Por Cleber Lourenço
A decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta, de pautar o projeto da anistia — rebatizado como proposta de dosimetria — expôs uma fissura aberta entre as duas Casas. O texto, segundo parlamentares ouvidos pela reportagem, foi marcado para votação sem qualquer conversa estruturada com o Senado, e sem que houvesse alinhamento prévio com líderes partidários.
Nos bastidores, o movimento é tratado como uma iniciativa unilateral de Motta para “limpar a pauta” antes do ano eleitoral. Aliados próximos reconhecem, sob reserva, que o presidente da Câmara sequer sabe se possui votos suficientes para aprovar a matéria. O tema não foi discutido com profundidade na reunião de líderes, tampouco houve construção política mínima para garantir sustentação ao projeto em plenário.
Paulinho da Força (Solidariedade-SP), relator do texto, admitiu a jornalistas que a interlocução dele com o Senado se limitou a uma conversa com o presidente Rodrigo Pacheco. Fora isso, nenhum tipo de alinhamento foi feito com Davi Alcolumbre, que preside a Casa e controla a porta de entrada de qualquer proposta sensível. A ausência completa de coordenação política rapidamente se refletiu na reação dos senadores.
Senado deve barrar a pauta
Na outra ponta da Praça dos Três Poderes, a receptividade ao projeto é praticamente inexistente. Senadores de diferentes bancadas afirmam, sob reserva, que o texto aprovado pela Câmara dificilmente prosperará. As possibilidades em discussão vão desde arquivar a proposta até reescrevê-la de forma profunda — e, nesse cenário, não há clima algum para qualquer mudança que beneficie Jair Bolsonaro ou outros mandantes envolvidos nos atos de 8 de janeiro.
A avaliação dominante no Senado é de que a iniciativa da Câmara cria ruído político desnecessário, especialmente às vésperas das eleições municipais, e pode até reacender conflitos institucionais que tanto governo quanto Congresso tentam evitar. A leitura interna é de que o movimento de Hugo Motta foi mais ligado ao calendário político do que a um esforço real de resolver o tema.
Com a votação marcada, deputados ainda tateiam os votos e líderes admitem não saber qual será o desfecho do placar. No Senado, no entanto, o futuro do projeto já está traçado: ou morre, ou volta profundamente alterado.
A decisão de pautar o projeto ocorreu horas depois de Hugo Motta ter defendido publicamente que a Câmara precisava destravar temas incômodos antes do ano eleitoral. Em conversa com o ICL Notícias, ele afirmou:
“Vamos limpar a pauta! As eternas discussões não favorecem o andamento da pauta do Congresso. É prerrogativa do presidente definir os temas que serão debatidos e decidir o momento certo de ouvir a soberania do Plenário. Chegou o momento da Casa decidir, e quem tiver voto que vença. O presidente não pode ser, e não será, líder do governo, nem líder da oposição”.
Apesar do discurso, o gesto de Motta foi lido em Brasília sob um prisma político mais amplo. A movimentação coincide com o anúncio da pré-candidatura de Flávio Bolsonaro à presidência em 2026 — e, nos bastidores, o próprio senador vinha indicando que a anistia do pai seria um dos elementos centrais para seu projeto eleitoral ser retirado do campo para dar lugar ao projeto de poder do Centrão.
A pauta, portanto, avança em um momento no qual a pressão por um aceno ao bolsonarismo se torna estratégica para quem tenta costurar alianças para o próximo ciclo eleitoral.
A reação no Senado ganhou corpo público com a manifestação de Renan Calheiros, que reforçou a resistência da Casa Alta ao projeto. Segundo ele: “O Senado não pode e não deve votar redução de pena para golpistas! Apoio integralmente o presidente da CCJ do Senado, Otto Alencar, para que propostas como esta tramitem pelas Comissões. O tema é de competência da Justiça”.
Renan ainda acrescentou um recado direto à Câmara: “O Senado não pode aceitar passivamente que isso tramite aqui na Casa”.
A fala de Renan sintetiza o ambiente no Senado: a percepção de que o texto aprovado na Câmara não encontra respaldo político, jurídico ou institucional na outra Casa, e que qualquer iniciativa de reduzir punições impostas pelo STF tensiona a relação entre os Poderes. em um momento no qual a pressão por um aceno ao bolsonarismo se torna estratégica para quem tenta costurar alianças para o próximo ciclo eleitoral.
