A entrevista começou exatamente com as palavras usadas no título da matéria. “Tudo louco e engraçado”. Quando soube que estaria incumbido de projetar e montar a Árvore de Natal da Lagoa, num prazo muito menor do que o normal, o cenógrafo Orleans de Sá, de 48 anos, deu risada. Achou que fosse brincadeira. Depois de cinco anos sem acontecer, a Árvore do Rio, como é oficialmente chamada, voltou a iluminar a cidade na semana passada. O projeto — praticamente uma odisseia cenográfica que mistura a bandeira do Brasil com A Noite Estrelada de Van Gogh — foi concluído em um mês e meio, tempo recorde.
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Com emoção
Era um dia de sol. O cenógrafo estava a caminho da academia quando recebeu uma ligação de Lisboa com o convite para fazer a concepção artística da estrutura flutuante de 60 metros, equivalente a um prédio de 35 andares.
— Primeiro a Roberta, da Backstage, falou “está sabendo, Orleans? A árvore da Lagoa vai voltar”. Até aí bacana, falei “caramba, que legal”, no que ela responde: “É que a gente queria dizer que o projeto é com você”. Na hora meus óculos caíram, eu quase bati com o carro. Mas foi assim, nesse susto, graças a Deus — brinca Orleans.
O tempo já é uma questão “tubarão atrás do peixe” em condições normais. Ele explicou que, geralmente, os projetos começam a ser elaborados em meados de março do mesmo ano, para dar tempo de fazer as pesquisas, iniciar a produção na fábrica, montar a árvore e fazer todos os testes de iluminação e estrutura. Uma semana depois daquele telefonema, ele apresentou a primeira versão do projeto.
— Li tudo que você possa imaginar sobre Natal, analisei todas as árvores de todos os 22 anos no detalhe, pensei no Natal de Paris, de Nova York, de todos os lugares. Teve uma hora que eu mesmo falei “para, chega, deixa eu pensar”. E aí nessa pausa tive uma ideia de trazer um lado mais clássico com referências ao Brasil, aos biomas terrestres, aquáticos — conta ele.
A apresentação foi um sucesso — todo mundo amou, exceto pelo fato de que acharam “Brasil demais”. Para o nervoso de Orleans, pediram uma nova versão. Ele fez, então, outro projeto: totalmente clássico, sem tantas referências nacionais. Todo mundo ama de novo, com um porém:
— Reclamaram que não tinha Brasil. Eu só pensava “meu Deus, o que vocês querem”. E eles queriam uma bandeira do Brasil. Eu fiquei muito nervoso. Para mim não fazia sentido, não existia essa possibilidade. É Natal! Xinguei tudo o que você possa imaginar. Mas aí, em um dado momento, eu falei pra mim mesmo: “vai olhar a bandeira, vai no ódio mesmo, depois que ele for passando, você vai entendendo” — relata.
E assim foram dias de angústia e criação, dois aliados fortíssimos (Freud explica). Apesar de ter passado raiva, ele conta, humorado, que aprendeu um monte sobre as constelações presentes na bandeira, soube que a estrela Spica (Alfa de Virgem), que fica na parte de cima da faixa com o lema “Ordem e Progresso”, representa o Estado do Pará. Ainda assim, demorou até outro projeto tomar forma. Num sábado à noite, imerso nas referências, desistiu. Decidiu descansar e dormir. Mas aí, outro dia traz outra luz:
— Me veio uma ideia de pesquisar os museus de fora do país. Estive duas vezes no museu de Van Gogh, na Holanda, e a primeira obra que me surgiu foi a ‘Noite Estrelada’. Lendo sobre, descobri que ele estava num hospício quando pintou. Eu me identifiquei na hora, eu também me sentia num hospício. Ele surtado, eu surtado. Pensei: “Vou fazer uma Noite Estrelada maravilhosa nessa árvore, acender constelação por constelação, pra deixar claro que é a bandeira do Brasil — conta ele.
Em dois dias, a equipe da arquitetura fez um protótipo em 3D.
— Eu não sabia se iam gostar. Eu amei. E queria apresentar algo que um senhor olhasse e falasse “uau, que lindo!”. Se ele entender o conceito, maravilhoso. Se só apreciar a beleza, maravilhoso também. O que eu queria era o espírito do Natal ali — relata o cenógrafo.
A estrutura exibe 27 estrelas, representando os estados do Brasil, que se acendem numa coreografia de luzes, da base ao topo, o momento em que o verde da bandeira se acende como ponto alto do espetáculo visual.
— Quando o verde da bandeira se acende, ele desce pela árvore como um fio de esperança, iluminando cada estado e compondo essa noite estrelada que representa o Brasil inteiro — explica Orleans. — Depois vem o amarelo, que se espalha camada por camada até envolver toda a estrutura, como se costurasse o país em luz.
A tecnologia utilizada neste ano permite um consumo de energia menor, de 20% a 30% da energia utilizada em edições anteriores. A árvore também é iluminada por diesel renovável da Petrobras, reduzindo em até 87% as emissões: uma combinação entre alta cenografia, impacto visual pela quantidade de detalhes e compromisso ambiental.
Na apresentação do projeto, bateram palma de pé. Mas aí já era setembro. Enquanto a burocracia era resolvida para autorizar o início dos trabalhos, o tempo corria. A patrocinadora só deu o último “de acordo” pouco mais de um mês depois, quase no final de outubro. Orleans tentava se equilibrar entre não surtar com a pressão do prazo e adiantar o processo na fábrica, preparando os elementos de serralheria.
Em cinco dias depois do aceite final, a fábrica, localizada em Benfica, na Zona Norte do Rio, virou um barracão de escola de samba. Eram cerca de 120 pessoas trabalhando num galpão de 2 mil metros quadrados, lotados de equipamentos, ornamentos, ferramentas, e um vai e vem de gente para dar conta de desenhar 30 quilômetros de mangueiras de LED e neon flex, que permitiriam fazer 45 diferentes momentos de iluminação. Eles até chegaram a fazer um protótipo em marcenaria. Mas quem disse que deu tempo de usar?
— A gente fez, em um mês e meio, o que todo mundo faz em seis meses. Terminamos na data perfeita. Agradeço muito a Deus, porque foi um quarto do tempo — relata o artista.
Depois de pronta, outra questão era o transporte da estrutura toda até a Zona Sul. Foram aproximadamente 30 viagens em um caminhão de 10 metros de cumprimento, montagem debaixo de sol, e quase 18 horas de trabalho por dia.
— Fiquei absurdamente feliz no dia da inauguração. Vi muita gente emocionada. A gente trabalhou duro pra isso. Eu só queria fazer uma árvore muito bonita, que as pessoas amassem, mas cheguei a ouvir ser a árvore mais bonita de todos os tempos. Aí a gente se desmonta e fecha a noite com três garrafas de champanhe na cabeça — extravasa Orleans.
Aos 48 anos, ele acumula 30 anos de atuação em grandes eventos, como o Rock in Rio, desde a terceira edição do festival, camarotes da Marquês de Sapucaí, e grande parte dos espaços empresariais mais prestigiados da Avenida, fora as edições do tradicional “Rio Samba e Carnaval”.
A lua cheia, na noite de inauguração, deixou o cenário todo ainda mais especial.
— Faço todos os tipos de evento, mas a árvore de Natal sempre foi de um cenógrafo só. Esse foi o primeiro ano que saiu pra mim. Assinar a maior obra de cenografia da cidade é um marco, mas criar emoções positivas nas pessoas e unir famílias em volta da árvore é o meu maior pagamento. Diziam que era um presente de Natal para o Rio de Janeiro, mas foi pra mim — contou ele.
Créditos
Como montar uma decoração de Natal gigante em tempo recorde: 'Tudo louco e engraçado', diz da árvore da Lagoa:
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