RIO — A União Europeia enxerga o acordo comercial com o Mercosul como uma peça-chave para garantir o acesso a minerais críticos indispensáveis à transição energética, às tecnologias digitais e à autonomia estratégica do bloco.
Representantes do Parlamento e da Comissão Europeia destacaram em webinar, na semana passada, que o tratado abre uma janela para reposicionar a relação entre as duas regiões, com o Brasil no centro da estratégia de fornecimento de matérias-primas estratégicas.
A eurodeputada Hana Jalloul Muro, vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores (AFET) do Parlamento Europeu, defendeu o acordo como “uma oportunidade única e muito importante”, em meio a um cenário de instabilidade das relações com os EUA e a dependência excessiva da China.
“Se quisermos falar de autonomia estratégica, este acordo é fundamental. Ele ajudará a manter a nossa autonomia estratégica na Europa e a reforçar nossa liderança”, disse.
Segundo ela, a dependência europeia de mais de 90% das terras raras provenientes da China expõe o bloco a riscos significativos.
“Essas dependências deixam a Europa muito exposta a medidas unilaterais e tornam vulneráveis nossas cadeias de suprimento e nossas indústrias”.
Nesse contexto, o Brasil surge como parceiro central na avalição da eurodeputada.
“O Brasil é um parceiro-chave, especialmente considerando suas vastas reservas de nióbio, um material que a União Europeia considera crítico para nossas economias, dada sua importância essencial para semicondutores. O mesmo se aplica ao níquel e ao manganês, que estão amplamente presentes em seu território”.
Para ela, o capítulo específico sobre matérias-primas no acordo é “extremamente positivo” e permitirá assegurar o fornecimento desses minerais de forma sustentável.
Europa precisa urgentemente de minerais críticos
Do lado da Comissão Europeia, a negociadora-chefe do acordo UE–Mercosul, Kristina Grutschreiber, reforçou que o tratado ganhou ainda mais relevância em um ambiente de “turbulência geopolítica”.
“Acreditamos sinceramente que temos uma oportunidade histórica de concluir um acordo extremamente relevante. (…) este acordo é ainda mais importante do que seria em circunstâncias normais”, disse.
Em relação aos minerais críticos, Grutschreiber afirmou que a urgente necessidade europeia por essas matérias-primas se sobrepõe à resistência política na Europa, especialmente ligada ao setor agrícola da França, que até aqui impedia a implementação do acordo.
“Agora estamos falando de matérias-primas críticas, de que a Europa precisa desesperadamente (…). Essa não é uma questão sensível; ao contrário, é uma área em que temos necessidade de importações e na qual nos beneficiaríamos significativamente da diversificação e da possibilidade de importar mais da América Latina”, disse.
Grutschreiber reforçou que a celeridade para o acordo pode ser mais vantajosa para a UE.
“Se não fizermos algo agora, acabaremos perdendo essa oportunidade. E, se eu fosse o Brasil, começaria a olhar para outros parceiros e deixaria de esperar pela União Europeia — o que seria bastante lamentável”.
A negociadora também lembrou que o texto incorporou elementos inéditos em sustentabilidade.
“Foi especialmente importante que o Acordo de Paris sobre mudança climática tenha se tornado um elemento essencial do acordo”.
Além disso, “conseguimos chegar a um compromisso para interromper o desmatamento até 2030”, o que, segundo ela, agrega valor ao tratado.
Brasil não quer ser exportador de mineral bruto
Do lado brasileiro, Mario Bierkens, assessor da Secretaria Nacional de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia, detalhou como a política nacional de minerais críticos, prometida pelo governo há mais de dois anos, se conecta diretamente ao acordo Mercosul-UE.
“Nossa política entende os minerais críticos como fundamentais para o desenvolvimento sustentável, para as bases industriais e para a transição energética global”.
Ele lembrou que o Brasil detém reservas relevantes de lítio, níquel, cobre, grafite, nióbio, terras raras e outros minerais essenciais para baterias e sistemas de energia limpa.
Segundo Bierkens, a estratégia brasileira se apoia em dois eixos principais: ampliar o conhecimento geológico e impulsionar a produção doméstica, e desenvolver a indústria de processamento e agregação de valor.
“Estamos determinados a não permanecer apenas como exportadores de minério bruto”, afirmou.
Para isso, o país busca parcerias internacionais que envolvam tecnologia, financiamento e acesso a mercados.
“A União Europeia traz tecnologia, inovação e financiamento sustentável. O Brasil traz ativos minerais, potencial industrial, uma matriz energética limpa — uma das mais limpas do mundo — e capital humano qualificado”.
Para ele, o acordo pode destravar financiamento europeu, apoiar joint ventures e integrar o Brasil a cadeias de suprimento previsíveis e de baixo carbono.
