiu cerca de R$ 370 mil em estrutura, capacitação e melhorias, beneficiando diretamente mais de 110 internos. Parte deles, após cumprir a pena, foi incorporada à fábrica externa da companhia. “A proposta é preparar essas pessoas ainda dentro do sistema, mas sempre com o olhar voltado para o momento em que elas estarão de volta à sociedade”, afirma Imbrizi.
Ao transformar um produto simples em um negócio robusto, desdobrar a própria operação em plataforma e manter o impacto social como prática, a Chico Rei construiu uma trajetória rara no varejo brasileiro. As camisetas continuam tendo a mesma importância que tinham há 17 anos. O que mudou foi tudo o que passou a existir por trás delas.
“Eu não produzo puramente para ter discurso de venda. Eu produzo pelo que eu acredito. Quando eu falo para o cliente, o projeto já está acontecendo.”
