Ainda não foi desta vez que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, negociado desde abril de 2000, foi assinado. Após morosas e infinitas idas e voltas, o motivo constante a emperrar a finalização das tratativas foi o histórico protecionismo agrícola europeu, o mais subsidiado do mundo. Não se trata de pretexto, mas de um complicador político enorme, especialmente para o governo francês, o ponta de lança atual da iniciativa para impedir a assinatura de um tratado que reunirá 722 milhões de pessoas e um PIB de US$ 22,2 trilhões.
As vontades de ambos os lados variaram de acordo com o pêndulo da política global e regional. Os governos petistas sempre olharam com desconfiança a abertura de mercados e bombardearam no nascedouro a possibilidade de acordo semelhante (Alca) com os EUA. Em seu terceiro mandato, o presidente Lula quis rever o que fora aceito pelo governo de Jair Bolsonaro em relação ao acordo, em especial uma cláusula ambiental imposta pela União Europeia, que exigia ações contra o desmatamento, dado o histórico ambiental de Bolsonaro. A esse ponto, a diplomacia de Lula logo acrescentou outros. O presidente queria o retorno de sua política industrial protecionista e insistiu em rever os termos para incluir, por exemplo, a proteção às compras governamentais.
Com a volta de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, as regras do mundo do comércio global foram destruídas. Acossado pelas tarifas injustas e unilaterais impostas ao Brasil, várias delas canceladas ou minoradas depois, o governo Lula convenceu-se de que a aliança comercial com a União Europeia faria todo o sentido para o país na nova ordem internacional.
Encurralada de um lado pela primeira guerra de conquista em território europeu desde o fim da Segunda Guerra, com a invasão russa da Ucrânia, e pelos ultimatos econômicos e militares adversos vindos de Trump, a União Europeia também acreditou que era chegada a hora de arrematar um entendimento após meio século de discussões.
Mesmo assim, os velhos problemas do bloco ressurgiram com força, em um contexto político muito mais hostil para os governos democráticos do continente. Partidos políticos autoritários ou antidemocráticos surgiram e ganharam rapidamente força eleitoral. Os governos de centro, como o de Emmanuel Macron, se viram premidos pelos dois extremos, a direita de Marine Le Pen e a esquerda de Jean-Luc Mélenchon. A direita ganhou o poder na Itália, com a ascensão de Giorgia Meloni, alçada a primeira-ministra com apoio de grupos simpatizantes do fascismo.
Tanto a direita como a esquerda francesa são nacionalistas, e Macron, impopular, já havia provado o dissabor de manifestações enormes do campo contra ele, como a revolta contra a taxa ambiental sobre os combustíveis, com os protestos dos revoltosos de coletes amarelos que se disseminaram por todo o país. As marchas de agricultores em Bruxelas, no dia em que se tomariam decisões sobre o destino do acordo com o Mercosul, reforçaram a posição de Macron. Meloni, que se mostrou pouco inclinada a extremismos desde que assumiu o poder, somou-se à França e a outros países para ter o quórum de veto, com a oposição de países com pelo menos 35% da população do bloco.
Para aplacar a ira dos lobbies agrícolas e protecionistas europeus, que não se resumem aos franceses, a UE aprovou uma emenda ao acordo como salvaguarda, bem pior para o Mercosul que sua versão original. A emenda previa a volta da proteção tarifária se os preços dos produtos brasileiros (em especial, carnes, arroz, mel e soja) variassem 10% em três anos. A emenda final prevê variação de apenas 5% dos preços no mesmo período, ou de 8% no volume de importações. O Mercosul não foi formalmente consultado sobre nova medida de restrição, que se juntou a uma variedade de outras constantes no acordo, e obteve pretexto para brecar o acordo.
Ao que tudo indica, o Brasil não está interessado nisso. Poderá contestar esse novo empecilho durante a vigência do acordo e não antes, para impedi-lo. O presidente Lula e o comissário para o Comércio da UE, Maro efcovic, mostraram a mesma posição antes do adiamento da assinatura, na última reunião do Mercosul sob direção brasileira: concordaram que não havia um único motivo para que o acordo não fosse sacramentado já. Lula foi mais longe e disse que se isso não ocorresse agora, não aconteceria mais durante sua gestão. Depois voltou atrás.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, disse que haverá um intervalo de 15 dias até o acordo ser consumado, período que será usado para aparar desavenças na UE. Não é possível ter tanta certeza disso, pois são discordâncias de anos que não dão sinais de enfraquecer. No entanto, podem ceder diante dos estímulos políticos para Mercosul e UE se unirem, que continuam fortes. A UE precisa de apoios políticos e comerciais que não pode encontrar nem na China nem nos EUA. O Brasil, com o alerta das tarifas de Trump, precisa diversificar mercados, e a velha e rica Europa seria parceira ideal para isso.
