A proximidade da entrada em vigor do Imposto de Renda Mínimo para altas rendas, prevista para 2026, já provocou uma reação significativa entre as grandes companhias listadas na Bolsa. Levantamento com base em comunicados divulgados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) feito pelo jornal Folha de S. Paulo mostra que essas empresas anunciaram a distribuição de quase R$ 100 bilhões em lucros acumulados até este ano.
A maior parte das companhias optou pelo pagamento tradicional de dividendos, o que representa dinheiro direto no bolso do investidor. No entanto, algumas empresas têm buscado uma alternativa para evitar grandes saídas de caixa: a remuneração por meio de ações bonificadas, também chamadas de ações resgatáveis, que não exigem desembolso imediato.
Os dados consideram anúncios feitos entre 1º de novembro e 16 de dezembro e envolvem lucros retidos ao longo de anos anteriores ou apurados ao longo de 2025.
Entre as empresas que mais anunciaram pagamentos ou capitalizações estão a Axia Energia, com R$ 34,3 bilhões, o Itaú Unibanco, com R$ 23,4 bilhões, e a Rede D’Or, com R$ 7,7 bilhões. Nenhuma delas detalhou explicitamente os motivos que levaram à decisão, embora o novo cenário tributário esteja no radar do mercado.
Do total anunciado, cerca de R$ 52 bilhões devem ser efetivamente pagos em dinheiro até 2028, sendo aproximadamente R$ 36 bilhões já previstos para este ano. O restante será repassado aos acionistas na forma de ações bonificadas, o que implica aumento de capital das companhias sem saída de recursos do caixa.
Com ações bonificadas, empresas tentam escapar do desembolso imediato
A distribuição de ações bonificadas permite que as empresas remunerem seus sócios sem comprometer liquidez ou elevar o endividamento. Além disso, é vista como uma forma de manter recursos no país, já que cerca de 60% das ações negociadas na Bolsa brasileira pertencem a investidores estrangeiros — o que poderia pressionar o câmbio em caso de pagamentos elevados em dinheiro.
Segundo especialistas, essas ações podem ser negociadas normalmente no mercado e seguem as mesmas regras de tributação aplicáveis às demais operações. A principal diferença é que, ao contrário dos dividendos, a bonificação só gera liquidez se o investidor decidir vender os papéis.
Em alguns dos programas anunciados, as empresas também preveem a possibilidade de recompra dessas ações no futuro.
A Axia Energia, antiga Eletrobras, convocou assembleia para analisar a proposta de capitalização de R$ 34,3 bilhões em reservas de lucro. A operação prevê a entrega de novas ações preferenciais aos acionistas, preservando a flexibilidade financeira da companhia e sua capacidade de investimento, além de proteger direitos ligados aos dividendos.
Já a Rede D’Or anunciou o pagamento de R$ 5,6 bilhões em dividendos no fim de 2025 e outros R$ 2,1 bilhões até o final de 2026, com previsão de retenção de tributos conforme a legislação vigente.
Imposto mínimo tem regras de isenção
Advogados tributaristas argumentam que a tributação de lucros apurados até 2025 seria inconstitucional, mesmo que o pagamento ocorra posteriormente. A nova lei, porém, só garante isenção se a empresa decidir o destino desses lucros até o fim deste ano e efetuar os pagamentos até 2028.
Para evitar disputas judiciais, muitas companhias optaram por seguir estritamente o que está previsto na legislação. Em diversos comunicados à CVM, as empresas mencionam expressamente que as decisões tomadas seguem as regras do novo Imposto de Renda da Pessoa Física, sancionado em novembro.
A partir de 2026, dividendos acima de R$ 50 mil por mês pagos a pessoas físicas residentes no Brasil terão retenção de 10% na fonte. Para investidores estrangeiros, a retenção ocorre independentemente do valor. A tributação final será ajustada na declaração anual do imposto de renda, conforme as demais rendas do contribuinte.
Impacto fiscal e próximos passos
Há no Congresso uma proposta para ampliar o prazo de definição sobre a distribuição de dividendos até abril, mas a avaliação do mercado é de que as chances de aprovação são mínimas. O governo também indicou que não pretende editar medida provisória para estender esse prazo.
O impacto fiscal dessa antecipação ainda é incerto. As projeções oficiais já consideravam uma redução na distribuição de lucros como reação ao novo imposto. Além disso, parte dos valores agora anunciados se refere a resultados acumulados há muitos anos, que dificilmente seriam distribuídos no curto prazo.
Relatórios de mercado indicam que os lucros retidos pelas companhias abertas somam centenas de bilhões de reais, representando parcela relevante do valor de mercado dessas empresas. A antecipação das distribuições, portanto, reflete não apenas uma estratégia tributária, mas também uma reorganização financeira diante das novas regras que entram em vigor a partir de 2026.
