A decadência do assim chamado “Ocidente” – que para todos os americanos e europeus, preconceituosamente, se restringiria apenas aos Estados Unidos e Europa Ocidental – não é apenas econômica. Ela é, antes de tudo, “moral”. Para dominar e conquistar a legitimidade do domínio fático, foi e é necessário em todas as épocas e todos os lugares, convencer os povos oprimidos de sua inferioridade.
Dois mil anos de pregação do cristianismo nos levou a crer, como ensinava Platão, que o espírito é a virtude e o bem e o corpo e suas paixões o mal a ser reprimido e controlado. O cristianismo repagina o platonismo ao interpretar o “espírito” como o caminho para Deus, e o corpo como a fonte de todos os pecados. No Ocidente moderno, a partir do século XVIII, temos a construção do correspondente secular e antropocêntrico da mesma gramática moral, construído por Immanuel Kant.
A arquitetônica Kantiana do espírito humano define o “espírito” em termos agora não religiosos: a inteligência, a moralidade e honestidade, e a capacidade estética de produzir ou perceber o belo. Tudo, literalmente tudo, que admiramos no mundo tem a ver com estas três dimensões do espírito.
É por conta disso, quem quer que queira legitimar seu domínio sobre outras “raças”, classes, gênero ou culturas e sociedades oprimidas tenha que se representar como “espírito”. Foi isso que o núcleo europeu e americano do Ocidente fez com os povos dominados da África, América latina e Ásia. Por isso, a importância do tema da corrupção, tanto na dominação global como na interna, já que ela retira a moralidade e com isso a “humanidade” das pessoas. Para saquear a riqueza alheia é necessário desumanizar e animalizar o oprimido. E a moralidade é o centro do espírito para Kant. Durante muito tempo, este discurso colou. E as próprias elites nativas do Sul global se sentem “europeias” ganhando, com isso, a legitimação do domínio contra os oprimidos dentro de casa.
Gaza, neste sentido, é um ponto de virada. O mundo Ocidental assistiu impassível uma sociedade indefesa ser trucidada covardemente sem esboçar qualquer reação. Não houve tentativas de justificativas morais e predominou a violência nua e crua dos sionistas. O resto do mundo, no entanto, não vai esquecer jamais. Os judeus genocidas – muitos apoiando em silêncio o massacre – não vão mais poder apelar para a desculpa do holocausto, que permite transformar o agressor em vítima eterna, tendo produzido o seu próprio genocídio dentro de casa. O dano moral fica no tempo.
O ataque de Trump à Venezuela, sem qualquer “justificativa moral” convincente, escancara o vazio moral Ocidental. Os tolos pensam que é o dinheiro que manda no mundo. Mas nenhum domínio pode se basear apenas na violência militar. A justificativa moral é decisiva para legitimar o saque no decorrer do tempo. O declínio moral do Ocidente é a maior prova de sua decadência, a qual parece inexorável.
