Mas todo esse movimento deve acompanhar o pêndulo financeiro da empresa – não haverá muitas chances de conseguir uma verba adicional se a operação estiver com problemas de caixa. Na prática, a área de comunicação vai atuar para, mesmo com recursos limitados, divulgar ou repercutir atividades que precisam ser conhecidas pelos públicos interno e externo.
Segundo o Boletim Panorama Econômico/Orçamento da Comunicação Empresarial no Brasil 2024-2025 e a Pesquisa de Tendências da Comunicação Interna 2025, da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), o valor total dos orçamentos para a comunicação corporativa no Brasil caiu de R$ 35,5 bilhões em 2023 para R$ 31,8 bilhões em 2024, uma redução de 10,4%. A estimativa é de uma leve melhora em 2025, alcançando R$ 32 bilhões.
A boa notícia é que a disputa por investimentos tende a ser aliviada graças ao crescente reconhecimento da comunicação como uma engrenagem essencial aos negócios. De acordo com os estudos, 68% das corporações afirmam que o papel estratégico dessa divisão vai crescer em 2025.
Para debater essa questão e detalhar temas que ocupam a rotina do comunicador, como a exigência de novas competências na liderança e o uso da inteligência artificial nos expedientes, o Valor e a Aberje promoveram uma mesa-redonda com diretores de comunicação de grandes companhias. O encontro, que celebra o 18º ano da parceria, destinada a analisar as perspectivas de trabalho e os desafios crescentes do setor, também indica trilhas de diálogo em uma época afetada pelas fake news e pela polarização política – inclusive com ventos contrários a estratégias de diversidade e sustentabilidade.
“Esses 18 anos marcam uma trajetória construída pela parceria consistente entre o Valor e a Aberje, que se transformou num ritual da comunicação empresarial brasileira”, afirma Paulo Nassar, diretor-presidente da Aberje e professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
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A comunicação é um radar que identifica e antecipa os sinais do ambiente, novos comportamentos e tecnologias, disse Nassar, na abertura do encontro. “O nosso campo de trabalho, por ser tão diverso e globalizado, sempre vai precisar discutir questões como reputação, cultura e inovação.”
Conduzido por Nassar, Hamilton dos Santos, diretor-executivo da Aberje, e Luciana Marinelli, editora-assistente de Projetos Especiais do Valor, o debate reuniu Pâmela Vaiano, diretora de comunicação do Itaú Unibanco; Marcela Porto, diretora de comunicação e marca da Suzano; Claudia Góes, diretora de comunicação da Microsoft no Brasil; Pedro Torres, diretor de comunicação e relações institucionais da Gerdau; Lydia Damian, diretora de comunicação da Hydro; Juliana Marra, diretora de comunicação, assuntos corporativos e sustentabilidade da Unilever; Clau Duarte, diretora de comunicação do Santander Brasil; e Danilo Vicente, diretor de comunicação externa, interna e de marketing institucional do Grupo Carrefour Brasil. A seguir, os principais trechos da conversa.
Valor: A comunicação corporativa nunca foi tão estratégica. Está perto do CEO, participa de decisões importantes, é central na reputação das empresas. Mas opera com equipes enxutas, orçamentos restritos e desafios macroeconômicos. Como vocês equilibram essa equação entre relevância estratégica e restrição de recursos?
Pâmela Vaiano: Os desafios de orçamento não são novos e sempre estiveram presentes na área de comunicação, que vem ganhando um papel estratégico nas organizações, principalmente com a necessidade de gerir marcas e conversas nas redes sociais. Mas isso não significa que a relevância veio com orçamento ou estrutura. Gosto de pensar que a comunicação é uma área de negócio e, como tal, disputa “share of wallet” [participação na carteira] anualmente. Quando há um projeto importante, trazemos equipes de outras áreas, e aí existem recursos trabalhando para você. Na prática, mergulhamos nas prioridades dos negócios para os próximos anos. A busca de “budget” [orçamento] não é uma procura na linha de “tive uma ideia brilhante, você poderia patrociná-la amanhã?”. Essa busca significa se inserir nas agendas relevantes da empresa e desenhar, com antecedência, estratégias que vão precisar de investimentos. Eu até consigo [fazer] crescer organicamente o meu orçamento central, mas a partir de um “budget” de negócio. Hoje, tenho pelo menos um terço do meu orçamento que, ano a ano, trago das áreas de negócios diante de projetos que foram colocados. No fim do dia, trata-se de como se colocar na lógica corporativa em que ninguém tem um “budget” posto e dado. Você vai ter que lutar por ele como qualquer outra área de negócio.
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Claudia Góes: O nosso “budget” é global e nos reportamos “dotted line” [para fins específicos] para a presidência no Brasil. A gente também se posiciona como uma divisão de negócios. Então, a comunicação é uma unidade de negócio e, apesar do nosso “budget” vir de fora, quando há ações relevantes alinhadas aos objetivos da empresa, o dinheiro aparece. Aparece porque aquilo é uma prioridade e vai se achar investimento, localmente. Recentemente, lançamos uma campanha de comunicação interna totalmente fundeada pelo time global porque se achou que era relevante, naquele momento, investir numa comunicação interna para o público do Brasil. Isso passa por a gente advogar pela causa, se posicionar e entender quem são os stakeholders que será preciso ter como aliados na empresa para que essas ideias sejam “compradas”. A parceria com as áreas de negócios, saber navegar dentro da companhia, saber onde estão os “bolsos” e qual o momento de pedir verba são fatores que facilitam essa jornada, para que não tenhamos escassez. Na verdade, para que tenhamos abundância. Alguém tem dinheiro. É só você saber em que porta bater.
Paulo Nassar: É possível sustentar a comunicação só pela perspectiva dos negócios B2B [entre empresas]?
Pedro Torres: Independentemente de se é B2B ou B2P [negócios entre pessoas], quem toma as decisões, mesmo as de negócios, são pessoas, e quem faz as outras empresas, mesmo as que compram de nós, também são indivíduos. No fim do dia, é de pessoas para pessoas que a comunicação acontece. E esse tema que estamos discutindo aqui, sobre orçamentos, é um desafio empresarial, não é [apenas] da área de comunicação. [Somos] estrategistas de posicionamento e de reputação para as empresas e, às vezes, esquecemos de ser a mesma coisa para as nossas áreas. O grande desafio é focar naquilo que gera valor para a companhia. [É saber] onde estão os problemas da empresa. Se você consegue se conectar de forma direta com isso, fica maior a chance de a organização “ver” valor nos projetos que a área vai executar. Os profissionais de comunicação têm a capacidade de ser uma caixa de ressonância dentro das companhias. O que faz virarmos, talvez, “advisors” [conselheiros] para temas gerais. Na Gerdau, respondemos diretamente ao CEO global, o que nos dá um “empowerment” [empoderamento] grande na relação com pares. Você está no “nível 1” da companhia, sentado à mesa das principais decisões, ouvindo as discussões que estão acontecendo. Isso ajuda a direcionar a área de comunicação para um lado ou outro. Ajuda a ter um termômetro real [da situação], e não só um termômetro das reuniões de orçamento. O que temos buscado na Gerdau nos últimos anos é criar um “tamanho” da área de comunicação para que ela não precise de um “efeito sanfona”. Quando é um ano muito bom, a gente não cresce demais, e quando é um ano muito ruim, a gente não diminui demais. Isso nos dá previsibilidade de ter um bom planejamento.
Lydia Damian: A Hydro é uma empresa norueguesa e a maior parte das operações no Brasil fica no Pará. Temos o desafio de operar no bioma amazônico. Quando fui contratada, encontrei um olhar de que um negócio B2B não precisa se expor muito. A comunicação externa se limitava à defesa de alguma desinformação, da realidade de uma indústria de alumínio. Foi quando começamos um trabalho de sair desse escopo, da limitação do B2B. A reputação da companhia e a informação correta precisavam atuar de uma forma muito mais ampla numa era em que as redes sociais dão voz a todos. Hoje, a comunicação se reporta ao CEO da companhia e “dotted line”, à vice-presidência global de comunicação. É um desafio grande com recursos cada vez mais “atentos”.
Juliana Marra: Somos uma empresa B2C [negócios de empresas para consumidores] que se comunica muito. Mas vocês não compram um produto Unilever – compram Dove, Omo, Rexona ou Hellmann’s. O maior orçamento que temos está dedicado às marcas. Então, precisamos pensar que a companhia toda está ao nosso favor, com tantas narrativas e histórias para contar. Dependendo do quão hábil formos no relacionamento interno, teremos, inclusive, patrocínio de outras áreas, trabalhamos juntos. Por exemplo, tivemos agora dois lançamentos de programas de estágio e trainees que fizemos com o RH, uma grande área parceira. Houve uma estratégia casada. Não era o orçamento da nossa área, mas foi o orçamento de comunicação que foi usado nas campanhas. Se formos olhar assim, no limite, quase que o orçamento inteiro que a companhia tem, poderíamos dizer que a gente pode ousar em conseguir capturar, a depender do quanto você “vende” um projeto interno. [É como se falássemos] “deixa eu te ajudar nisso”. Em resumo, existe um orçamento que é dedicado, exclusivo, para que a área funcione, mas quando você tem um grande projeto, junto com outras áreas, o dinheiro aparece também.
Clau Duarte: Dentro do Santander, temos alguns projetos para que o funcionário cocrie produtos e serviços conosco. Lançamos isso não faz tanto tempo. Harmonizamos toda a comunicação interna, seja do ponto de vista institucional como do de negócios, com a inteligência artificial [IA], para trazer unidade nos pontos de contato. Outro dia, um funcionário sugeriu: “por que não mudamos o número do cartão de crédito pelo nome da pessoa?”. Essa escuta tem nos ajudado a melhorar processos. Externamente, o consumidor hoje fala quais são as campanhas que quer “ouvir”, qual o jeito que ele quer que o banco se posicione. No que diz respeito a orçamento, o dinheiro existe. Precisamos ver como direcionar e capturar. É muito menos sobre “rouba-montes” e muito mais sobre mostrar o sentido da comunicação que você pode aportar, de valor, para a empresa. Quando a organização vê valor naquilo que se está fazendo, o dinheiro aparece e é eficaz na construção [de projetos].
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Danilo Vicente: Muitas vezes, o nosso orçamento base pode cair ou ter um corte. Por conta disso, vamos conversar com diferentes áreas da empresa para ir atrás de recursos. É como todo mundo já falou aqui – dinheiro tem, desde que você consiga convencer alguém que ele será usado para um “norte” da companhia. Vou dar um exemplo. O meu orçamento para este ano foi feito sob essa ótica, só que “peguei” a comunicação interna no pós-orçamento. A lógica era “você tem essa verba aqui e precisa lidar com ela”. Mas não dava para “fechar” o ano. Fui bater na porta de cada área e falar: “olha, com essa quantia, eu preciso da sua ajuda, preciso passar a fazer parte do seu orçamento também”. E conseguimos. Estou chegando ao fim do ano e não estou “devendo” a ninguém. Todo mundo na companhia conhece a relevância da comunicação. A gente parte de um orçamento base, para pagar os nossos custos, mas contamos com a participação [de outras áreas] em diferentes projetos.
Paulo Nassar: Quais seriam as características essenciais para um líder da área de comunicação hoje, diante da necessidade de definir orçamentos e eleger prioridades?
Danilo Vicente: Um dos desafios é lidar com gerações distintas no ambiente de trabalho. Ser um bom gestor é saber lidar com três, quatro gerações trabalhando ao mesmo tempo.
Pedro Torres: É preciso ter um entendimento sobre o que está acontecendo no mundo, ser curioso. Trazer o contraditório, ter uma visão diferente, ajudar a companhia a expandir a sua visão. Uma vez por mês, a minha “cadeira” senta com os acionistas. E eles não me perguntam qual é o nosso engajamento na rede social, se tivemos 36 ou 42 matérias [sobre a organização]. A gente discute o mundo. Debatemos para onde a operação vai, como podemos “olhar” [os assuntos] de forma mais estratégica. Hoje, 70% da Gerdau está fora do Brasil – são americanos, mexicanos, canadenses. Só nos Estados Unidos são 14 fábricas. Como é que eu não “atrapalho” o time de comunicação americano que se reporta a nós no Brasil? Eu não sei mais sobre os Estados Unidos do que eles. Mas eu preciso ter a capacidade de discutir estratégia com eles. A parte “ferramental” [do trabalho] podemos comprar, desenvolver, contratar. Lembro de um gestor que me perguntava: “qual é o segredo para o time de comunicação ser muito melhor do que qualquer agência ou fornecedor?”. É conhecer a empresa melhor do que todo mundo.
![Marcela Porto, diretora de comunicação e marca da Suzano: "Praticar a escuta é importante. Muitas vezes, as conexões [estão] dentro do negócio" — Foto: Ana Paula Paiva/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/WWa3HWNZomjG77zt8HNu5U7QU04=/0x0:1200x1200/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/q/v/sLe4jbSUAaidc0AnWx1g/rev-comcorp-20251215-043-marcelaporto-suzano-foto-anapaulapaiva-valor.jpg)
Marcela Porto: Também acho que é essa curiosidade do profissional de comunicação, a competência de ser transversal. No ano passado, escutei um palestrante falar do “generalista criativo”. Que havia passado a era dos grandes especialistas. O profissional do futuro seria um generalista criativo que consegue fazer uma leitura do mundo, conectar pontos e trazer contribuições relevantes que levem a empresa a ir além. Praticar a escuta é muito importante. Muitas vezes, as conexões [estão] dentro do próprio negócio. [Precisamos] ter esse papel de governança e de articulação. [Ser] um profissional que constrói conexões, gera valor para o negócio.
Clau Duarte: É quando você desenvolve um olhar preditivo. Costumo dizer para o time que o que mais me preocupa é aquilo que eu não estou vendo. Bato bastante na tecla de ouvir ativamente, de fazer conexões.
Danilo Vicente: O líder de comunicação precisa ter uma equipe diversa. É com a diversidade que temos o olhar de tentar acompanhar o que está acontecendo. Conseguimos ser mais abrangentes.
Juliana Marra: É preciso ter coragem. De dizer não [a um projeto] justamente daquela área que você foi “pedir” dinheiro. Precisamos ser a área parceira, que trabalha e cria junto [com outros departamentos]. Não a área que só está dando um suporte. Ter coragem para, nos momentos difíceis, dizer: “não vamos entrar nesse caminho porque é uma enrascada”.
![Juliana Marra, diretora de comunicação, assuntos corporativos e sustentabilidade da Unilever: "[Com a IA] Ganhamos tempo para investir em outras atividades, como relacionamento com as áreas" — Foto: Ana Paula Paiva/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/NCs35pE1Ak0dXlzPC9Vg15HJvaM=/0x0:1200x1200/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/k/0/GigJp8TNGbgb31d8Ar3A/rev-comcorp-20251215-045-julianamarra-unilever-foto-anapaulapaiva-valor.jpg)
Lydia Damian: Coragem e escuta são pilares para termos uma comunicação efetiva. No momento em que atuamos num bioma amazônico, onde o mundo inteiro dá palpite, precisamos escutar os públicos do entorno das operações. [Praticar] a escuta que vem de dentro para fora, ouvir a própria equipe, as áreas que dependem da estrutura de comunicação. Mas ouvir também o que nosso vizinho, o quilombola, o indígena, está dizendo sobre uma companhia norueguesa que atua na Amazônia. Ouvir primeiro o que eles esperam, precisam ou concordam, para então conseguirmos nos comunicar da forma correta.
Claudia Góes: O líder precisa ter a humildade de saber que não sabe tudo e que vai continuar aprendendo. Entender que o jeito que ele se comunicava há 20 anos não faz mais sentido agora. O profissional de comunicação também deve saber aconselhar. Orientar os pares sobre a comunicação adequada.
Paulo Nassar: O que é mais singular na profissão? O que ninguém faz e que vocês fazem dentro da organização?
Lydia Damian: A arte de contar histórias. A comunicação está nas nossas mãos. Começa da escuta, para entregar as histórias que precisam ser contadas. É aquilo que diminui a desinformação, tira dúvidas. É uma expertise que o profissional de comunicação precisa ter cada vez mais.
![Lydia Damian, diretora de comunicação da Hydro: "[É preciso] ouvir também o que nosso vizinho, o quilombola, o indígena, está dizendo" — Foto: Ana Paula Paiva/Valor](https://s2-valor.glbimg.com/1TXCipiC0D8yQHDpF1SKkVsS_o0=/0x0:1200x1200/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2025/p/G/LH701mSIi5w3KMhNrBAA/rev-comcorp-20251215-047-lydiadamian-hydro-foto-anapaulapaiva-valor.jpg)
Pâmela Vaiano: A nossa visão “multistakeholder” traz uma capacidade de estabelecer caminhos genuínos de posicionamento externo num mundo em que a transparência é o que mais gera conexão e confiança com as marcas. Ninguém mais se ilude com propósitos bonitos, escritos em embalagens de produtos. O consumidor quer a transparência da logística reversa, dos insumos, da equidade salarial. Temos a habilidade de apontar dados que vão medir se estamos trilhando o caminho certo com os públicos com os quais desejamos construir alguma coisa.
Valor: Estamos na era das redes sociais e das fake news. Nesse contexto, como vocês administram a comunicação, a hora certa de falar e de ouvir?
Marcela Porto: Fazemos bienalmente uma pesquisa de reputação com dez grupos de stakeholders. Ao todo, são mais de três mil pessoas ouvidas. É uma amostra importante para ajudar a traçar caminhos. [Analisamos] qual o tipo de comunicação que funciona, o atributo que as pessoas querem ver em relação à empresa. Se existe o “walk the talk” [fazer o que se diz ou propõe], consistência e coerência na comunicação. Estamos, de fato, falando sobre o que a gente realmente faz?
Hamilton dos Santos: Voltando ao tema do orçamento, a inteligência artificial ainda é apenas um investimento ou já é uma solução para baixar o budget? Vocês estão investindo em implementar agentes de IA?
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Claudia Góes: Usamos a IA em tudo e, para a gente, não é custo. No momento, estamos fazendo treinamentos para aplicar agentes na comunicação, a fim de automatizar processos mais caros, difíceis ou burocráticos. A nossa IA [da Microsoft] se chama Copilot [“copiloto”, do inglês], porque acreditamos que a tecnologia jamais vai substituir o humano ou o nosso trabalho como comunicadores. E tem coisas que a IA não faz, como sentir a “temperatura” de uma reunião, o engajamento com a imprensa, se um colega está triste. Ela é uma ferramenta como a internet. Como a máquina de escrever e o telex também já foram.
Juliana Marra: Utilizo bastante, me economiza tempo e sugiro que a equipe também o faça. Ganhamos tempo para investir em outras atividades, como no relacionamento com as áreas ou na geração de mais impactos de resultados para a empresa. Preciso ter gente disponível para transitar entre as unidades de negócio. Adotamos a Copilot como política global – todo mundo tem que usar. Entendemos que tem relevância para a comunicação. Não posso dizer que há uma economia orçamentária com isso, mas posso falar que conseguimos usar as pessoas para outras tarefas. Eu consigo “otimizar” o time. É eficiência.
Pâmela Vaiano: Temos o Copilot e o ChatGPT. Na verdade, a área de tecnologia trabalha com todas as big techs. Brinco que fazemos os nossos “coquetéis de IA” para cada desafio, com outras opções como o OpenAI e AWS. Temos testado e devemos embarcar a IA para sistemas que conectam uma série de dados externos, auditorias do LinkedIn, análises de mídia, de discursos e redes sociais. [A ideia] é que a gente consiga ter uma visão “end to end” [de ponta a ponta] dos esforços feitos e resultados. E, acima de tudo, das matérias que classificamos. Chegamos a ter um volume de 50 mil matérias ao ano. Na minha base, por exemplo, tenho mais de cinco milhões de matérias. Então, existe um conhecimento que não conseguimos acessar porque a forma com que as nossas agências auditam esse material não é acessível para entender temas específicos. [Espero] que a gente consiga trazer a IA para ajudar na gestão de dados e conteúdos.
Pedro Torres: Somos uma empresa de capital aberto e fazemos divulgação de resultados trimestrais. Tínhamos que ler 400 relatórios [de analistas de bancos]. Atualmente, tentamos fazer alguns ensaios para pegar tudo isso, jogar num processo de IA e pedir à tecnologia a melhor assertividade para usar em um texto. Ela não vai fazer o texto para nós, mas consegue trazer ideias como “o mercado espera que a Gerdau aborde mais um determinado tema, como custo, investimento e expansão, porque a média dos analistas está mais focada nisso”. Ainda não conseguimos dizer [a economia de] custo com a IA, mas na hora em que liberamos o tempo das pessoas, liberamos um custo também. Elas conseguem fazer mais coisas com aquele mesmo recurso e você maximiza o orçamento.
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Danilo Vicente: Utilizamos a IA para otimizar o trabalho. Na comunicação interna desse ano, tínhamos muitos profissionais focados em design. Falei: “isso aqui a gente pode otimizar; vamos utilizar esse tempo para ações de relacionamento, por exemplo”. Foi um deslocamento. Mudei o tipo de tarefa [que era feito], a IA passou a ajudar no design e o time seguiu para outras atividades.
Valor: Queria trazer uma última questão. Vemos tensões geopolíticas, polarização e temos um discurso vindo dos Estados Unidos – impulsionado pelo presidente Donald Trump – que pressiona pautas como sustentabilidade e diversidade. Como isso está impactando a comunicação e como vocês veem essa influência nas empresas aqui?
Danilo Vicente: Eu acho que impacta, mas tenho encarado como uma oportunidade. No começo do ano, quando as questões anti-woke estavam sendo levantadas, principalmente com a chegada do Trump à presidência, eu sentei na frente do meu CEO e falei: “a gente precisa agir rápido para ratificar o nosso compromisso em relação à diversidade”. Está tendo um movimento de dizer não, e a gente precisa dizer sim. Ele falou: “mas por que você está me perguntando?”. Eu falei: “porque você é o CEO e eu quero entender como é que está, nós somos uma empresa originalmente francesa”. Ele falou: “faz, só faz”. A empresa precisa seguir aquilo que ela acredita que é o correto, atenta ao que está sendo discutido no mundo.
Juliana Marra: Acho que todo mundo conversou sobre isso este ano em todos os lugares. Uma coisa que a gente acredita muito é em falar aquilo que de fato a gente realiza. O tal do “walk the talk”. Na Unilever não temos uma estratégia de sustentabilidade, é a estratégia do negócio que dentro tem sustentabilidade. As nossas fábricas seguem aterro zero, os nossos produtos seguem tendo mais plástico reciclado do que antes. A meta de coletar mais plástico do que a gente põe na rua que era para o fim deste ano foi batida no ano passado. É a maneira como a gente opera. Não tem um caminho de volta.
Marcela Porto: No fundo, acaba sendo uma oportunidade de se diferenciar, porque as empresas que tinham isso na sua cultura e operavam dessa maneira seguiram operando. Mas acho que teve uma adaptação na forma de falar. Visitamos clientes nos Estados Unidos que investem muito nisso, sempre investiram, e falaram “a gente não mudou nenhum programa interno, seguiu investindo e operando como operava, mas no site, nas redes sociais, baixamos o tom”. As inteligências artificiais do governo americano estão começando a pesquisar por determinadas palavras-chave, e se você está muito ativo naquelas palavras-chave, pode receber algum tipo de retaliação. Então isso eu vejo acontecer, mas acho que o nosso caso é muito parecido [com o da Unilever]. Sustentabilidade é absolutamente integrada no modelo de negócio. Não tem como dar um passo para trás, e diversidade é uma camada que a gente adiciona por acreditar mesmo e segue firme. Acho que foi uma oportunidade de diferenciação.
Pedro Torres: Posso trazer um exemplo concreto disso: 60% da Gerdau está nos Estados Unidos, fornecemos aço para o governo americano nos setores de energia e defesa. A gente teve que mudar radicalmente. Não a nossa essência, mas a forma de comunicar, porque senão a gente ia perder muito dinheiro. Isso é prático. A Gerdau tem uma meta, que incide sobre o bônus dos altos executivos, de mulheres em posição de liderança. Fomos obrigados a tirar essa meta nos Estados Unidos. A gente foi notificado formalmente pela embaixada americana que ia deixar de ser um fornecedor [se não tirasse]. A gente continuou mantendo o mesmo objetivo de crescimento [das mulheres na liderança], mas eu não posso mais remunerar um executivo nos Estados Unidos com meta de diversidade. Não posso. Mesmo coisas simbólicas, pequenas, todos os anos a gente mudava a logomarca no dia do orgulho LGBT. Nos Estados Unidos, nós paramos. É óbvio que a gente acredita muito que isso pode passar e a Gerdau vai voltar a ser quem ela é, mas essa capacidade da empresa de entender o cenário de negócios e os desafios é super-relevante. E o grande desafio é o público interno. Imagina um time de diversidade que vive essa essência todo dia, eu sentando com eles e falando: “a gente não vai trocar a logomarca este ano”…
Valor: E como vocês trataram isso?
Pedro Torres: Com muita transparência. O Gustavo [Werneck], que é o CEO, foi o grande porta-voz. Temos os “CEOs talks” a cada trimestre e falamos muito sobre isso. Nossas vendas nos Estados Unidos podem deixar de acontecer da noite para o dia por causa dessa decisão. E isso mata a nossa operação americana. Então precisamos atravessar esse momento e nos adaptar. A Gerdau continua sendo a mesma. Continua acreditando nas mesmas coisas e nós não mudamos essa mesma meta em nenhum outro país. No Brasil continua, na Argentina, no México, no Canadá. Nos Estados Unidos a gente fez uma adaptação a uma realidade de momento. O que não vai mudar a nossa crença.
