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Como Family Offices Moldam a Filantropia Bilionária

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Filantropia é um pilar importante para muitas famílias

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A união entre capital e filantropia ainda está engatinhando no Brasil, mas começa a entrar no radar do segmento de gestão de patrimônio ao redor do mundo. Não se trata apenas de fazer o bem: ter um braço filantrópico pode ser estratégico para os negócios.

A evolução na forma de gerir grandes fortunas começa a transformar a estrutura de family offices, wealth managers e até de private banks. Pesquisa desenvolvida por Juliana de Paula e Cássio Aoqui, com patrocínio do Movimento Bem Maior e apoio do Instituto ACP aponta que o tema filantropia é tratado de forma reativa por 33% dos single family offices e 47% dos multifamily offices brasileiros, ou sequer é abordado por 23% deles. O número revela o tamanho da oportunidade.

A demanda existe e o tema já aparece nas conversas patrimoniais. O levantamento indica que mulheres e sucessores das novas gerações estão liderando a mudança de visão estratégica sobre filantropia. Ampliar a oferta para esse público é estratégico, já que, até 2048, a expectativa é que US$ 124 trilhões sejam transferidos para eles.

Em um momento em que o nível de acúmulo de capital e riqueza atinge patamares históricos, essa mudança de olhar sobre o patrimônio reconfigura a gestão de fortunas. Segundo Cássio Aoqui, doutor pela USP e pesquisador do campo social há 20 anos, isso envolve olhar menos para a reputação e mais para a coerência entre o que se tem e o que se faz.

“O family office que souber integrar valores, propósito e investimento social de forma autêntica será referência na próxima década”, afirma o pesquisador. Já Kauffman Johnson, sócia e diretora da NextWorld Philanthropies, diz que doar — especialmente para a preservação do meio ambiente — é uma forma de proteger o futuro. “Não é apenas pensar no próximo, mas em si mesmo e nas novas gerações.”

Family offices já atuam, em alguma medida, na gestão operacional das doações no país — 63% de forma mais recorrente e 53% de maneira pontual, segundo o estudo. Muitos oferecem apoio em aspectos financeiros e jurídico-tributários, mas poucos apostam na curadoria de parceiros ou no apoio estratégico. Apenas 7% dos single family offices e menos de 5% dos multifamily offices fazem acompanhamento ou aconselhamento em filantropia.

Entre as famílias entrevistadas, 77% apontaram o impacto social efetivo como principal motivação para doar, seguido por legado e perpetuação de valores (55%) e engajamento das novas gerações (18%). As principais barreiras, porém, são culturais e técnicas: 78% das famílias afirmam que os family offices não estão preparados para lidar com o tema, e 57% criticam o foco excessivo em performance financeira.

“Além de portfólios e produtos, as famílias estão escolhendo relações que expressem seus valores. O sucesso, para o family office do futuro, será medido também pela capacidade de gerar impacto positivo”, afirmam Juliana de Paula e Cássio Aoqui, responsáveis pela pesquisa.

Partindo para a ação

No exterior, a situação é diferente. Um exemplo é a Iconiq Capital, multifamily office com US$ 95,1 bilhões (R$ 475,5 bilhões) sob gestão. Conhecida por administrar parte do patrimônio de Jack Dorsey (ex-CEO do Twitter) e Mark Zuckerberg, um de seus diferenciais é contar com uma plataforma própria de filantropia, que, além de investimentos de impacto, oferece assessoramento e aconselhamento às famílias sobre como doar de forma eficaz.

Matti Navellou, diretora da Iconiq Impact e ex-integrante da ONU, conta à Forbes Brasil que, em seis anos e meio, o braço filantrópico já assessorou cerca de US$ 950 milhões em doações diretas a organizações sem fins lucrativos.

Segundo ela, os clientes têm, em média, mais de US$ 30 milhões (R$ 150 milhões) para investir e são majoritariamente fundadores de empresas de tecnologia. Apesar de jovens e “muito ocupados”, possuem grande interesse em impacto, apetite a risco e disposição para experimentar na filantropia.

“Quando você doa valores menores, talvez faça uma doação para a escola local ou para uma instituição religiosa da comunidade. Mas quando está doando dezenas de milhões de dólares por ano, é preciso uma estratégia para que isso seja bem-feito”, afirma a executiva.

Majoritariamente, os veículos utilizados para realizar as doações da Iconiq são os chamados fundos colaborativos — com cerca de vinte organizações beneficiadas e investimentos feitos ao longo de três anos. Para os clientes que aportam, há potenciais benefícios fiscais.

A criação de um braço filantrópico aconteceu de forma natural, já que os clientes não encontravam facilmente o suporte necessário. A plataforma multiplicou em até dez vezes o volume de doações dentro do family office.

A Iconiq aposta na colaboração entre famílias que desejam atuar na mesma causa como diferencial. “Costumamos dizer: por que não reunimos vocês com especialistas para pensar no que podem fazer juntos, em vez de cada um atuar sozinho? Assim, em vez de movimentar US$ 10 milhões (R$ 50 milhões), conseguem direcionar US$ 100 milhões (R$ 500 milhões) para a causa, formando um fundo maior e uma estratégia de longo prazo mais robusta”, diz Navellou.

Originalmente da Europa e sediada em San Francisco há vinte anos, o single family office NextWorld — que prefere ser chamado de organização de capital integrado — tem mais de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhões) sob consultoria e ajuda a alocar capital em investimentos com abordagem ESG. A estrutura é composta por assessoria de investimentos, private equity e investimentos tradicionais. Além disso, 2% dos ganhos e lucros anuais, cerca de US$ 8 milhões (R$ 40 milhões), financiam duas fundações cujas doações são geridas pela NextWorld Philanthropies.

Em entrevista à Forbes Brasil, Johnson, diretora da organização, afirma que o impacto permeia todo o negócio, não apenas a atividade filantrópica. “Algumas das empresas em que investimos são de consumo consciente. Temos empresas com produtos que tentam melhorar o mundo, tanto para o meio ambiente quanto para as pessoas. Nem todos os nossos investimentos são de impacto ainda, mas estamos caminhando nessa direção.”

A NextWorld, que virou tema de um case study acadêmico na Universidade de Oxford, foi criada por Sebastien e Julie Lepinard em 2008, após receberem recursos provenientes da venda de participações da família no Carrefour. “Eles pensaram: vamos criar um family office tradicional ou fazer algo diferente? Queriam focar no conceito de cuidar do dinheiro e passá-lo para as próximas gerações, criando também valor para a sociedade”, diz Johnson.

Matti Navellou, diretora da Iconiq Impact: em seis anos e meio, assessorou cerca de US$ 950 milhões em doações diretas a organizações sem fins lucrativos

Iconiq Impact/ Divulgação

Matti Navellou, diretora da Iconiq Impact: em seis anos e meio, assessorou cerca de US$ 950 milhões em doações diretas a organizações sem fins lucrativos

E no Brasil?

Apesar de ainda engatinhar no país, a ideia já começa a remodelar o setor. A Brainvest vem buscando atuar cada vez mais no segmento de filantropia. No início, era o próprio family office que fazia doações a projetos voltados à educação financeira, e alguns funcionários também dedicavam tempo às iniciativas, dando aulas nas ONGs beneficiadas, conta Jan Karsten, CEO do multifamily office, que tem R$ 6 bilhões em ativos sob gestão. “A filantropia precisa começar de cima”, afirma.

Posteriormente, Karsten passou a apresentar os projetos aos clientes para arrecadar doações e designou uma pessoa dedicada a impacto e filantropia no escritório. “Fizemos um convite às famílias que não doam ou deixam para doar apenas no fim do ano para transformar isso em algo mais perene, de longo prazo. Mostramos que é possível fazer o bem com parte do rendimento que proporcionamos a elas. Estimulamos a doar não só dinheiro, mas também tempo aos projetos.” O multifamily office concentrou-se em três causas e escolhe projetos que tenham autossuficiência para seguir com as atividades na ausência do gestor.

Na Wright Capital, que orienta investir 1% de todo o patrimônio sob gestão (R$ 8 bilhões) em fundos de impacto, há apoio às famílias que desejam estruturar doações e estímulo para que grandes empresas do portfólio também contribuam com os projetos. “Não esperamos a família ou a empresa nos pedir ajuda. A gente ensina e propõe”, diz Fernanda Camargo, sócia da companhia.

O impulso para investir em impacto vem dando resultado. O número de famílias que alocam de 2% a 4% do patrimônio em impacto aumentou, e há quem opte por destinar entre 20% e 100% do patrimônio a esse tipo de investimento, conta Camargo. “Elas me dizem que tudo bem se não houver retorno. Se cobrir a inflação, está ótimo, desde que gere impacto. É o que chamamos de impact first.”

Estratégia

Há uma série de benefícios estratégicos para os family offices que decidem incluir a filantropia entre seus serviços. Esses diferenciais tornam-se ainda mais relevantes em um ambiente cada vez mais competitivo. Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), o número de family offices no país cresceu 82,5% em três anos, passando de 80 para 146, com R$ 457 bilhões sob gestão.

Um desses benefícios é manter patriarcas e herdeiros mais unidos, afirma Karsten, da Brainvest. Juliana de Paula, conselheira em filantropia para famílias e family offices, concorda. “A filantropia tem se mostrado o espaço mais fértil para cultivar esse diálogo entre gerações”, observa.

Ter um braço de impacto e filantropia também ajuda a atrair talentos, conta Johnson, da NextWorld. “Chamamos a atenção de profissionais que não querem apenas ganhar mais dinheiro para uma família, mas gerar impacto. Além disso, como empresa de private equity, competimos com outros investidores. Uma empresa pode ter de escolher investir com a NextWorld ou com um banco tradicional e acabar optando por nós porque compartilhamos seus valores.”

 



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