A desigualdade de gênero atravessa o cinema, especialmente nas posições de poder criativo. No Brasil, esse cenário se evidencia no fato de que apenas 16% dos filmes lançados em 2017 tiveram direção exclusivamente feminina, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine). A lógica excludente se repete nas grandes premiações: em quase um século de Oscar, apenas três mulheres venceram na categoria de direção, e Cannes levou décadas para reconhecer diretoras com sua principal honraria.
Há uma disparidade narrativa: personagens femininas ocupam menos lugares de autoridade e são mais sexualizadas. A consolidação do cinema no Brasil ocorreu, historicamente, sob uma perspectiva masculina, relegando as mulheres a papéis secundários e invisibilizando ainda contribuições independentes como diretoras. Mesmo diante dessas limitações, elas estiveram presentes na indústria, enfrentando desigualdades estruturais para participar dos processos decisórios e ocupar posições de autoria, escrita, direção, gravação e decisão sobre um filme.
A seguir, a Fórum relembra algumas dessas histórias e trajetórias na história do país:
1 – Anna Muylaert
Uma das principais autoras do cinema brasileiro contemporâneo, com uma filmografia marcada pela atenção às relações de classe, às dinâmicas familiares e às desigualdades estruturais do país. Anna é formada em cinema pela ECA-USP, construiu uma trajetória desde os anos 2000, com filmes como Durval Discos (2002) e É Proibido Fumar (2009), mas alcançou projeção internacional com Que Horas Ela Volta? (2015), obra premiada em festivais como Sundance e Berlim e amplamente reconhecida por seu retrato crítico das hierarquias sociais no Brasil. Ao longo de sua carreira, Muylaert se destaca por narrativas sensíveis e politicamente incisivas. Seus trabalhos mais recentes, como Mãe Só Há Uma, Alvorada e A Melhor Mãe do Mundo.
2 – Petra Costa
Cineasta, Petra Costa nasceu em Belo Horizonte, em 1983, e desenvolveu uma obra documental marcada pela articulação entre memória pessoal e história política. Filha de progressistas e neta de um dos fundadores da Andrade Gutierrez, teve sua infância atravessada pela morte da irmã mais velha, tema central de Elena (2012). Após estudar Artes Cênicas na USP e Antropologia nos Estados Unidos, Petra iniciou sua trajetória no cinema com o curta Olhos de Ressaca (2009).
Esse método atinge dimensão política em Democracia em Vertigem (2019), no qual a história de sua família se entrelaça ao colapso institucional brasileiro pós-1985. O filme projetou Petra internacionalmente e consolidou seu nome como uma das vozes mais relevantes do documentário contemporâneo, reconhecida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. No ano de 2020, a cineasta foi alvo de ataques machistas da família Bolsonaro e de setores do governo.
Mais recentemente, Petra vem ganhando aclamação mundial pelo filme “Apocalipse nos Trópicos”, que recebeu indicação ao Oscar 2026 na categoria de Melhor Documentário.
3- Beatriz Seigner
É diretora e roteirista brasileira, nascida em São Paulo. Iniciou sua carreira com curtas-metragens nos anos 2000 e estreou no longa com Sonho de Bollywood (2010), a primeira coprodução indo-brasileira. O reconhecimento internacional veio com Los Silencios (2018), exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e premiado em diversos festivais. Também dirigiu o documentário Entre Nós, um Segredo (2020) e atua em projetos para cinema e séries, incluindo colaborações internacionais.
Além da direção, Seigner atua como roteirista, tendo coescrito o roteiro de La contadora de películas, novo filme de Walter Salles, e desenvolvido projetos para televisão, como a série Amigas, premiada na Series Mania 2023.
4 – Adélia Sampaio
Embora ainda pouco conhecida do grande público, Adélia Sampaio ocupa um lugar importante para a história do cinema nacional. Em 1984, ela se tornou a primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil, com Amor Maldito. Sua trajetória foi resgatada em entrevista concedida ao site Blogueiras Negras, na qual a cineasta relembra seus curtas realizados entre as décadas de 1970 e 1980, suas influências e os obstáculos enfrentados ao longo da carreira.
5 – Suzana Amaral
Foi cineasta, diretora de TV, crítica de cinema e professora brasileira cuja carreira marcou o cinema nacional. Apesar de ter ingressado na Escola de Comunicações e Artes da USP, Amaral tornou-se uma das vozes mais singulares do cinema brasileiro.
Trabalhou por décadas na TV Cultura, produzindo dezenas de documentários e curtas-metragem, antes de alcançar notoriedade internacional com A Hora da Estrela (1985), adaptação de Clarice Lispector que lhe rendeu prêmios em Brasília, Havana e Berlim, além de Uma Vida em Segredo (2001) e Hotel Atlântico (2009), que consolidaram sua reputação de adaptadora sensível de obras literárias.
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