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Criação de um ambiente digital seguro, democrático e livre de violência de gênero é desafio atual.
Mais de 30 países das Américas e do Caribe contam agora com uma ferramenta importante, de alto nível técnico e político, para formular leis adequadas e responder a um dos desafios mais urgentes da era digital.
A Lei Modelo Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Digital contra as Mulheres por Razões de Gênero foi lançada no início deste mês, em Fortaleza, durante encontro regional que reuniu ministras e autoridades responsáveis pela proteção dos direitos das mulheres dos 32 Estados Partes da Convenção de Belém do Pará da América Latina e do Caribe. O documento reúne parâmetros para que os países elaborem ou aperfeiçoem legislações e políticas públicas sobre violência digital baseada em gênero, incluindo ataques misóginos on-line, divulgação não consentida de imagens íntimas, perseguição digital e outras formas de violência que afetam de maneira desproporcional a vida de mulheres e meninas.
Sob a coordenação do Ministério das Mulheres, foram sediadas a XXVI Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do Mercosul (RMAAM), a X Conferência de Estados Parte do Mecanismo de Seguimento da Convenção de Belém do Pará (MESECVI), e a XXII Reunião do Comitê de Peritas (CEVI).
O texto define violência digital de gênero contra as mulheres como “qualquer ação, conduta ou omissão contra as mulheres, com base em seu gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico, econômico ou simbólico em qualquer aspecto de suas vidas, quando cometido, instigado ou agravado, no todo ou em parte, pelo uso de tecnologia”.
A ministra Márcia Lopes afirmou que a violência digital é um fenômeno intencional e sistemático, que não pode ser tratado como incidente isolado. Em sua fala, a ministra foi categórica: “A misoginia on-line não é acidental e nem esporádica, ela é estrutural, alimentada por arquiteturas de plataformas, por modelos de negócio e por uma cultura que transforma meninas e mulheres em alvos legítimos”.
A iniciativa apresenta algumas políticas públicas de prevenção, como estabelecer uma mesa redonda interinstitucional e multissetorial, com participação do setor privado, da sociedade civil e da comunidade técnica para coordenar ações, e desenvolver estratégias conjuntas de governança digital aberta, inclusiva, transparente e com perspectiva de gênero.
Há também a sugestão de promover a alfabetização digital em todos os níveis do currículo educacional, garantindo o acesso equitativo e responsável à tecnologia; bem como garantir o uso seguro da internet, prevenir a violência de gênero e acabar com a exclusão digital. A promoção de iniciativas educacionais destinadas a funcionários do Poder Executivo, Judiciário, autoridades eleitorais e partidos políticos para prevenir a violência digital institucional de gênero é outra recomendação.
Violência digital atingiu deputada do PT
A deputada federal Carol Dartora (PT-PR) é a primeira deputada federal negra do Paraná, eleita em 2022 pelo Partido dos Trabalhadores, com 130.654 votos, sendo a mulher mais votada de Curitiba. Em 2020, ela havia sido eleita a primeira vereadora negra da história de Curitiba, sendo a terceira mais votada.
Mesmo com tantas vitórias e reconhecimento pelo seu trabalho, a parlamentar foi vítima de fortes ataques digitais e atos de violência política de gênero. Há pouco mais de um ano, a companheira passou a receber mensagens anônimas com ameaças e ofensas racistas e misóginas.
Para ela, a iniciativa do Ministério das Mulheres, em diálogo com mais de 30 países das Américas e do Caribe, demonstra que o enfrentamento ao ódio digital exige ação coordenada, internacional e interinstitucional.
“A violência digital é, hoje, uma das principais formas de ataque político contra mulheres, especialmente contra mulheres negras que ocupam espaços de poder. No meu caso, fui alvo de campanhas sistemáticas de difamação, ataques coordenados e ameaças que buscavam deslegitimar meu trabalho e me afastar da vida pública. Essa violência não acontece apenas nas telas: ela impacta o exercício do mandato, compromete a segurança, afeta a saúde emocional e restringe a participação política das mulheres”, explicou a deputada.
Ela defende que a defesa da vida das mulheres no ambiente digital é também a defesa da participação política, da liberdade de expressão e do direito de existir sem medo, dentro e fora da internet. “Instrumentos como a Lei Modelo são essenciais para fortalecer essa agenda e para que possamos construir um ambiente digital seguro, democrático e livre de violência.”
Por saber na prática o quanto essa violência compromete a democracia, e afeta diretamente o funcionamento das instituições, ela apresentou o Projeto de Lei 2540/23 para garantir mecanismos de proteção às parlamentares vítimas de violência política digital.
“Por isso, considero fundamental o lançamento da Lei Modelo Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Digital contra as Mulheres por Razões de Gênero. Trata-se de um instrumento que orienta estados nacionais a criarem políticas específicas de proteção, responsabilização e reparação, algo urgente diante do crescimento acelerado da violência on-line”, concluiu.
Vale relembrar também que, em junho deste ano, 25 deputadas estaduais da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) receberam e-mails com ameaças de morte e de estupro. As mensagens com teor altamente violento e ofensivo foram direcionadas às parlamentares tanto de direita quanto de esquerda. O episódio deixa claro que não importa se você é da esquerda, do centro ou da direita, se for mulher, você estará sujeito a ameaças simplesmente pela razão de seu gênero e raça.
Preocupação com a violência digital é mundial
Ao Ministério das Mulheres, a representante da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, afirmou que apesar de a violência ser digital, o impacto é real. “E traz à tona um debate que vem se fortalecendo desde a pandemia, que é como as diversas formas de violência se reproduzem independentemente do meio e como ela se manifesta. Temos avançado sobre o que é a violência digital ou a violência facilitada pela tecnologia”, explicou.
A organização classifica a violência contra mulheres e meninas facilitada pela tecnologia como “qualquer ato cometido, auxiliado, agravado ou amplificado pelo uso de tecnologias de informação e comunicação ou outras ferramentas digitais, que resulte ou possa resultar em danos físicos, sexuais, psicológicos, sociais, políticos ou econômicos, ou outras violações de direitos e liberdades. “
Por isso, neste ano, a campanha internacional “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres”, teve como tema “Una-se para Acabar com a Violência Digital contra Todas as Mulheres e Meninas”. A iniciativa da ONU Mulheres tem foco em alertar governos, sociedade, movimentos sociais e empresas para a violência digital, uma das formas de assédio que mais cresce contra o público feminino.
Para a ONU Mulheres, o assédio digital tem sido cada vez mais usado para perseguir, assediar e abusar de mulheres e meninas. Na avaliação da instituição, a frágil ou inexistente regulamentação do setor de tecnologia, aliada à falta de responsabilização das plataformas tecnológicas e redes sociais, bem como a normalização da violência em espaços da chamada “machosfera” – como o movimento Red Pill – contribuem diretamente para o avanço das violências digitais.
Cada vez mais a construção de estratégias de cooperação internacional no enfrentamento à violência digital e a proteção às mulheres mostra-se fundamental e urgente.
Da Redação do Elas por Elas, com informações do Ministério das Mulheres e da ONU Mulheres
