Foi escrita em 1936, dentro da cadeia, na Ilha Grande. Nela, conta que começou a estudar russo (“você vê que aqui temos professores (…) Se tiver a sorte de me demorar aqui uns dois ou três meses, creio que aprenderei um pouco de russo para ler os romances de Dostoiévski.”) e que divide sua cama com insetos (“As camas têm percevejos, mas ainda não os senti”).
Na carta, nenhuma reclamação, até porque a ditadura Vargas censuraria, como Graciliano sutilmente sugere: “Não lhe pergunto nada, porque as cartas não me seriam entregues”.
Eis o texto completo da carta:
“27/03/1936 Heloísa: até agora vou passando bem. Encontrei aqui excelentes companheiros. Somos setenta e dois no pavilhão onde estou. Passamos o dia em liberdade. Hoje comecei a estudar russo. Já você vê que aqui temos professores. O Hora estuda alemão. Entre os livros existentes, encontrei um volume de Caetés, que foi lido por um bando de pessoas. Companhia ótima. Se tiver a sorte de me demorar aqui uns dois ou três meses, creio que aprenderei um pouco de russo para ler os romances de Dostoiévski. Nas horas vagas jogo xadrez ou leio a História de Portugal. Julgo que sou um dos mais ignorantes daqui. Pediram-me uma conferência sobre a literatura do nordeste, mas não tenho coragem de fazê-la. As conferências aqui são feitas de improviso, algumas admiráveis. Tudo bem. As camas têm percevejos, mas ainda não os senti. Quanto ao mais, água abundante, alimentação regular, bastante luz, bastante ar. E boas conversas, o que é o melhor. Não lhe pergunto nada, porque as cartas não me seriam entregues. Abraços para você e para todos. Beijos nos pequenos. Graciliano.”
