Por: Leonardo Sakamoto
O Congresso tentou abrir o cemitério orçamentário e puxar dos túmulos emendas parlamentares que já estavam oficialmente mortas e enterradas. Emendas canceladas e sem existência jurídica são ótimos personagens para um roteiro de terror sobre o orçamento secreto. Mas, como em toda boa série de zumbis, sempre há quem acredite que dá para trazê-las de volta à vida com um empurrãozinho legislativo, quer dizer, narrativo.
A estratégia foi digna de um filme B devido ao clichê batido: esconder os mortos-vivos como um jabuti, dentro de um projeto que cortava benefícios fiscais de empresas e aumentava impostos para bets e fintechs, texto vendido como necessário pelo governo Lula para proteger as contas públicas. Enquanto o público olhava para o drama principal, lá no fundo do cenário alguém destrancava o necrotério e preparava a reanimação. O plano era simples: se ninguém perceber, as emendas-zumbis andam livremente em 2026, mordendo o orçamento pelo caminho.
Mas entrou em cena o ministro Flávio Dino, do STF, fazendo o papel do personagem que lembra ao grupo que zumbi não vira humano de novo só porque alguém sente saudade. Ao suspender o artigo que revalidava emendas que tinham sido canceladas, ele fez o que qualquer sobrevivente racional faria: apontou que morto é morto. Restos a pagar cancelados não entram em coma, deixam de existir. Ressuscitá-los equivale a criar uma nova despesa sem lei orçamentária válida, algo que transforma a responsabilidade fiscal num figurante descartável.
Como em “The Walking Dead”, os problemas não são apenas os zumbis, mas os humanos que insistem em protegê-los. Parte dessas emendas vem justamente de uma modalidade sem autoria individual clara, sem transparência e pudor, declarada inconstitucional pelo STF — a extinta emenda de relator. Pior do que reanimar mortos, deputados queriam trazer de volta cadáveres que já haviam sido executados pelo rito constitucional.
Em Brasília, a emenda-zumbi não come cérebros, devora a previsibilidade fiscal, o planejamento público e a confiança institucional.

Ao lembrar que o equilíbrio fiscal é dever dos três Poderes, Dino estragou a ceia de Natal de muita gente. Afinal, é mais confortável culpar o Executivo, xingar o Judiciário e seguir fingindo que o orçamento é uma cidade amaldiçoada, onde despesas mortas podem reaparecer a qualquer momento, como personagens que retornam sem explicação depois de várias temporadas.
Desta vez, o caos foi contido antes do primeiro ataque. Em um filme ou uma série de zumbis, isso significaria um respiro. Na política brasileira, misto de Walking Dead, House of Cards, The Office e Nos Tempos da Vaselina, contudo, é apenas mais um lembrete de que, enquanto houver quem tente ressuscitar zumbis, alguém terá de lembrar que a Constituição não é um seriado de terror. E que dinheiro público não aceita plot twist.
O pessoal frustrado, porque queria ganhar seu morto-vivo como presente na Natal, deve estar pensando em 1001 maneiras de livrar-se de Flávio Dino, o que explica a sanha de muita gente para facilitar impeachment de ministros do STF. Com o início do julgamento dos desvios de grana das emendas por parlamentares, que começa no ano que vem, e tem potencial para ser um apocalipse político, a tensão só vai piorar.
Enquanto parte do Congresso seguir apostando em tipos de emendas que deveriam estar mortas como método de sobrevivência, o Brasil continuará preso nesse seriado interminável em que o verdadeiro terror não são os zumbis, mas a naturalização do desvio, da opacidade e da impunidade.
Publicado originalmente na UOL.
