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Favela do Esqueleto: conheça a história da comunidade criada antes da Uerj e que conviveu com a Copa do Mundo de 1950

by admin

A poucos metros do Maracanã, onde o mundo voltou os olhos para Copa do Mundo de futebol de 1950, existia uma comunidade que por décadas ocupou o terreno onde hoje está o campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj): a Favela do Esqueleto. Formada na década de 1930 ao redor da estrutura inacabada de um hospital, a região atraiu famílias que passaram a ocupar tanto o prédio quanto o entorno.
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Pesquisas recentes mostram que a origem da comunidade é mais complexa do que a ideia de uma “invasão” improvisada. A historiadora Emanuelle Torres Costa, doutoranda da Universidade Federal Fluminense (UFF) com estudos sobre a Favela do Esqueleto, afirma que parte dos primeiros moradores teria sido formada por trabalhadores de baixa renda do Ministério da Fazenda, como motoristas, copeiras e cozinheiras.
— Há relatos de que esses trabalhadores conseguiram lotes e chegaram a pagar aluguel do solo. Isso desmonta a visão de que a favela surgiu do nada — diz a pesquisadora.
O EXTRA procurou o Ministério da Fazenda para confirmar se o terreno pertencia ao órgão e se houve negociação oficial com servidores, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Versões divergentes sobre o prédio
Entre pesquisadores e registros orais, há divergências sobre qual hospital seria aquele e sobre quem administrava o terreno após a paralisação da obra. O Arquivo Geral da Cidade identifica o prédio como pertencente ao antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Por outro, a historiadora Emanuelle Torres Costa, da UFF, diz que trabalhadores de baixa renda do Ministério da Fazenda — motoristas, copeiras, cozinheiras — teriam negociado o uso do local após a interrupção da construção.
— Esses trabalhadores conheciam os bastidores da obra e acreditaram que o hospital não seria retomado. Há relatos de que conseguiram lotes e pagavam aluguel do solo — afirma.
Algumas casas da Favela do Esqueleto
Reprodução/Arquivo Geral da Cidade
Pedro Higino, pesquisador do Arquivo Geral da Cidade, afirma ainda que a estrutura era precária:
— Era uma vida intensa, com pequenos comércios e circulação constante de moradores, mas com moradias muito precárias, em grande parte de madeira.
Remoção da favela
A localização também ajudava a atrair novos moradores. A Esqueleto ficava em frente à linha de trem, perto do Centro, de fábricas e de oportunidades de trabalho. A área, vista como estratégica por quem tinha poucos recursos, também passou a ser cobiçada pelo poder público.
Relatórios do antigo Distrito Federal já classificavam nos anos 1940 a área como “removível”. A justificativa inicial era a insalubridade. Na década seguinte, com a crescente militarização do Estado, o discurso passaria a ser o de que se tratava de uma área violenta.
— A remoção não começa com o Lacerda. Desde os anos 40, há documentos que mapeiam barracos e estabelecem metas de demolição — explica Emanuelle.
A primeira grande movimentação ocorre em 1962, quando parte das famílias é deslocada para a Nova Holanda, na Maré, para dar lugar à abertura da avenida Radial Oeste — atual Rei Pelé.
Em 1964, já durante o governo Carlos Lacerda e após a transferência do terreno da União para a Guanabara, a remoção torna-se definitiva. Famílias são levadas principalmente para a Vila Kennedy, onde passaram a pagar pelas casas recebidas — muitas sem água, luz ou infraestrutura mínima.
— Aquele era um terreno estratégico e, quando decidem unificar os prédios da antiga Universidade da Guanabara, a área do Esqueleto se torna a escolha óbvia. A favela precisava sair para a universidade chegar — diz Emanuelle.
Família que morava na Favela do Esqueleto
Reprodução/Arquivo Geral da Cidade
A remoção teve consequências profundas: perda de emprego, de acesso a escolas, longos deslocamentos e ruptura de redes comunitárias.
— As pessoas perdem suas casas estruturadas e vão para longe do trabalho. Muitas crianças deixam de estudar. É uma desorganização completa da vida — afirma a pesquisadora.
Para Pedro Higino, do Arquivo da Cidade, a história da Esqueleto é chave para entender o modelo de urbanização do Rio no século 20:
— A Esqueleto é um caso dentro de uma política maior de remoção de favelas naquele período. Diversas comunidades foram removidas, principalmente na Zona Sul e em áreas valorizadas, como a favela da Catacumba e a Praia do Pinto.
A favela desapareceu, mas sua memória permanece entre pesquisadores, arquivos e antigos moradores que viveram o período de maior transformação urbana do entorno do Maracanã.
Depoimento
Gilza Ramos chegou na Favela do Esqueleto com 5 anos
Arquivo pessoal
Gilza Gomes, pensionista, de 82 anos
Cheguei a Favela do Esqueleto com 5 anos. Antes, morava no Catumbi. Minha mãe tinha se separado do meu pai e não tínhamos onde ficar. Meu tio, que era funcionário do Ministério da Fazenda, conseguiu um terreno por lá. Havia tendinhas e biroscas onde a gente comprava alimentos, açúcar, café e bebidas.
Lembro da obra do Maracanã, pois era lá que muita gente pegava madeira para construir os barracos. Também do movimento nos dias de jogo da Copa do Mundo. Quando o Brasil perdeu para o Uruguai, foi uma choradeira danada. Mesmo sendo perto, a gente não conseguia ver o campo.
Quando inventaram de fazer a avenida Radial Oeste, tiraram uma parte da favela. Na remoção, levaram todo mundo em caminhão de lixo, todo mundo junto. Isso é muito triste de lembrar. Levamos a comida amarrada em pano. Nos levaram para Bangu. Depois colocaram um ônibus para a gente, mas era tão demorado.Teve gente que perdeu emprego por causa dessa mudança.

Créditos

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