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como o Banco Central ignorou a fraude no sistema financeiro

by admin

Banco Central. Foto: Divulgação

Durante meses, o escândalo envolvendo o INSS e o colapso do Banco Master foram tratados como episódios distintos, mas ambos são frutos de um sistema que permite a criação e a circulação de créditos falsos. Esses dois eventos estão ligados a uma indústria clandestina que explora brechas institucionais e transforma ficção em dinheiro real. Com informações do Poder 360.

O Banco Master foi cliente dessa fábrica de fraudes, mas não foi o único. O dado mais inquietante é que ninguém sabe quem mais está envolvido. A matéria é uma investigação do ‘Poder360’, que analisou documentos do Banco Central, despachos da Controladoria Geral da União e materiais da CPI do INSS.

Também foram feitas entrevistas com a autoridade monetária, que respondeu por escrito a perguntas feitas ao longo de três rodadas. Os documentos revelam não é apenas sobre um banco que enganou o regulador, mas sobre um sistema inteiro projetado para acreditar em documentos eletrônicos, criando uma indústria paralela capaz de fabricar esses arquivos em grande escala.

O primeiro sinal de que o Estado brasileiro já não distingue adequadamente o real do simulado surgiu em uma CPI sobre fraudes no INSS. Durante a investigação, Igor Dias Delecrode, de 28 anos, foi apontado como o responsável por falsificar biometria facial e inserir autorizações fraudulentas no sistema previdenciário.

O escândalo foi ampliado quando a Controladoria Geral da União mostrou que o sistema do INSS, ao aceitar documentos como xerox, não percebia a ausência de autenticidade. A situação ficou ainda mais absurda quando a própria Dataprev, que processa os dados do INSS, validou “Chico Bento”, personagem de Mauricio de Sousa, como um beneficiário apto a sofrer desconto em folha de pagamento.

O maior problema, no entanto, não é moral, mas estrutural. Quando um sistema que movimenta trilhões de reais aceita identidades inexistentes, surge uma questão ainda mais perigosa: que outros ativos financeiros podem atravessar essas brechas sem serem detectados? O crédito consignado, usado tanto no INSS quanto no sistema bancário, se tornou o elo invisível entre as fraudes sociais e financeiras.

A fraude do INSS foi apenas a ponta do iceberg, e a verdadeira dimensão do problema começou a ser revelada quando o crédito consignado, o empréstimo com desconto automático em folha de pagamento ou benefício, se mostrou o instrumento perfeito para a fraude.

No INSS, uma autorização falsa se traduzia em um desconto real no contracheque dos aposentados. No sistema bancário, um crédito inexistente se transformava em um ativo contábil no balanço de um banco.

Esse processo começou a se desenhar com a operação “Sem Desconto”, deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2025, quando foi revelado que entidades conveniadas enviavam arquivos falsos ao INSS, fazendo com que o dinheiro fosse debitado das contas dos aposentados.

O problema foi tão grave que, mesmo após a fraude ser descoberta, os bancos e fintechs que realizaram os descontos ilegais terão que devolver esses valores ao INSS, bancando o ressarcimento com o dinheiro dos contribuintes.

Banco Master. Foto: Divulgação

A fraude no Banco Master não surgiu de maneira isolada, mas sim em um contexto mais amplo de falhas sistêmicas no mercado financeiro. Em 2018, uma medida do Conselho Monetário Nacional (CMN) abriu o mercado para novas fintechs, sem lastro e com pouca supervisão, o que criou o ambiente perfeito para empresas de fachada e créditos falsos.

Em sete anos, o mercado de crédito consignado dobrou de tamanho, mas o controle sobre ele não acompanhou esse crescimento. O Banco Master, sob a direção de Daniel Vorcaro, especializou-se em crédito consignado, especialmente para servidores públicos. Para sustentar rendimentos elevados em seus CDBs, o banco comprou créditos falsos de empresas como a Tirreno Consultoria.

A Tirreno foi responsável pela criação de uma carteira de R$ 6,7 bilhões em créditos falsificados, que o Banco Master revendia para o Banco de Brasília (BRB), que os adquiriu sem saber que eram fraudulentos. A venda de créditos inexistentes ao BRB gerou um prejuízo bilionário, levantando questões sobre a integridade do sistema financeiro.

A investigação revelou ainda que, antes de Tirreno, o Banco Master já havia comprado créditos falsos da The Pay Soluções e Pagamentos, uma empresa sem estrutura operacional e com um capital social mínimo. O Master pagou por créditos inexistentes vendidos pela The Pay, que, após ser descoberta, foi substituída pela Tirreno.

A lógica era simples: o banco comprava créditos falsos para sustentar sua promessa de rendimentos elevados. Quando os documentos da The Pay começaram a ser questionados, o Banco Master simplesmente trocou a empresa fornecedora e continuou com a fraude.

O Banco Master não era o único a ser envolvido, já que as operações de crédito foram revendidas para múltiplas instituições, incluindo fundos de investimento, o que ampliou ainda mais a escala da fraude.

Quando o Banco de Brasília tentou verificar a autenticidade dos créditos, encontrou várias inconsistências e descobriu que o Banco Master havia vendido os mesmos créditos para diferentes compradores. Isso revelou que a indústria de créditos falsos já operava em rede, com a colaboração de diversas entidades, e que a fraude estava se espalhando.

Os correspondentes bancários desempenham um papel crucial nessa rede de fraudes. Esses agentes, que trabalham para instituições financeiras, são responsáveis por captar clientes e formalizar contratos, mas muitos atuam de maneira ilegal e sem supervisão direta.

A Cartos, uma Sociedade de Crédito Direto (SCD), operou com ao menos 20 correspondentes, alimentando o sistema financeiro com carteiras de crédito fraudulentas. Embora o Banco Central saiba da existência desses correspondentes, a fiscalização sobre eles é limitada, o que torna a fraude ainda mais difícil de ser detectada.

O Banco Central, ao ser questionado sobre sua capacidade de detectar fraudes no crédito consignado, admitiu que não verifica a existência material das operações de crédito. O sistema financeiro depende de informações declaradas pelas instituições financeiras, sem checagem externa.



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